Por Frei Clarêncio Neotti
O mistério não contraria nossa inteligência, nossa lógica, mas está acima dela. O mistério tem algumas explicações, mas jamais pegaremos seu núcleo. O mal é um mistério, ainda que seja uma realidade. Paulo VI disse textualmente (15.11.1972): “O mal constitui a maior dificuldade para a nossa compreensão religiosa do cosmos”. Santo Agostinho, que passou anos inteiros procurando a explicação do mal, não a achou e disse nas suas Confissões (VII,5): “Procurei de onde vinha o mal e não encontrei explicação”. De fato, para o intelecto humano é fácil acolher a dinâmica do sucesso, da afirmação, da glória, mas lhe custa acolher (nem digo compreender) o sofrimento, a humilhação e a morte. E pior quando a morte vem de modo violento e injusto.
Carlos Mesters, no livro “A missão do povo que sofre”, conta a história verdadeira da Teresinha, que “veio de Minas para a Baixada Fluminense. Veio com o marido e o filho de poucos meses e foi morar com a irmã casada. Certo dia, o filho ficou doente, muito doente. O marido não estava em casa. Ela ficou sem saber o que fazer. Chamou o cunhado e juntos foram ao posto médico mais próximo. Não foram atendidos. Parece que faltavam alguns papéis. Foram ao centro da cidade. Andaram a tarde toda, de hospital em hospital. Na boca da noite, tomaram o ônibus de volta. Por sorte conseguiram um lugar para sentar. O nenê piorando. De vez em quando, a mãe tirava o cobertor e olhava o filho, preocupada. Ele parecia dormir. Quando o ônibus parou debaixo de uma lâmpada, ela olhou de novo e percebeu. Levou um susto. O menino estava morrendo. Ela ficou em pânico … O cunhado falou baixinho: Quieta, mulher, fique firme, não deixe perceber nada. Senão a polícia vem prender a gente! Assim ela ficou até o ponto final. O filho morto nos braços”.
Encurtei a história, que é verdadeira. Haverá muitas outras histórias parecidas. Não sei o que é mais difícil de acolher: a morte de uma criança inocente ou a maldade dos homens em não atender uma criança doente. É o mesmo mistério estúpido do mal.
Fonte: franciscanos.org.br
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.