O acompanhamento espiritual dos jovens: condições e dimensões para ser acompanhante

Imagem: foto de Amor Santo em Cathopic

Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belém/PA

 

Introdução

Continuemos nossa reflexão sobre o acompanhamento espiritual dos jovens, ressaltando um aspecto de máxima importância: as atitudes que recaem sobre a responsabilidade do acompanhante. Isso significa que para ser um bom acompanhante é necessário que sejam observadas algumas condições e dimensões importantes.

A experiência do acompanhamento espiritual, por sua seriedade, exige parâmetros, critérios. Esses dois aspectos nos alertam para o fato de que através de um suposto acompanhamento espiritual, pode haver graves desvios de conduta e problemas na relação entre aquele que acompanha e o seu acompanhado. Resumidamente, vejamos algumas questões importantes para o serviço de acompanhante espiritual.

  1. Condições fundamentais para ser acompanhante
  2. Paixão pela dignidade humana: antes de tudo é necessário considerar a sacralidade da pessoa humana, sua riqueza, pluridimensionalidade, transcendência, misteriosidade, vulnerabilidade. Não há verdadeiro e sadio acompanhamento espiritual sem considerarmos o dinamismo dos elementos fundamentais constitutivos da dignidade humana. Disso deriva a qualidade do olhar e da relação com a pessoa, o cuidado com os processos formativos, os conteúdos a serem assimilados, consideração de possibilidades, riscos possíveis. Faz bem recordar que a acolhida de toda pessoa significa alegrar-se com suas riquezas e respeitar seus limites. Deus ordena aos israelitas no livro do Deuteronômio: “Não removas os marcos do teu próximo Deuteronômio” (Dt 19,14). A supressão de limites significa permitir a indisciplina que gera invasão de privacidade.
  3. Experiência de fé: Deus tem um projeto para cada um de nós; Ele é o criador e também o senhor da história de cada um de nós. Para se orientar dignamente precisamos estar em sintonia com as ondas divinas, é preciso ter vida espiritual; compromisso contínuo de busca da vontade de Deus sobre si mesmo e sobre a quem se orienta. Quem tem a tarefa do acompanhamento espiritual não pode ser um ativista, movido a parâmetros sociológicos e utilitaristas. Por isso essa tarefa exige do acompanhante vida de oração, experiência mística, capacidade de meditação sobre a Palavra de Deus, estudo sobre a dignidade humana, reflexão sobre os fenômenos humanos.
  4. Consciência de mediação: se o acompanhamento espiritual requer o empreendimento de um “caminhar juntos” de discernimento da vontade de Deus, o serviço do acompanhante tem como objetivo facilitar o encontro com Deus, que é um mistério. O acompanhante é um instrumento, é um servo, um ministro, cuidador, pedagogo, pastor (cf. 1Pd 5,1-4). Por isso seu senso de consciência e honestidade deve ser agudo. Sobre isso a Palavra de Deus nos educa: “Que os homens nos considerem como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora, o que se espera dos administradores é que eles sejam dignos de confiança” (1Cor 4,1-2). “Aquele que planta e aquele que rega são iguais; e cada um vai receber o seu próprio salário, segundo a medida do seu trabalho. Nós trabalhamos juntos na obra de Deus, mas o campo e a construção de Deus são vocês” (1Cor 1,5-9).

 

  1. Dimensões do ministério do acompanhamento
  2. Ética: trata-se basicamente da necessidade de se cultivar a consciência de compromisso com a retidão pessoal. Orientar é expor-se ao confronto e ser bom exemplo! É, querendo ou não, ser referência em palavras, gestos e atitudes. Esse compromisso ético se estende também à qualidade da relação com o outro. É sempre válido o princípio ético universal: ”nunca faça a ninguém aquilo que você não gostaria que lhe fizessem”.
  3. Pedagógica: o acompanhamento espiritual é um processo formativo. Por se tratar de uma relação educativa é necessariamente importante a dimensão pedagógica. Esta diz respeito aos processos, meios e atitudes necessárias para melhor aproveitamento do processo de acompanhamento. Faz parte desta sensibilidade pedagógica a escolha de uma boa didática (exercícios espirituais e leituras), bem como a linguagem usada nos encontros interpessoais. A linguagem pode se manifestar de várias formas: atitudinal (gestos, atitudes), verbal, escrita. É sempre bom se questionar sobre o que o outro está entendendo, interpretando, assimilando daquilo que está recebendo.
  4. Psicoafetiva: diz respeito às manifestações de afeto e à gestão da relação entre orientador e orientando. O papel do orientador fica preservado até quando se respeita a natureza da relação “orientador x orientando”. Há uma fronteira da intimidade que, quando é superada inicia um processo de confusão muito arriscada. Por isso a qualidade do serviço espiritual a ser prestado vai depender da saudável distância a ser preservada entre os dois!
  5. Doutrinal: diz respeito ao conteúdo do processo de aconselhamento. Um erro de aconselhamento pode causar graves danos na vida de uma pessoa. No aconselhamento espiritual não pode haver achismo, dúvidas, incerteza, muito menos erros de conteúdo. Facilmente é possível manipular (enganar, desviar) o outro quando, sem maturidade e espírito crítico e docilmente, se coloca totalmente a disposição para escutar e obedecer. Nossa fonte segura é a Palavra de Deus (cf. 2Tm 3,15-17).  “Que a Palavra de Cristo permaneça em vocês com toda a sua riqueza, de modo que possam instruir-se e aconselhar-se mutuamente com toda a sabedoria” (Col 3,16). Deus nos livre de aconselhar, orientar, ensinar em benefício próprio (cf. Eclesiástico 37,8).
  6. Eclesial: se a orientação segue os horizontes da Palavra de Deus, então também cresceremos na consciência de que nosso ministério está a serviço da Igreja que é comunhão. O acompanhamento espiritual por ser pastoral e se situa no coração da Igreja, por isso o seu conteúdo deve estar em comunhão doutrinal com a Igreja. Outra fonte segura de conteúdo para o aconselhamento correto vem do Magistério da Igreja.
  7. Carismática: a dimensão carismática do processo de orientação espiritual diz respeito ao desafio do reconhecimento dos dons que cada um recebeu, como presentes de Deus; mas também isso dever discernido à luz da Palavra de Deus; o orientador espiritual deve estimular o confronto entre carismas autênticos, fantasias, manias e caprichos. Há acompanhados que apelam sempre para os dons de Deus querendo sempre justificar o que pretendem fazer. É mal sinal! Os verdadeiros dons, não estão submissos à vaidade pessoal, mas estão em prol da edificação da comunidade (cf.Rm 12,5-8).
  8. Mística: parece redundância, mas nunca não é exagero recordar que o acompanhamento espiritual tem como foco a experiência mística. O orientador espiritual deve sim ter sensibilidade pedagógica, mas é sobretudo, um mistagogo (aquele que facilita a experiência do mistério). Aquele que conduz, ou favorece o acompanhado a fazer a experiência do mistério porque se trata de facilitar ao outro o conhecimento do mistério da sua vontade divina (cf. Ef 1,9;3,3-4). Essa é uma experiência de fé, de contemplação, de meditação, de oração.  Trata-se da vida interior!

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qualquer pessoa pode ser acompanhante espiritual?
  2. O que significa o respeito pela dignidade humana?
  3. Qual das dimensões é a mais exigente?

Fonte: CNBB Norte 2

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui