O lugar e o remédio das tentações

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Gustavo Medella

 

Ao comentar o fato de Jesus, homem e Deus, ter-se submetido às insídias do maligno no deserto, São Leão Magno afirma: “O Senhor permitiu que o tentador lhe visitasse, para que nós recebêssemos, além da força de seu socorro, o ensinamento de seu exemplo”. Fica explicitada, desta forma, a função pedagógica do episódio que pode e deve ser aplicada na vida pessoal de cada cristão e também da comunidade de fé. Trazer para nossa realidade o perigo das tentações e buscar em Cristo – por sua força divina e seu exemplo humano – o caminho para superar tais riscos são duas ações que sintetizam a proposta central do Tempo da Quaresma: penitência e conversão.

Sobre a atualidade das tentações e os exercícios disponíveis para superá-las, o franciscano Santo Antônio de Pádua escreve em seus Sermões: “Observa ainda que, como o diabo tentou o Senhor pela gula no deserto, pela vanglória no templo e pela avareza sobre o monte, assim também faz conosco hoje em dia: tenta-nos pela gula no deserto do jejum, pela vanglória no templo da oração e do ofício, e por muitas formas de avareza no monte de nossos ofícios”. Chamam atenção os ambientes onde tais tentações são apresentadas e os exercícios quaresmais aos quais elas estão relacionadas.

A tentação da gula no deserto

Deserto é lugar de grande espaço vazio, da solidão, onde o ser humano se confronta com a própria pequenez diante da imensidão vazia que percebe a seu redor. Vazio que expressa também o vácuo interior de carências e necessidades que cada um traz dentro de si. É justamente no afã de preencher este vazio que a pessoa sucumbe à tentação da gula que, para além da voracidade em obter e ingerir alimentos, expressa a ilusão de quem acredita que a plenitude de sua vida está numa postura de consumo exagerado, na busca desenfreada por luxos e prazeres que se mostram escandalosamente passageiros e perecíveis.

O jejum, neste caso, é o exercício corajoso daquele que se coloca sem medo diante das próprias necessidades, buscando responder honestamente a questões que são incômodas, mas, ao mesmo tempo, profundamente libertadoras: “Por que, apesar de minha vida social agitada e cheia de luxos, sinto-me tão infeliz? Preciso mesmo de todo este aparato para viver de forma digna e sóbria? Até que ponto esta lógica de consumo e superficialidade também se estende no universo de meus relacionamentos?” Quem tem a ousadia de buscar respostas sinceras a tais perguntas, certamente chegará a respostas que mostrarão um caminho de maior sobriedade e consistência existencial.

A tentação da vanglória no templo

Templo é lugar de cultivar a relação com o Sagrado, de forma que a este tipo de tentação, a princípio, estão sujeitas as pessoas que se identificam com práticas religiosas, às vezes mais ou menos institucionalizadas. É o caminho do fanatismo, da intolerância, do julgar-se mais perfeito do que seus semelhantes, do compreender a figura de Deus como um devedor de alguém (no caso o próprio crente) que, em tese, lhe é tão fiel na observância de doutrinas e práticas bem delineadas.

O antídoto para esta delirante tentação é a oração humilde, que brota de um coração que se percebe pequeno e fragilizado. É a reza sofrida e esperançada do publicano (Lc 18,9-14), que não se vale dos próprios méritos, mas entrega-se com confiança à misericórdia infinita do Pai. Encontrar esta via de uma oração sincera e despretensiosa de qualquer vestígio de vaidade é achar o tesouro de uma relação íntima e amorosa com Deus.

A tentação da avareza no alto do monte

Alto do monte é o lugar das responsabilidades e encargos que cada um possui em sua caminhada. Diz das posições de poder que a pessoa alcança em seu percurso existencial. No entanto, na perspectiva cristã, nenhum poder é finalidade em si mesmo, mas sempre deve estar a serviço da promoção do bem comum. A tentação de amarrar-se a uma posição de mando ou coordenação como meio de sustentar-se em privilégios e garantir-se no acúmulo de bens é uma armadilha perigosa que conduz ao isolamento do egoísmo e da desumanização.

Para vencer a avareza, o exercício proposto é o da esmola, da partilha generosa ao modo do discreto e silencioso óbolo da viúva (Mc 12,41-44) que, ao dividir o pouco que possuía, manifestou a riqueza de um coração capaz de confiar em Deus e se doar ao próximo.

Fonte: Franciscanos

 


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011

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