O grande Mandamento

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Pe. Johan Konings

 

No tempo de Jesus, com o intuito de levar até as pessoas leigas à “santidade” do templo, os fariseus empenhavam-se em ensinar códigos de comportamento para os que queriam ser perfeitos. Mas mesmo entre eles havia quem percebesse que era “bom demais” e que todas essas regras, com suas contradições internas, podiam não ser o melhor meio para levar o povo à proximidade de Deus. Por isso, havia escribas e mestres da Lei que procuravam encontrar um mandamento único, que constituísse, senão o resumo, pelo menos uma expressão representativa da Lei toda. Algo que se pudesse citar enquanto se estivesse apoiado num único pé …

Ao chegar em Jerusalém, Jesus foi confrontado com semelhante pergunta. “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”, pergunta-lhe um escriba (evangelho). Jesus responde com a primeira frase da oração sinagoga!: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com todas as forças” – uma citação de Dt 6,4 (cf. 1ª leitura). Mas Jesus não para aí; cita um segundo mandamento, que completa o primeiro: “Ama teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Pois quem ama a Deus não pode não amar seus filhos (1 Jo 4,21).

Amar a Deus e ao próximo constitui o “duplo primeiro mandamento”, porque se não se passa por ele, os outros mandamentos não servem. Para entrar no caminho da justiça é preciso entrar pelo portão do amor a Deus e a seus filhos. Uma moral que não se ajuste desde o início com o amor a Deus e ao próximo não é vontade de Deus. Jesus mesmo nos dá um exemplo de como ler a moral a partir dessa porta de entrada. No Sermão da Montanha ele explica os mandamentos,- “não matar”, “não cometer adultério”, “não jurar falso” – à luz da vontade do Pai, que é o amor aos filhos (Mt 5,21-48). Moral cristã só se concebe a partir do amor.

A moral proposta por Jesus não é moralismo mesquinho, apego escrupuloso à letra da Lei. Não é deixar de fazer o bem por medo de transgredir a letra da Lei. Já Platão e outros filósofos ensinaram que a Lei é apenas um indício; não é idêntica à realidade da vida. Só o amor consegue captar o sentido da vida como o Pai amoroso a concebeu. Quem ama não procura fazer apenas o mínimo que a letra exige, mas o máximo que o amor é capaz de fazer. Quem ama procura aquilo que corresponde mais ao amor que Deus nos mostrou e ao bem do irmão. A moral baseada no amor não é rigorista nem frouxa; é dinâmica.

Por isso, amar a Deus e a seus filhos não é coisa de meros sentimentos; é coisa prática. Significa optar por Deus e sua causa. Implica amar aos irmãos “com ações e em verdade” (1Jo 3,18). No Sermão da Montanha (Mt 5,43-45) e na parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37), Jesus ensina que esse amor se toma próximo de qualquer necessitado e se estende a todos, inclusive aos inimigos (pois eles também são filhos do Deus que é Pai).

Amar a Deus e ao próximo … Objeta-se hoje que a segunda metade basta. É bem possível ser justo, ser ético, amar o próximo, sem se preocupar com esse invento da imaginação que se chama “deus” … Ora, não é Deus que é ilusão, mas pensar que se pode amar o irmão sem amar a Deus. Os grandes sistemas ateus destes últimos séculos no-lo ensinaram: capitalismo, marxismo, fascismo, neoliberalismo … Quando não é inspirado pela incansável busca de Deus, que está acima de todos, o amor se transforma em imposição tirânica. Quem não procura servir o Deus invisível e inefável – que mostra seu rosto em Jesus – termina procurando-se a si mesmo sob o pretexto de amar o irmão. Nada mais corriqueiro do que amar-se a si mesmo com o pretexto de amar ao outro.

Fonte: Franciscanos


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

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