Por Frei Almir Guimarães
Eis que eu os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra; entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes; são uma grande multidão os que retornam (Jr 31, 8).
Um cego, um pobre ser, pés no chão, beirada da roupa enlameada, cabelos desgrenhados, jogado, estressado. Bartimeu ouvira falar da fama de Jesus e agora escuta dizer que esse personagem vai passar. Grita: “Filho de Davi, tem compaixão de mim!”. Estamos no tema dificuldade de enxergar, da cegueira. Cegueira dos olhos do rosto ou da visão interior, da fé? A cura do cego de Jericó é um convite a que todos mudemos nossa vida, enxerguemos melhor o caminho da vida.
“O que queres que eu te faça? Respondeu o cego: Mestre, eu quero ver!”
Muita gente em cena. O cego toma a dianteira. Quer a atenção de Jesus. Não perde tempo. Grita. Os circunstantes pedem que ele se cale, que não incomode. “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. “O cego não sabe recitar orações feitas pelos outros. Só sabe gritar e pedir compaixão, porque se sente mal. Este grito humilde e sincero, repetido do fundo do coração, pode ser o começo de uma vida nova. Jesus não passará ao largo” (Pagola, Marcos, p. 218).
Jesus insiste que todos parem. Se há o grito de alguém exprimindo sofrimento é preciso parar, dar atenção, não deixar que a rotina torne insossa nossa vida. Prestar atenção na vida.
O evangelista Marcos, ao relatar-nos a cura de Bartimeu, descreve-a com três traços que caracterizam bem o “homem acabado”. Bartimeu é um homem “cego”, ao qual falta luz e orientação. Está “sentado”, incapaz de dar mais paços. Encontra-se à beira do caminho, desencaminhado, sem trajetória de vida” ( Pagola, Marcos, p.222).
A vida é uma viagem, um caminhar com outros, na tentativa de tirar de nosso interior o melhor que temos lá escondido, enterrado, ainda desconhecido. Somos maravilha e fragilidade. Alcançamos as estrelas e chafurdamo-nos na lama. Somos quase santos de um lado, e de outro, compactuamos com o mal. Precisamos enxergar claro o caminho.
Caminho, caminhar, andar, percorrer sendas e estradas. O cristianismo, em seus primórdios, foi definido como caminho. Os cristãos fazem do jeito de viver de Jesus o caminho de suas vidas. Importante ver o caminho.
O que é ser homem? Ser mulher? Por que essa atração? Para onde nos leva? Os que enxergam sabem que homem e mulher são feitos para um companheirismo delicado, sempre revisto, refeito, reorientado. A maturidade humana e a fé fazem que se enxergue o casamento como lugar de realização, vivência de um amor que liberta, ponto nascedouro da vida de outros filhos de Deus O cego pensa num contrato. Não vê o homem e mulher para além de suas aparências.
Essas mãos, esses pés, essa inteligência… para que? Para seguir as leis do mercado e do consumo? Para agir mecanicamente? Ou talvez o trabalho possa ser clareado com uma luz e nos possa fazer compreender que nos realiza quando colocamos nele amor, espírito de serviço, vontade de fazê-lo e realizá-lo da melhor maneira para que os outros sejam felizes: guiar um ônibus com eficiência e cortesia, cobrir os buracos da calçada para ninguém venha a se machucar, inventar uma nova droga que possa prevenir o câncer. Caminhar com as mãos, os pés, a inteligência ao clarão de uma luz nova.
Esse negativo da vida, essa doença que limita, esses insucessos na condução da vida… tudo o que nos desagrada. É possível enxergar alguma luz no percurso desses caminhos? A fé talvez nos peça que compreendamos que o grão morre para dar fruto… que a vida se esconde na morte…Quem puder compreender que compreenda.
Nós, homens e cristãos desse inicio do século XXI, não estamos enxergando claramente nosso caminho. Precisamos que o Senhor nos mostre caminhos. Respiramos rotina, indiferença, ritos religiosos mais ou menos mecânicos, violência…não sabemos o que vamos dizer aos jovens, nossos casamentos não irradiam uma profunda felicidade, vivemos tédio e entretemo-nos as novas técnicas eletrônicas vendo a banda passar…
“Os valores que Jesus propõe como capazes de levar o ser humano ao máximo desenvolvimento não deixam de ser, à primeira vista, desconcertantes: perdão frente à violência, partilhar em vez de acumular, cooperar em vez de competir, ser austeros e não consumistas, amar sem esperar retorno, dar a vida em vez de girarmos bobamente em torno de nós mesmos” (Pedro José Gómez Serrano). Mal futuro nos espera se os valores da partilha, da compaixão e da ternura não forem capazes de complementar os valores da competência, acumulação e da eficiência.
Precisamos ver claro. Precisamos de luz. Precisamos nos abrir ao Espírito que veio ao mundo em formas de línguas de fogo, portanto de luz.
Quando Jesus chamou de volta o cego este jogou o manto para longe, despiu-se das coisas velhas, deu um salto, ressurgiu das cinzas…
Senhor que eu possa ver!
Oração
Jesus,
vivo duvidando e tu me dizes: confia.
Tenho medo e me dizes: ânimo.
Prefiro estar só e me dizes: segue-me.
Faço meus planos e me dizes: deixa-os.
Agarro-me às minhas coisas e me dizes: desprende-te.
Quero viver e me dizes: dá tua vida.
Quero ser bom e me dizes: não basta.
Quero mandar e me dizes: põe-te a servir.
Desejo compreender e me dizes: crê.
Busco clareza e me falas em parábolas.
Quero poesia e me falas da realidade.
Desejo tranquilidade e me deixas inquieto.
Quero violência e me falas de paz.
Busco tranquilidade e vens trazer fogo à terra.
Quero ser grande e me dizes: sê como uma criança.
Quero esconder-me e me dizes: sê luz.
Quero ser visto e me dizes: reza no oculto.
Não te entendo Jesus.
Tu me desconcertas e me atrais.
Só tu tens palavras de vida eterna.
(Autor anônimo, transcrito em Grupos de Jesus, p. 191-192)
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.