Papa Francisco concede entrevista à revista America Magazine
Francisco: “O catolicismo une o bom e o não tão bom. O povo de Deus é um só. Quando há polarização, entra uma mentalidade divisória, que privilegia uns e deixa de fora outros. O catolicismo está sempre em harmonia com as diferenças”.
O Papa Francisco concedeu uma entrevista à revista America Magazine, publicada nesta segunda-feira, 28 de novembro. Fundada pelos jesuítas em 1909, esta é primeira oportunidade da revista de poder falar face a face com o Papa. Já na introdução das perguntas uma constatação, que surpreende os leitores: o Papa sempre aparece alegre, feliz, mesmo no meio de crises e problemas. O que o faz tão feliz, tão sereno e alegre em seu ministério?
Francisco respondeu que não sabia que ele era sempre assim, acrescentando que quando está com as pessoas, está sempre feliz. Disse ainda que uma das coisas que para ele é difícil como Papa é não poder andar na rua, com as pessoas, porque ele não pode sair, é impossível andar na rua. Mas não vou dizer que estou feliz porque estou com a saúde boa – continuou -, ou porque me alimento bem, ou porque durmo bem, ou porque rezo muito. Estou feliz porque me sinto feliz, Deus me faz feliz, disse Francisco, acrescentando que confessa a cada 15 dias.
Falando em seguida sobre o reducionismo simplista que divide a realidade entre bons e maus, um tema que o Papa abordou no discurso ao Congresso dos EUA, há sete anos, afirmou que a polarização não é católica. Um católico não pode pensar de forma aut-aut e reduzi-lo tudo à polarização. A essência do católico é et-et. O catolicismo une o bom e o não tão bom. O povo de Deus é um só. Quando há polarização, entra uma mentalidade divisória, que privilegia uns e deixa de fora outros. O catolicismo está sempre em harmonia com as diferenças. Se observarmos como o Espírito Santo age, primeiro Ele faz desordem: pense na manhã de Pentecostes, a bagunça que foi feita ali. E então Ele traz a harmonia. O Espírito Santo na Igreja não reduz tudo a um único valor, mas faz a harmonia a partir das diferenças dos opostos. E esse é o espírito católico. Quanto mais polarização, mais você perde o espírito do catolicismo e cai em espíritos sectários.
Respondendo a uma perguntam sobre uma pesquisa feita em 2021 em quem os católicos confiavam como seus líderes na fé e na moral. Dos grupos que foram citados, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos chegou em último lugar: apenas 20% dos católicos a consideraram “muito confiável”. Os católicos classificaram melhor seus bispos locais: 29% os descreveram como “muito dignos de confiança”.
Francisco disse que a pergunta é boa porque fala sobre os bispos, acrescentando que é enganoso fazer a conexão entre os católicos e a Conferência Episcopal. A Conferência Episcopal não é o pastor, o pastor é o bispo. Portanto, corre-se o risco de diminuir a autoridade do bispo quando se olha para uma Conferência Episcopal. A Conferência Episcopal é para unir os bispos, para trabalhar juntos, para discutir questões, para fazer planos pastorais. Mas cada bispo é o pastor. Não liquidifiquemos o poder episcopal, reduzindo-o ao poder da Conferência Episcopal. Porque é aí que as tendências lutam, mais de direita, mais de esquerda, mais daqui, mais de lá, e de alguma forma não há responsabilidade de carne e osso como a de seu bispo com seu povo, pastor, com seu povo. Franciso observou que Jesus não criou a conferência dos bispos, Jesus criou os bispos e cada bispo é o pastor de seu povo.
Outro tema tratado na conversa com America Magazine é a questão do aborto, um assunto muito politizado nos Estados Unidos. Francisco destacou que em qualquer livro de embriologia diz-se que um pouco antes do mês de concepção os órgãos do pequeno feto e o DNA já estão delineados. Antes mesmo que a mãe se dê conta disso. Portanto, é um ser humano vivo. Eu não digo uma pessoa, porque se discute sobre isso, mas um ser humano, afirmou o Papa, que fez duas perguntas: é justo eliminar um ser humano para resolver um problema? Segunda pergunta: é justo contratar um pistoleiro para resolver um problema? O problema é quando esta realidade de matar um ser humano se torna um problema político. Ou quando um pastor da igreja entra em uma categorização política. Sempre que um problema perde a pastoralidade – disse ainda Francisco -, esse problema se torna um problema político. E se torna mais político do que pastoral. Em outras palavras, que ninguém se aproprie desta verdade que é universal. Não pertence a uma ou outra parte. É universal. Quando vejo que um problema como este, que é um crime, adquire uma forte intensidade política, digo, há uma falta de cuidado pastoral na forma como abordamos este problema. Neste problema do aborto como em outros problemas, não devemos perder de vista o cuidado pastoral: um bispo é um pastor, uma diocese é o povo santo e fiel de Deus com seu pastor. Não podemos tratá-lo como se fosse uma questão civil.
Outro assunto tocado na entrevista é a questão dos abusos sexuais perpetrados por clérigos e que causou enormes danos à credibilidade da Igreja e ao seu esforço de evangelização.
O problema do abuso sexual é muito grave na sociedade, afirmou o Papa recordando que quando teve uma reunião com os presidentes das Conferências Episcopais há dois anos e meio, pediu estatísticas oficiais e 42-46% dos abusos ocorrem na família ou no bairro. Depois disso, no mundo do esporte, no mundo da educação e 3%, os padres católicos. Poder-se-ia dizer: “isso é bom, somos poucos”. Não, se houvesse apenas um, é monstruoso. Uma das coisas mais monstruosas é o abuso de menores. O costume era aquele que ainda é usado nas famílias ou em algumas outras instituições: encobrir. A igreja fez uma escolha: não encobrir. E a partir daí, o progresso foi feito através de processos judiciais, através da criação da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores. O grande é o Cardeal O’Malley, de Boston, que teve a mentalidade de institucionalizar isto dentro da Igreja.
Quando as pessoas honestas veem como a Igreja cuida dessa monstruosidade, elas veem que uma coisa é a Igreja e outra são os agressores que estão dentro da Igreja e que são punidos pela própria Igreja. O grande responsável por tomar estas decisões foi Bento XVI. Uma das coisas que mais me preocupa é a pedo-pornografia: que é filmada ao vivo: em que país é filmada? O que as autoridades desse país fazem que permite isso? É criminoso, criminoso, sublinhou.
Silvonei José, Bianca Fraccalvieri – Vatican News