“Novo Ano Novo”: 2023

Imagem: foto de Wout Vanacker no Unsplash

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte/MG e presidente da CNBB

 

“Novo ano novo” não pode ser apenas um trocadilho compondo augúrios compartilhados. As urgências contemporâneas, evidentes a partir de simples contemplação da realidade, interpelam por novas posturas. Essas urgências gritam pedindo respostas para graves problemas que impactam, principalmente, a vida dos mais pobres, de migrantes e de tantas pessoas indefesas. Indispensável é a composição espiritual e humanística de propósitos, com força para encetar novos rumos e caminhos, tendo diante dos olhos os descompassos e as injustiças que ferem a humanidade. É preciso deixar arder na própria pele os sofrimentos dos que estão excluídos, de muitas maneiras, das vítimas de preconceitos e ódios. Trata-se de corajosa atitude para contribuir com processos de mudança, particularmente na sociedade brasileira.

Dentre as metas para o novo ano, indicado é buscar um novo estilo de vida, mais simples, sem desperdícios. Todos possam se compadecer daqueles que não têm o que comer, lembrando que o Brasil novamente está inserido no mapa da fome. As estatísticas comprovam que a adoção de um estilo de vida mais simples, mundo afora, pode resgatar muitos da miséria: aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no planeta são desperdiçados. Esse volume, se adequadamente aproveitado, seria suficiente para vencer a fome e a insegurança alimentar. A busca por um novo modo de agir no mundo precisa contemplar ainda o compromisso com a promoção da paz, o que significa fazer da própria interioridade um coração da paz. Isto é muito necessário quando se considera, por exemplo, as ameaças de violência inseridas no cotidiano da realidade brasileira. Urge um célere resgate humano e social.

O respeito incondicional a cada pessoa é o caminho efetivo para a paz, meta insubstituível para um autêntico humanismo integral, alicerçando um futuro sereno e de igualdade social. Não se alcançará a paz, dom de Deus, sem cotidianamente reafirmá-la, vivenciá-la, fazendo do próprio coração um templo da paz. É preciso agir na contramão de ressentimentos e de soberbas que tomam o lugar da gratidão, instalando um “campo de guerra” na interioridade humana. Seja, pois, meta de cada um forrar o coração de amor fraterno, para expulsar o ódio e, assim, desencadear uma profunda transformação humanística no planeta. É o caminho para efetivar uma dinâmica transformadora, alicerçada no reconhecimento de que todas as pessoas partilham a mesma dignidade, têm o mesmo valor, são iguais. O reconhecimento da igualdade humana derruba castelos de vaidades e soberbas, que podem tomar o coração até daquelas pessoas mais inteligentes e competentes no exercício de suas responsabilidades.

Cultivar cotidianamente um coração pacífico é atitude tão importante e necessária que se torna até difícil a mensuração de suas consequências, na geração de mudanças e de novas respostas para problemas graves. É atitude que transforma o ser humano em instrumento testemunhal do amor verdadeiro, aquele que tudo perdoa e reconcilia, conforme canta o hino da caridade do apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, no capítulo 13. Vale a recomendação de recitar esse hino e deixar-se fecundar por seus versos, com propósitos que farão a diferença impulsionando a paz e a justiça social. Sublinhe-se: aqueles que fazem de si um coração da paz adquirem qualificadas aptidões para promover a boa política, um desafio urgente. A política é um meio fundamental para (re)construir a cidadania. Tudo desaba quando políticos não vivem a serviço da coletividade, ambicionando somente privilégios, permanecendo-se indiferentes à realidade dos mais pobres.

Por isso mesmo, no conjunto de propósitos para o novo ano, busque-se tratar a política a sério, em todos os seus níveis, para fomentar a consciência de pertencimento a uma sociedade que pode e precisa ser, urgentemente, justa e fraterna. Inspira a busca por esse objetivo a citação das bem-aventuranças de um político, segundo o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002: “Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência de seu papel; bem-aventurado o político  cuja pessoa irradia a credibilidade; bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses; bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente; bem-aventurado o político que realiza a unidade; bem-aventurado o político que está comprometido na realização de uma mudança radical; bem-aventurado o político que sabe escutar; bem-aventurado o político que não tem medo”.

A litania da bem-aventurança do político ainda tem uma lista grande a ser acrescentada, como o combate a privilégios, a partir de inovações no exercício do poder, inspiradas no direito e na justiça. O direito e a justiça, vividos e testemunhados, promovem a consciência de que cada pessoa pertence à mesma família – a humanidade – que precisa ser comunidade de paz. Dessa maneira, para fecundar o “novo ano novo”, vale acolher o pedido do Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2018: cultivar um olhar contemplativo dirigido ao mundo.  A sabedoria da fé nutre esse olhar contemplativo que permite fortalecer a compreensão de que todos fazem parte da mesma comunidade humana, trabalhando para torná-la mais inclusiva e dialogal. Um olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé, capaz de perceber a presença de Deus na própria casa, nas ruas e nas praças, inspirando em todos a solidariedade, a fraternidade, o desejo de se promover o bem, a verdade e a justiça. Por muitos outros propósitos, o momento pede que cada um se torne artífice da paz, para que seja verdadeiramente novo o ano novo de 2023.

Fonte: CNBB

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