O dever cristão da caridade

Por Dom Wilson Angotti Filho
Bispo de Taubaté (SP)

 

Disse Jesus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força. O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que estes” (Mc.12,30-31). 

O fundamento bíblico do tema – Amor e caridade são palavras diferentes para indicar a mesma realidade. O amor é o maior mandamento que Jesus nos deixou. Amor a Deus e amor ao próximo. Um não pode ser separado do outro. Um não existe sem o outro. A vivência do amor deve ser o que caracteriza e distingue o cristão. “Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos” (Jo.13,35). Transmitindo o que aprendeu de Jesus, o apóstolo São João ensina: “Se alguém diz: ‘Eu amo a Deus’ e, no entanto, odeia seu irmão, esse é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é justamente o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (I Jo.4,19-21). Por isso é impossível ser cristão sem dedicar-se em amor a Deus e ao próximo. Quem vive egoisticamente para si, por mais piedoso que possa parecer, não é e não entendeu o que é ser cristão. O amor não é um sentimento, é um compromisso, uma opção de tudo fazer pelo bem e pela felicidade do irmão. Amor é viver pelo outro; é dedicar a vida pelo outro. “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo.15,13). O amor é um mandamento que vem desde o Antigo Testamento: “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Lev.19,18). Por sua vida e seu ensinamento, Jesus aperfeiçoou esse mandamento e o fez novo ao dizer: “Amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros” (Jo.13,34). O mandamento novo é amar com a medida de Jesus, ou seja, com um amor de quem dá a vida pelo outro. Essa é a referência do cristão. Vivendo o amor à semelhança do amor de Jesus, nós seremos reconhecidos como cristãos e seremos dignos de assim sermos chamados. Somente quem observa esse mandamento verdadeiramente ama a Deus (cf.Jo.14,15). 

O amor aplicado à realidade social – A doutrina social da Igreja nada mais é do que o ensinamento de Jesus aplicado à vida e às relações em sociedade. Esse conjunto de ensinamentos que brota do Evangelho deve orientar tanto nossa vida pessoal como nossa vida comunitária ou social. Movidos por esse amor, podemos analisar as realidades sociais e contribuir, de maneira cristã, para a solução dos problemas que afligem a sociedade. É assim que o cristianismo demonstrará sua força transformadora na sociedade.  Dessa maneira, a mensagem social do Evangelho não será teoria, mas fundamento e motivação para a ação do cristão no mundo (como disse o Papa João Paulo II na Centesimus Annus, 57). O critério de atuação dos cristãos na sociedade tem suas bases na Palavra de Deus e no conjunto dos ensinamentos sociais da Igreja. Esta apresenta o ser humano em sua dignidade de criatura à imagem e semelhança de Deus, com os direitos daí decorrentes, especialmente o respeito à vida desde a concepção até sua morte natural. É desta base que nasce a proposta dos valores cristãos que orientam a vida em sociedade: amor, verdade, justiça, liberdade, solidariedade, etc. Assim sendo, a doutrina social da Igreja é uma referência indispensável para a formação do cristão situado e chamado a transformar o mundo segundo o projeto de Deus. O Papa São João Paulo II ensina: “Sobretudo aos fiéis leigos, de várias formas empenhados no campo social e político, é absolutamente indispensável uma consciência mais exata da doutrina social da Igreja” (Christifideles Laici, 60). “É específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus” (Lumen Gentium, 31). A realidade secular, ou seja, o mundo é o campo próprio de atuação dos leigos que aí devem atuar tanto pessoal como associativamente. Em meio ao mundo, o cristão é chamado a ser sal, luz, fermento e o será a medida em que viver o amor. É tarefa própria do fiel leigo anunciar o Evangelho com um exemplar testemunho de vida, radicada em Cristo e vivida nas realidades temporais: família, trabalho, cultura, economia, política, ou seja, no contexto social em geral. Para isso é necessário cultivar uma autêntica espiritualidade de comunhão com Deus e inserção na sociedade. Espiritualidade que evite tanto o espiritualismo intimista como o ativismo social. O cristão deve ser intenso em sua relação com Deus e em sua atuação no mundo. Mais que procurar servir ao interno da comunidade eclesial, o cristão deve viver o amor concreto numa dimensão de serviço, sobretudo em sua área de atuação familiar e profissional; aí seja santo e santificador. Assim, amando e servindo, o cristão é chamado a construir a tão sonhada civilização do amor; amor que é novidade cristã e vai além da simples justiça que humanamente se pode alcançar. Para tornar a sociedade mais humana e cristã é necessário cultivar o amor que vise sempre o bem do outro. É esse amor que fará melhor a economia, a política, a sociedade, o mundo! “Alimentem em si e acendam nos outros a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. A salvação desejada deve ser principalmente fruto de uma grande efusão da caridade; aquela caridade cristã que resume em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo deste mundo” (Papa Leão XIII, Rerum Novarum, 37). Cada um analise como tem vivido o mandamento do amor, especialmente, em suas relações familiares e profissionais. 

Fonte: CNBB

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