Por Frei Almir Guimarães
A sociedade atual tende a produzir um tipo de homem insolidário, consumista, de coração mesquinho e horizonte estreito, incapaz de generosidade. É difícil ver gestos gratuitos. Às vezes até a amizade e o amor aparecem influenciados pelo interesse e pelo egoísmo.
José Antonio Pagola
Mais uma vez entramos em contato com a parábola dos convidados para uma festa de casamento que estavam ansiosos por ocupar os primeiros lugares à mesa do banquete. Foram afoitos. Poderia haver gente mais importante a ocupar os lugares que eles andavam pretendendo tomar. Tema da gratuidade, tema da humildade. Postura essencial para entrarmos no mundo de Jesus: pessoas não presunçosas, gente que conhece sua dignidade mas não querem estar sempre na passarela.
As coisas não aconteceram tal qual como são descritas por Lucas. Trata-se de uma história que deve nos levar a pensar. As pessoas começavam a chegar. Esperavam os noivos. O desejo de muitos era de ocupar os primeiros lugares, perto dos principais do lugar. Merecimento? Vontade de aparecer? Os que agora são convidados, posteriormente convidariam seus anfitriões. Jogo de troca. Toma lá, dá cá. Às vezes, como diz Pagola, até a amizade e o amor aparecem marcados pelo interesse e pelo egoísmo. Em nossos dias há pessoas que cumprem obrigações sociais em certos eventos… Há mesmo os que ousam ocupar os primeiros lugares sem mérito. Podem ser convidados a deixar o lugar para os amigos mais íntimos do anfitrião. Cuidado.
Humildade se opõe a orgulho, pretensões de superioridade, desejo de dominar, imaginação de que somos melhores do que os outros e merecedores de favores. Postura que torna a pessoa “insolidária” e mesquinha. Os de bom senso contemplam a falta de quem avança esquecendo os outros. Luta pelo poder, desejo desmedido do ego.
Em latim se diz humilitas. A palavra deriva de humus, isto é, terra, chão, humus. Humildade significa a coragem de aceitarmos nosso vínculo com a terra, a vontade de conciliarmos com nossa realidade, com o fato que viemos da terra e fomos alçados à dignidade de filhos de Deus por graça, sem mérito de nossa parte. Sabemos que tudo é graça, tudo é dom. Não somos os donos de nós mesmos. Ele, o Senhor, nos inventou e anda nos acompanhando e fecundando o labor de nossas mãos. Tudo dele recebemos. Quando atribuímos valores a nós mesmos estamos roubando o que é do Senhor. São Francisco de Assis dizia: “Nada de vós retenhais para vós mesmos, para que totalmente vos receba quem totalmente se vos dá” (Carta a toda a Ordem 29). O pior que pode acontecer com uma pessoa é que ela viva orgulhosamente. Este talvez seja o mais grave pecado. Homem algum é uma ilha. O mestre não hesitou em ser lavador dos pés dos irmãos.
Jesus buscava organização do mundo diferente, sob a lei da partilha. Uma sociedade em que as pessoas pensassem nos mais fracos, nos sem prestígio público, que não ficasse vidrada nas pessoas que pudessem lhes dar lucros, em amizades interesseiras.
A leitura do Eclesiástico aborda o mesmo tema: “Para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele e ele não compreende”.
Em inúmeras passagens a Escritura nos diz que Deus se revela aos humildes e se fecha aos soberbos, que o publicano que rezava com o coração arrependido encontrou a Deus e não o fariseu presunçoso. É extremamente agradável conviver com pessoas simples. Não conseguimos dar atenção por longo tempo a pessoas amantes de ilusórias grandezas e que aberta ou camufladamente incensam-se a si mesmas.
A pessoa humilde não precisa alardear sua humildade: sua vida respira simplicidade e temos vontade de conviver com ela. Os que se dizem humildes, nem sempre o são.
A pessoa humilde aceita que sua agenda seja modificada diante de um exigência urgente. Não reclama. Troca o bom pelo melhor.
A pessoa humilde aceita ocupações simples, domésticas, feitas no oculto.
A pessoas humildes dizem como Maria: “O Senhor fez em mim maravilhas.., santo é seu nome. É o Senhor que opera o bem em nós”.
O humilde volta atrás numa decisão tomada desde que outro o convença de algo melhor.
O humilde não é intransigente, mas senta-se à mesa do diálogo. É homem de negociações.
Anselm Grün: “Pessoas humildes não são pessoas que se diminuem ou que sintam paralisadas diante de qualquer tarefa, por se acharem incapazes das mesmas. Humildes são aqueles que têm a coragem de assumir a própria realidade e, nela, comportam-se modestamente”.
Eclesiástico: “Na medida em que fores grande deverás praticar a humildade e assim encontrarás graça diante de nosso Senhor”.
Texto seleto
Maria reconhece sua pequenez diante da grandeza de Deus, e porque reconhece é porque ela pode também alegrar-se. Colocar nossa vida nua, a nossa inteira e pequena vida nas mãos de Deus em nada nos diminui. São Paulo há de escrever, na linha do Magnificat, “quando sou fraco, então sou forte, porque nos basta a graça de Deus (2Cor 12,10). (…). Deus nos ama sem por que, ama-nos porque nos ama. A fraqueza que achamos dentro de nós não é obstáculo ao seu amor, ao contrário do que pensamos. Deixemos Deus amar a nossa pequenez, insignificância, escassez, o nosso nada. Porque só isso permitirá que abramos realmente as portas do nosso coração a Deus e aí ele possa dizer que a nossa vocação, qualquer que seja, será o Amor (José Tolentino Mendonça).
Oração
Pai amado, realiza por meio de nós a obra da verdade.
Mantém nossas mãos ocupadas em servir a todos.
Faze com que nossa voz anuncie a todos o teu reino.
Faze com que nossos pés avancem sempre pelos caminhos da justiça.
Guia-nos da ignorância para a tua luz.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.