O Evangelho de Jesus segundo Marcos

Michel Quesnel é um estudioso da Bíblia. Numa revista francesa de divulgação bíblica de 1987 (Les dossiers de la Bible) procurou explanar os motivos pelos quais apreciava Marcos. Neste ano de Marcos nas leituras dos domingos esta leitura pode ser oportuna. Vamos sintetizar seu pensamento.

 

Devo dizer que quanto mais leio Marcos, mais o aprecio, pelo texto como tal e pela face de Cristo que ele me permite descobrir. Quando mais se lê Marcos, mais alguém se sente ligado a Cristo.

O texto de Marcos parece rude, sem acabamento, por vezes curiosamente breve, incisivo; outras vezes cheio de pormenores que passam a impressão que ele faz parte do evangelho. Gosto do travesseiro sobre o qual Jesus dorme na parte detrás da barca durante a tempestade que se desencadeia e apavora os apóstolos (Mc 4,38); ou esse possesso desgrenhado, que arrebentava as correntes que o prendiam e se feria com pedras (Mc 5,4); ou a história do infeliz pai de um menino epilético que descreve para Jesus todos os pormenores de suas crises (Mc 9,22). Sim, Marcos é um habilidoso contador de histórias e é bom deixar-se levar pelo seu charme.

Sem complacência

Não se pode, no entanto, constatar apenas habilidade. Se o evangelista faz tantos esforços para que o leitor entre em seu texto é porque seu lugar encontra-se ali, junto de seus discípulos, olhando e escutando Jesus sem compreender grandes coisas. Segundo Marcos os discípulos não são muito brilhantes. Duros de coração, impermeáveis a todos os sinais, sequiosos de honraras no momento mesmo em que Jesus anuncia sua paixão, covardes… Presentes quando as coisas andam bem e quando são suscetíveis de participar do cortejo vitorioso do Messias. Quando as coisas desandam; cada um vai para o seu lado. Nenhum deles está presente ao pé da cruz. Ali estavam apenas algumas mulheres paralisadas num silencio medroso. Pelo fato de não poupar os discípulos e sem medo de mostrar suas limitações, o evangelista permite que eu me identifique com eles com meus temores e minha mediocridade. O itinerário é meio delicados, mas ele pode ser o meu.

Marcos permite que una minha história à sua obra e quando a leio, eu sou Pedro, Tiago e João que olho para Cristo, sigo por um momento, dois passos para trás e depois retomo a caminho que redescubro com muita dificuldade.

Aguçado senso do mistério

Há mais ainda. Marcos está todo impregnado da ideia de morte: perseguição para os discípulos, angústia de Jesus quando chega a hora da cruz, a surpreendente confissão do centurião romano que fiscalizava a execução dos três condenados e vendo Jesus exalar o último suspiro exclama: “Realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15, 39). É nos mais profundo dos abismos a que foi lançado, tendo abandonado toda sua onipotência, que o Filho de Deus oferece a mais nítida revelação de si mesmo. Deus nunca será tanto Deus que quando ele morre.

Simples jogo de palavras? Masoquismo? Penso que não. Vejo uma permeação toda particular do mistério pascal, a passagem pela morte pela qual todos haveremos de passar. Pensemos nas morte que Deus parece ter permitido ao longo da história. Um ironia: humildade de Deus, silêncio de Deus no mundo do poder, do gozo e do barulho.

Como nos outros evangelistas o tema da ressurreição é abordado discretamente. As três mulheres que o ouvem quando penetram no túmulo aberto não ousam repetir o que ouviram. O anúncio, no entanto, é real e está a lhes queimar as entranhas. Esse anúncio comunica seu fogo mesmo aos corações endurecidos. Permite que nasça, tenaz apesar de tudo, a pequena chama que designamos de esperança.

Muito é dito através da palavras de seu texto que, num primeiro momento, pode ser simplesmente pitoresco. Marcos não usa palavras eruditas. Comparado com Lucas e Mateus, mais ainda com João, seu texto parece de pouco alcance teológico. Ora, Marcos e o mais próximo de Paulo, homem das epístolas, que lemos com dificuldade devido à sutileza de seus raciocínio e ao seu difícil vocabulário. Eles têm, entre outras coisas em comum, a mesma percepção da condição do verdadeiro discípulo: aquele que aceita mergulhar na morte com Cristo, para ser conduzido por ele até à luz da vida.

O que Paulo explicita em conceitos, Marcos sugere com os meios próprios de um relato: mudança de lugares, silêncios, medos, olhares.

Teólogo que sou, sonho dizer com simplicidade as coisas essenciais: o conto, a história, a parábola são formas literárias que falam a todos onde cada um pode tomar seu alimento. Nossos contemporâneos precisam mais disto do que estudos teológicos e doutos tratados. Isto Marcos soube fazer.

Fonte: Franciscanos.org

 

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