O acompanhamento espiritual dos jovens

Foto de parroquiamadrides em Cathopic

Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belém/PA

 

Introdução

Dentre os muitos desafios pastorais a serem assumidos pela pastoral juvenil está aquele do acompanhamento espiritual. Essa já é uma preocupação histórica da pastoral juvenil. Por isso, na pastoral juvenil não só falamos do acompanhamento, mas também de estruturas de acompanhamento, como um conjunto de referências seguras que contribuem para o amadurecimento espiritual dos jovens.

Nunca se falou tanto de acompanhamento em geral, na sociedade, como nestes últimos anos; portanto, não se trata de um tema refletido puramente na esfera religiosa. O acompanhamento é reconhecido como uma necessidade humana; daí se estende para todas as áreas, sendo um compromisso para administração, a contabilidade, a psicologia, a sociologia, a medicina, o direito, a pedagogia, economia (na qualidade de produção) etc.

Dessa forma ouvimos falar de acompanhamento e controles administrativos, acompanhamento e controle contábil, acompanhamento psicológico, acompanhamento e controle social, acompanhamento médico e terapêutico, espiritual, jurídico, vocacional, pastoral etc. Na sociedade a questão do acompanhamento está profundamente vinculada à sensibilidade preventiva, segurança e à busca de manutenção da qualidade.

Na Igreja Católica a sensibilidade para com o tema do acompanhamento ganhou forte evidência a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II. A questão do acompanhamento espiritual tem assumido uma significativa importância no meio eclesial e, de modo especial, na formação sacerdotal, na Vida Religiosa, Consagrada e também na pastoral de modo geral. Nas últimas décadas, devido a evidência de muitos dramas humanos, aumentou a bibliografia sobre esse assunto.

  1. Os desafios do acompanhamento

Apesar dessa forte sensibilidade da cultura contemporânea para com a necessidade do acompanhamento do ponto de vista técnico e administrativo, não acontece na mesma proporção no que diz respeito à vida pessoal. Esse fenômeno tem muitas causas.

Estamos na era da tecnocracia, do poder da técnica, da tecnologia, da eficiência, da máxima produção das máquinas. Atualmente parece que se dá mais importância à manutenção das máquinas do que ao próprio ser humano com suas múltiplas e complexas dimensões e carências. A cultura tecnicista coloca o ser humano em segundo plano.

Estamos na era da subjetividade, da liberdade, autonomia, da independência… do selfie, do “self service”, que chega ao “protagonismo personalista” configurando essa sensibilidade narcisística como a centralidade do “eu blindado”, termo usado por alguns estudiosos da área da psicologia. O “eu blindado” nada aceita do que vem de fora e se instala na falsa sensação de uma imagem de “super-homem” autossuficiente e cheio de autorreferencialidade. Ora, quem se pensa pleno não sente a necessidade de ajuda, orientação, aconselhamento, assessoria, inspiração e, por isso, dispensa a importância do acompanhamento e confronto.

Estamos na era das relações coletivas, grupais, em redes, virtuais, públicas. Nesse contexto o acompanhamento é virtual e o indivíduo não se sente sozinho, mas também pouco se confronta consigo mesmo e assume tudo o que lhe oferecem fazendo disso o seu combustível de vida; disso decorrem o sincretismo religioso, as misturas ideológicas, ideias híbridas, arranjos combinados e incongruentes entre fé, moral e vida.

Enfim, outro desafio que podemos destacar que não estimula a busca do acompanhamento espiritual é o materialismo presente na sociedade que muito contribui para a dispersão, a distração, diversão, aventuras… O materialismo estimula o hedonismo através do foco no prazer, que promove o culto ao físico, que esquenta a cosmética, investe na aparência, incentiva a sensualidade. Fica de lado a importância do investimento no caráter e em tudo o que diz respeito à dimensão espiritual. Desse desequilíbrio de investimentos, vem o surgimento de muitas síndromes, transtornos mentais, doenças psicossomáticas, vazio existencial, falta de sentido para a vida etc.

  1. Em que consiste o acompanhamento espiritual?

O verbo “acompanhar” vem do latim “cum+panis” (cum=com; panis=pão); é daí que vem a composição da palavra “companheiro(a)”. É aquele com quem se reparte o “pão”. O verbo nos remete à experiência de proximidade, caminho conjunto, solidariedade, amizade, afeto, confiança, sintonia de sentimentos, liberdade de estar com alguém e compartilhar o que temos. Em geral não nos fazemos companheiros de pessoas desconhecidas. É preciso tempo de convivência para se criar conhecimento, afeição, vínculo, familiaridade, intimidade.

Repartimos “as coisas” por solidariedade com quem precisa, mas as riquezas do nosso íntimo só as partilhamos com quem confiamos, entramos em sintonia e simpatia. Dessa forma, o “acompanhamento” de alguém é, desde a sua mais remota origem, uma experiência exigente, pois requer condições básicas, de atitudes, tempo, envolvimento de sujeitos afinados (fome e sede) e “pão” para ser compartilhado e saboreado juntos!

O acompanhamento espiritual pressupõe que tanto o acompanhante, quanto o acompanhado tenham a mesma fé, sejam estimulados pelos horizontes dos mesmos princípios e juntos, assumam o compromisso de discernimento da vontade de Deus. O objeto do acompanhamento espiritual é a busca da vontade de Deus através do Espírito que ilumina as mentes.

  1. Acompanhamento e orientação espiritual

Se acompanhar quer dizer fazer um caminho com alguém, o aconselhamento (ou orientação) é o conteúdo desse processo. O acompanhamento espiritual é uma experiência existencial, dinâmica e rica de conteúdos de acordo com as fases da vida do acompanhado. Para os jovens é uma experiência situada no contexto do próprio amadurecimento psicológico, espiritual, religioso, moral, profissional e de discernimento vocacional.

A orientação espiritual não é negociação. Duas pessoas podem andar ou até correr em silêncio combinando roteiros, mas no campo espiritual e moral é diferente. O aconselhamento espiritual deve ser honesta porque o primeiro quem se comunica é o Espírito de Deus. O Espírito de Deus é sempre ágil, criativo, renovador e inovador. Desse fato o aconselhamento se manifesta através de orientações específicas, pistas, sugestões de linhas de comportamento. Um suposto acompanhamento espiritual sem comunicação é vazio!

O acompanhamento espiritual só pode ser profícuo se houver conteúdo. A orientação espiritual (com seus múltiplos conteúdos) é dimensão pedagógica do processo de acompanhamento espiritual. A fonte de tudo deve ser a Palavra de Deus!

  1. Acompanhamento espiritual e liberdade

O acompanhamento promove a orientação espiritual. A palavra “orientação” nos fala de indicação de rumos, apontamento de direção, apresentação de perspectivas para onde é possível caminhar e crescer seguramente, sugestão de horizontes para onde mirar e caminhar. A orientação espiritual deve ser claras e segura. Observamos isso nas placas de trânsitos presentes nas grandes rodovias. É muito confortável quando, não conhecendo a região, as placas nos orientam, advertem, e até confirmam que estamos caminhando no rumo certo. Mas são conselhos! O motorista deve tomar suas decisões. Esse é outro importante aspecto entre o serviço do acompanhante e a liberdade do acompanhado.

Quem acompanha deve dar orientações, conselhos, pistas de ação, indicações de atitudes (linhas de comportamento), processos a seres perseguidos, redimensionamento de atitudes. Quem acompanha deve dar propostas de processos práticos, de princípios a serem entendidos, de valores a serem assimilados, de atitudes a serem treinadas. Quem acompanha deve fazer advertências, observar riscos, dar informações, propor itinerários e exercícios. É claro que, em tudo isso, joga a liberdade do acompanhado. Mas quem acompanha não deve ser omisso.

No processo de acompanhamento espiritual a inteligência e a vontade do acompanhante jamais devem sobrepor-se à consciência do acompanhado. Isso seria lavagem cerebral e assédio espiritual. Deus é a Luz que ilumina a nossa existência (cf. Jo 8,12), mas respeita sempre a nossa vontade e o Espírito Santo é o mestre da Liberdade que nos educa para a acolhida da Verdade que liberta (cf. Jo 8,32).

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual dos desafios para o acompanhamento espiritual mais lhe chamou a atenção?
  2. Qual é o papel do acompanhante espiritual?
  3. Qual é a diferença entre acompanhamento e orientação espiritual?

Fonte: CNBB Norte 2

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui