O fogo do lar

Imagem de Nathan Dumlao em Unsplash

Muitos de nós temos origem familiar no interior. E tantas pessoas de localidades rurais têm a alegria de uma cozinha grande, com fogão de lenha, local adequado também pra longas conversas, celebrando a memória de nossas famílias. Além disso, em nossas festas juninas há pouco comemoradas, mesmo quando falta o frio para justificá-las, lá está a fogueira, acompanhada até de muitas tradições, conservadas com carinho pelas nossas paragens. E mais uma vez, no tempo de férias apenas terminado, ouvi pessoas contando suas visitas ao seu “interior”, como se fosse o interior do coração! Uma beleza, uma grande alegria. Acrescento a realidade de nossas casas, com o cheiro agradável da refeição que fica pronta. E já ouvi por aí que casa sem fogo aceso na cozinha não consegue ser lar. Que o digam as pessoas que, por vários e justificáveis motivos, devem pedir comida de fora. E ainda mais, todos nos alegramos quando vemos restaurantes e pizzarias com pessoas quer se confraternizam, justamente em torno do alimento! É impressionante como todos querem de novo encontrar-se, superada a fase mais aguda da pandemia. É que fomos feitos para a convivência, em todos os níveis, o que necessariamente vem a ser cultivado por todo lado! 

Neste final de semana, celebramos o Dia dos Pais e iniciamos no Brasil inteiro a Semana Nacional da Família, “Amor em família: vocação e caminho de santidade”, o tema escolhido pelo Papa Francisco para o Encontro Mundial das Famílias, realizado em Roma em junho de 2022. O calor do afeto familiar, o relacionamento próximo, as relações de conjugalidade, paternidade, filiação e fraternidade são fundamentais em nossa vida. Faltando tais dimensões, há um trabalho exigente para restaurar histórias e personalidades.  

Justamente no mês dedicado às vocações, ressoe o apelo à pastoral vocacional matrimonial, ajudando especialmente os nossos jovens a redescobrirem a graça do Sacramento como caminho possível e excelente. O Encontro mundial das famílias, celebrado no quinto aniversário da exortação apostólica “Amoris Laetitia”, pretendeu destacar o amor familiar como vocação e forma de santidade, para compreender e partilhar o sentido profundo e salvífico das relações familiares na vida quotidiana. Deus criou o homem e a mulher, e junto com toda a obra da criação, viu que tudo era muito bom. Sim, o fogo de afeto plantado por ele para que o homem e a mulher se descubram reciprocamente e edifiquem novas famílias, que se tornem lares, é uma ingente tarefa a ser assumida pela Igreja. Aliás, a palavra lar tem a ver com lareira, fogo do lar, fogo da casa!  

A imagem do fogo está presente no Evangelho do vigésimo domingo do Tempo Comum: “Eu vim fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). Este fogo do afeto familiar é expressão de amor. Todos são chamados por Deus a fazer da família a Igreja doméstica. Vejamos a preciosidade do ensinamento do Papa Francisco: “Desejo saudar as famílias com afeto e reconhecimento, especialmente neste nosso tempo, no qual a família é sujeita a incompreensões e dificuldades de vários gêneros que a enfraquecem. O núcleo familiar de Jesus, Maria e José é para cada fiel, e particularmente para as famílias, uma autêntica escola do Evangelho. Aqui admiramos a realização do desígnio divino de fazer das famílias uma comunidade de vida e de amor especial. Aqui aprendemos que cada núcleo familiar cristão é chamado a ser ‘Igreja doméstica’, com traços típicos: recolhimento e oração, compreensão e respeito mútuos, espírito de sacrifício, trabalho e solidariedade. Do exemplo da Sagrada Família, cada família receba indicações preciosas para o estilo e as escolhas de vida. Maria e José ensinam a acolher os filhos como dom de Deus e doando ao mundo, em cada criança, um novo sorriso. Se não se abre a porta da família à presença de Deus e ao seu amor, a família perde a harmonia, prevalecem os individualismos e a alegria se apaga. Ao invés, a família que vive a alegria da fé é sal da terra e luz do mundo, fermento para toda a sociedade” (Cf. Papa Francisco, em 27.12.2015).  

Entretanto, se voltamos ao Evangelho, somos ajudados a enfrentar as dificuldades existentes: “Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra conta nora e nora contra sogra” (Lc 12,51-53). Ninguém considere justificadas as brigas internas nas famílias! O que ocorre é que a escolha do seguimento de Jesus é a única estrada para ajustar famílias e convivência humana. A nova lei, proposta por Jesus pede que Deus, fonte de vida, tenha o primeiro lugar, para estabelecer uma ordem de valores. Ao pai e a mãe, que acolheram o dom da vida, cabe um segundo lugar, tanto que um pai ou uma mãe que se prezem nunca induzem os filhos a desobedecerem a lei de Deus. 

E aqui nascem algumas indicações. Família é lugar de cultivo da vocação à santidade. Nivelar a vida pelo rodapé da existência e da dignidade humana, acostumando-se à mentira, à falsidade, à linguagem chula, e mais ainda à cumplicidade com o crime e a desonestidade, tudo isso seja extirpado de nossas casas. Talvez pareça muito singelo, mas vale propor a diminuição do volume nas reclamações, repreensões e discussões em nossas casas. E depois, refletir bem dentro da família, auxiliando os filhos, especialmente adolescentes e jovens, para o discernimento dos passos a serem dados. É hora de diálogo aberto, sincero e seguro, com base nos ensinamentos do Evangelho e na palavra da Igreja, sobre os assuntos de afetividade e sexualidade, sobre a convivência e o diálogo. Sejamos capazes de superar a tentação da gravíssima omissão nestes temas. E voltando ao “interior”, quem sabe tenha chegado a hora de ouvir os bons conselhos dos velhos e avós, escolados pela vida, mesmo se os julguemos pouco “letrados”! 

A verdadeira escola que é a Igreja Doméstica, em nossas casas, aproveite a semana da família para gostar da reconciliação e do perdão. Podemos até aproveitar o ambiente da grande família, onde filhos e irmãos já formaram seu próprio núcleo familiar, aquela convivência que acontece nas festas, casamentos ou enterros, para verificar desconfianças e inimizades que andam corroendo os corações das pessoas, inclusive transferindo brigas para as novas gerações. Sim, santidade passa pela paz, cuja realização só pode acontecer quando todos se sentirem atraídos e se deixarem atrair pelo Príncipe da Paz, que é Jesus Cristo. 

E podemos incluir nossas famílias na oração que a Igreja faz neste final de semana: “Ó Deus, preparastes para quem vos ama bens que nossos olhos não podem ver; acendei em nossos corações a chama da caridade para que, amando-vos em tudo e acima de tudo, corramos ao encontro das vossas promessas, que superam todo desejo. Amém!” 

Fonte: CNBB

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