Por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)
Vivemos com a alegria que vem do Senhor a estação litúrgica da Esperança, o Tempo do Advento. Somos acompanhados pelos textos proféticos, especialmente do profeta Isaías, e conduzidos pelas mãos de Nossa Senhora, cuja Imaculada Conceição celebramos nestes dias, assim como outros títulos a ela atribuídos, como Nossa Senhora de Guadalupe, uma figura de uma mulher grávida, Nossa Senhora da Expectação ou Nossa Senhora do Ó, e ainda Nossa Senhora da Esperança, estas últimas comemoradas no dia dezoito de dezembro, dentro da semana em que clamamos pela vinda do Redentor com as belíssimas antífonas oferecidas pela Liturgia, como nascidas justamente da vida espiritual da Virgem de Nazaré, que clama conosco: Ó Sabedoria, que saístes da boca do Altíssimo; Ó Adonai, guia da casa de Israel; Ó Raiz de Jessé, ó estandarte, levantado em sinal para as nações; Ó Chave de Davi, Cetro da casa de Israel; Ó Sol nascente justiceiro, resplendor da Luz eterna; Ó Rei das nações. Desejado dos povos; Ó Emanuel: Deus-conosco. A tônica é a da Esperança, virtude teologal tão importante nos dias que correm!
Entretanto, a Igreja nos oferece uma figura especial de Advento, São João Batista, que se torna mestre por duas semanas da Liturgia do Tempo forte que vivemos. Nele se encontram todas as esperanças proclamadas pelos profetas, tanto que o Senhor o considerou profeta e mais do que um profeta. Resplandece nele o fato de ter sido fruto da natureza e muito mais da promessa de Deus, já que seus pais eram de idade avançada. Não é difícil observar que outros personagens da História da Salvação também vieram ao mundo por caminhos extraordinários, desde Abraão e Sara que geraram o filho Isaac, para chegar ao máximo da benevolência do Pai, o seu Filho nascido da Virgem Maria!
Toda vida é um mistério, que não se esgota no gesto maravilhoso de um homem e de uma mulher que participam da obra criadora de Deus. Em João Batista, podemos encontrar os sinais do temperamento e da personalidade de cada homem e de cada mulher, inclusive com as reações observadas nas crianças, desde os primeiros vagidos, assim que chegam a este mundo, depois de ter dado tantos sinais à própria mãe, desde a concepção, quando, maravilha das maravilhas, Deus cria uma alma imortal, com uma dignidade indestrutível! Contemplemos a beleza da vida única e digna de cada um de nós, em cujo peito pulsa a dignidade do amor de Deus que nos fez!
E “João é o seu nome!” Este nome indica o que é agraciado por Deus, veio pela graça e a misericórdia de Deus! Nele se encontra a missão que lhe foi entregue, vinda do alto. Nele está a dignidade da história e do nome de cada pessoa que veio a este mundo. O Senhor afirmou ser este homem maior do que todos e ao mesmo tempo abriu os horizontes para reconhecer que no Reino de Deus o menor é maior do que João. É que Deus tem critérios diferentes, e a todos valoriza, não desejando que qualquer pessoa seja desprezada a desvalorizada! Imensidão que se manifesta no nome que recebemos no Batismo!
Quando nasceu João, o pai Zacarias logo profetizou em detalhes a tarefa que lhe seria confiada: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor, preparando os seus caminhos” (Lc 1,76). Precursor é quem traça rumos de uma estrada a ser aberta no meio das matas do mundo. Precursor é quem aceita viver em função de um outro, abraçando o protagonismo do serviço humilde. Precursor é aquele que “se vestia de pelos de camelo, usava um cinto de couro à cintura e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Ele proclamava: ‘Depois de mim vem aquele que é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de, abaixando-me, desatar a correia de suas sandálias’” (Mc 1,6-7). Neste Advento, seu exemplo nos faz questionar sobre os passos que damos, perguntando se o Senhor poderia pisar nos rastros que deixamos ou, quem sabe, teríamos que apagá-los depressa e envergonhados! Advento serve também para revisão de vida!
Passadas as primeiras etapas de sua vida em família, começa a missão pública de João Batista, depois de uma longa etapa no deserto, como um grande Retiro de preparação, antes de sua aparição. Certamente rudes eram seus gestos e o modo de viver, corajosas e desafiadoras as suas palavras, ousadas as suas intervenções, inclusive diante de autoridades, como Herodes. Em João resplandece o compromisso com a retidão e a verdade, para o qual havemos de rezar e ao mesmo tempo abraçar os riscos decorrentes. Qualquer palavra forte de nossa parte seja precedida do silêncio, da oração e a capacidade de pronunciá-la no modo e no momento oportuno, para edificar a todos, provocar sem violência, contribuindo para que as pessoas se tornem capazes de visitar seu próprio coração, e nasça de dentro a conversão.
Continuam atuais os passos do diálogo das multidões com João Batista, que dispensam qualquer comentário: ‘“Que devemos fazer?’ João respondia: ‘Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!’ Até alguns publicanos foram para o batismo e perguntaram: ‘Mestre, que devemos fazer?’ Ele respondeu: ‘Não cobreis nada mais do que foi estabelecido.’ Alguns soldados também lhe perguntaram: ‘E nós, que devemos fazer?’ João respondeu: ‘Não maltrateis a ninguém; não façais denúncias falsas e contentai-vos com o vosso soldo’” (Lc 3,10-14). Podemos acrescentar profissões e situações humanas para, aproveitando o Advento, descobrir outras tantas respostas que podem ser dadas por João Batista a cada cristão.
A maturidade do ministério exercido por João Batista chegou ao ponto mais alto. De fato, assim diz a Liturgia do nascimento de João Batista: “Ainda no seio materno, ele exultou com a chegada do Salvador da humanidade e seu nascimento trouxe grande alegria. Foi o único dos profetas que mostrou o Cordeiro redentor. Batizou o próprio autor do Batismo, nas águas assim santificadas e, derramando seu sangue, mereceu dar o perfeito testemunho de Cristo”. A plena maturidade foi da entrega de sua vida por causa da verdade. João Batista “perdeu a cabeça” de uma forma única e repleta de dignidade, eclipsando-se totalmente na morte e na glória, para que o próprio Senhor viesse a crescer, ensinando-nos a “perder” tantas vezes nossas opiniões e pontos de vista para que resplandeça o que Deus quer de nós! Também aqui sua vida é carregada de lições, pois nele se realiza a palavra do profeta Isaías: “Grita uma voz: ‘No deserto abri caminho para o Senhor! No ermo rasgai estrada para o nosso Deus! Todo vale seja aterrado, toda montanha, rebaixada, para ficar plano o caminho acidentado e reto, o caminho tortuoso’”. (Is 40,3-4)
Fonte: CNBB