Não existe seguimento de Jesus sem o perdão

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

“O perdão abre as portas dentro de nós. Então desistimos de carregar os pesos de ontem para descobrimos as asas de hoje.” (José Tolentino Mendonça)

Novamente diante nós o complexo e intrincado tema do perdão. Quantas vezes em contextos pequenos de nossa vida pessoal sentimo-nos mais ou menos gravemente ofendidos, preteridos, esquecidos, desrespeitados, caluniados. Claro, de outro lado também ofendemos e magoamos. Quando ofendidos, por vezes, reagimos. Proclamamos nossa pureza ou nossa inocência neste ou naquele assunto com suavidade ou com veemência. Podemos até responder o mal com o mal. Outras vezes negamos a palavra, o peso da ofensa bloqueia nosso caminhar. Uns carregam uma ofensa por toda a vida. Cada pessoa tem seu modo reagir. Há, é claro, situações muito delicadas: o assassinato de um filho, o descuido com que um amigo foi tratado no hospital, a tortura, os campos de concentração de guerra, essa guerra que mata aqueles que amamos. Não podemos, no entanto, escapar da exigência do Evangelho no tocante ao perdão. Tolentino tem razão, o perdão abre as portas de dentro de nós.

Não há escapatória. Somos discípulos de Jesus que nos lembrou o mandamento de sempre: amar o semelhante. Ele mesmo vai ilustrar esse amor dando a vida pelos seus, aceitando a cascata de ofensas, de modo particular no decorrer de seu processo de condenação e nos episódios de sua morte. “Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem”. Não há escapatória. Afinal, o Pai faz chover sobre justos e injustos, faz o sol nascer sobre bons e maus. Se somos cumulados de bens pelo Pai, cumularemos de bens os que vivem à nossa volta. Se o patrão da parábola havia perdoado o seu empregado devedor, por que ele adotou outra postura com o outro que lhe devia uma ninharia? O sentido da parábola é claro. Deus perdoa gratuitamente o pecado a quem lhe pede perdão demonstrando benevolência absoluta supondo que o homem prove seu arrependimento e repulsa pelo mal cometido. Cabe-nos ser bons como o Pai e bom. Ou não?

“Quando Jesus fala de amor aos inimigos não está pensando em sentimentos de afeto, simpatia ou carinho para com os que nos fazem o mal. O inimigo continua sendo inimigo e dificilmente poderá despertar em nós tais sentimentos. Amar o inimigo é pensar em seu bem; não buscar o mal, mas aquilo que possa contribuir para que ele viva melhor e de maneira mais digna. Isso supõe esforço, porque precisamos aprender a depor o ódio, superar o ressentimento e buscar o que é bom para ele. Jesus fala de rezar “por aqueles que nos perseguem” provavelmente como uma maneira concreta de ir despertando em nós a capacidade de amá-los” (Pagola, Grupos de Jesus, p. 252-253). Deveríamos, nesse contexto, rezar e cantar a famosa oração da paz atribuída a São Francisco: Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz… onde houver ofensa que eu leve o perdão…

Quando o mundo toma conhecimento de determinadas barbaridades responde com violência. Neste ano um policial americano matou um homem negro colocando seu pesado joelho no seu pescoço. As câmaras registraram a ocorrência e em poucos instantes o mundo inteiro tomou conhecimento do fato. Manifestações de revolta em todo o mundo, violência, ódio. Podemos, até certo ponto, compreender tais reações, embora não concordemos com a violência. O ódio destrói. Há outros modos de reagir. O ódio universal se compreende, mas não se justifica. O homem está preso e certamente será condenado a uma pesada pena. O que o cristão não pode aceitar é entrar numa roda viva de violência.

Uma história contada por Elie Wiesel, escritor judeu, prêmio Nobel da Paz. O texto aqui reproduzido é de livro de José Tolentino Mendonça: “Na infância esteve prisioneiro em Auschwitz, na companhia dos pais, irmãos, amigos. Praticamente só ele sobreviveu. Podemos imaginar até que ponto sentia-se espoliado. A partir de 1945, quando a guerra acaba, passa anos em que o único objetivo de sua vida era procurar uma possível justiça para o irreparável. “Com foi possível tamanho horror?… Como foi possível?” E a sua vida era isso. Cada dia amanhecia e acordava num inferno. Não conseguia encontrar a sua alma. Até que foi falar com um rabino. E o rabino disse-lhe: “Meu filho, enquanto tu não perdoares serás prisioneiro de Auschwitz”. E essa palavra redimensionou o seu coração para sempre”.

E para terminar: “O perdão é um nascimento espiritual, um novo começo, a ruptura com o passado. É uma oportunidade de viver novamente, de reconstruir o vínculo, a chama da vida. É o sinal visível da liberdade espiritual. Tudo está programado para respondermos sob a lógica da ação e reação, aplicando a conhecida Lei do Talião, olho por olho dente por dente, mas o perdão quebra este ciclo e nos torna verdadeiramente livres, imprevisíveis, espirituais” (Francesc Torralba).


Oração

Reina em mim a escuridão,
mas em ti está a luz.
Eu estou só
mas tu não me abandonas.
Estou desanimado
mas em ti está a ajuda.
Estou intranquilo,
mas em ti está a paz.
A amargura me domina,
mas em ti está a paciência.
Não compreendo teus caminhos,
mas Tu conheces o caminho para mim.

Dietrich Bonhoeffer

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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