O frio físico e a friagem espiritual

Imagem: PxHere (domínio público)

Por Frei Luiz Iakovacz

 

Ambos necessitam de cuidados e ambos fazem parte do mesmo corpo. São as duas pernas que o movimentam e os dois braços que executam trabalhos, em perfeita sintonia.

Quando Jesus diz a Nicodemos “o que nasce da carne é carne e o que nasce do espirito é espírito” (Jo 3,6), não significa dicotomia ou paralelismo. A carne é tudo o que se refere à materialidade (comida, roupa, saúde, moradia…). São os direitos e deveres de cidadania que conduzem a uma vida digna.

Esta, porém, está subordinada à espiritualidade. Quando Deus criou o ser humano, modelou-o com argila do solo; era como se fosse um boneco estático. Mas, ao ‘soprar seu hálito, tornou-se um ser vivente’ (cf. Gn 2,7).

Após a multiplicação dos pães que saciou o povo – Jesus propõe um ‘pão que dura eternamente, um novo maná que é Ele mesmo’. Tal ensinamento criou resistência nos ouvintes e muitos o abandonaram (cf. Jo 6,1-66).

No Sermão da Montanha, Cristo prioriza a vida interior, sem menosprezar a corporeidade: “Procurai, em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33).

É necessário que haja uma vigilância constante, porque a materialidade, expressa num capitalismo sofisticado e atraente, propõe que a segurança da vida e sua felicidade, está no acúmulo de bens materiais, ao ponto de dispensar o próprio Deus.

Jesus faz este mesmo alerta, numa parábola, em que um proprietário abasteceu todos os seus celeiros e disse: ‘oh, minha alma, tens uma enorme quantidade de bens! Repousa, alegra-te, come, bebe, divirta-te’.

Jesus o chama de ‘insensato’ porque, daqui a pouco, a materialidade do corpo voltará ao pó. Para quem ficará o que foi acumulado?!

E conclui: “assim acontece com aquele que ajunta tesouros para si e não é rico para Deus” (cf. Lc 12,16-21).

O materialismo capitalista, também, não nos deixa ver a realidade que está nosso redor.

Jesus conta a parábola do ‘rico opulento e o pobre Lázaro’. O primeiro só pensa em roupas sofisticadas e banquetes diários. Este frenesi da vida social, o deixou obcecado ao ponto de não ver o Lázaro que, na porta de sua casa, pedia comida e remédio para as feridas.

Os cães faziam-lhe companhia e lambiam as úlceras. Foram mais humanos que o dono da casa (cf. Lc 16,19-31).

Por outro lado, o rico Zaqueu, após o encontro pessoal com o Cristo, prometeu devolver o que roubara e que daria metade dos bens aos pobres. Jesus não lhe pediu, ele mesmo o fez. Isto lhe mereceu o conhecido mote “hoje entrou a salvação nesta casa” (cf. Lc 19,1-10).

Alguém poderá afirmar que Zaqueu agiu assim, pois estava possuído de uma incontida alegria em receber Jesus em sua casa e conversar, pessoalmente, com ele. E hoje?! Como ver Jesus?!

Se possuirmos, de fato, o ´sopro de Deus´, podemos vê-Lo na prática da cristã e amorosa caridade: comida, roupa, solidariedade, defesa da dignidade humana…feita por amor ao Reino.

Àqueles que assim agirem, Ele dirá: “Vinde e tomai posse do Reino […] Tudo o que fizestes a um desses pequeninos foi a mim que o fizeste” (Mt 25,40). Em Lucas, Ele faz esta proposta: “Fazei amigos com o dinheiro da iniquidade para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas tendas eternas” (Lc16,9).

Por fim, o que Francisco tem a dizer sobre as vestes?!

Assim escreveu ele: “Os frades usem roupas vis e podem remendá-las com retalhos, com a bênção de Deus. Admoesto e exorto a não desprezarem nem julgarem aqueles que usam vestes macias e tomam comidas e bebidas finas” (Rb 2,17-18; Rnb 2,13-24).

Era assim que viviam os pastores e camponeses, com roupas vis. Os remendos são reforços para aquecer melhor determinadas partes o corpo (coluna, abdômen, coração…).

Francisco, também, tem um jeito sui generis para aquecer o corpo. Assim escreve Tomás de Celano: “Esse homem aquecia-se mais com o fogo divino que tinha por dentro, do que com a roupa que recobria o corpo. […] Quando o espírito está morno, a carne e o sangue precisam procurar o que é próprio para aquecerem-se” (2 Cel 69,1-4).

Mutatis mutandi, Francisco diz que o mesmo acontece na pregação. Quando esta é preparada com a meditação e a oração, da boca do pregador saem palavras aquecidas que atingem o coração dos ouvintes.

Jesus fez “arder o coração dos discípulos de Emaús” (Lc 24,32).

Resta-nos suplicar: Senhor Deus, que o teu “sopro nos torne seres vivos” (Gn 2,7) para levarmos a bom termo a obra iniciada” por Cristo e Francisco. Amém!

Fonte: Franciscanos

 


Frei Luiz Iakovacz, OFMfrade desta Província da Imaculada, é coordenador da Fraternidade Santo Antônio de Santana Galvão de Colatina (ES).

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