Por Pe. Johan Konings
Na Quaresma, subida para a Páscoa e caminho de renovação de nossa fé, são apresentados os grandes paradigmas da fé já no tempo do Antigo Testamento. No 1 ° domingo foi o “credo do israelita”; no 2°, a promessa de Deus que Abraão recebe na fé. No 3° domingo, hoje, a 1ª leitura oferece mais um paradigma da fé: o encontro de Moisés com Deus, manifestando-se na sarça ardente. Este paradigma pode ser contemplado como a grande manifestação do Deus que liberta os hebreus do Egito, terra da escravidão. Deus, na sarça ardente, aparece a Moisés, para lhe dizer que ele escutou o clamor do povo. Ele manda Moisés empreender a luta da libertação do povo e revela-lhe o seu nome: Javé, “eu sou, eu estou aí”. Deus está com o seu povo, na luta. Paulo, na 2ª leitura, nos lembra que isso não impediu que Javé retirasse sua proteção quando o povo pecou pela cobiça e o descontentamento. Jesus, no evangelho, ensina aos judeus que eles não devem pensar que os pecadores são os que morreram vítimas de repressão policial ou catástrofe natural: os mesmos que se consideram justos é que devem se converter, e Deus há de exigir deles os frutos da justiça.
Na Igreja, hoje, escutamos um clamor pela “libertação” dos oprimidos, dos discriminados, dos excluídos, dos iludidos … Esse clamor é um eco da missão que Deus confiou a Moisés. Mas, ao mesmo tempo, vemos que muitos cristãos ficam insensíveis ao apelo da conversão, não voltam seu coração para Deus. E mesmo os que lutam pela libertação se deixam envolver pelo ativismo e pelo materialismo, a ponto de acabarem lutando apenas por mais bem-estar, esquecendo que o mais importante é o coração reto e fraterno, raiz profunda e garantia indispensável da justiça. Aliás, a Campanha da Fraternidade nos faz perceber a profunda interação de fatores pessoais e socioestruturais. Por isso é tão importante que nosso coração se deixe tocar no nível mais profundo, para ser sensível ao nível mais profundo do apelo de nossos irmãos.
Deus se revela a Moisés num fogo que não se consome – imagem de sua santidade, que nos atrai, mas também exige de nós pureza de coração e eliminação do orgulho, ambição, inveja, exploração, intenções ambíguas, traição e todas estas coisas que mancham o que somos e o que fazemos. Sem corações convertidos, o Reino, o “regime de Deus” não pode vingar. Se o Deus libertador nos convoca para a luta da libertação, ele não nos dispensa de sempre voltarmos a purificar o nosso coração de tudo o que não condiz com sua santidade e seu amor infinito.
Fonte: Franciscanos
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.