Por Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro/RJ
O Concílio Ecumênico Vaticano II, já com grande clareza, indicava o precioso dom para uma diocese presente na figura do presbítero, pondo em evidência a solicitude pastoral que todo Bispo deve ter em relação ao seu presbitério, por esse motivo na Constituição Lumen gentium, n. 28b, encontramos esta profunda exortação aos Bispos, deixando a todos bem conscientes de que para que possam exercer o seu ministério, junto ao povo de Deus, precisam dos seus presbíteros: “os presbíteros, como sábios cooperadores da ordem episcopal e a sua ajuda e instrumento, chamados para o serviço do Povo de Deus, constituem com o seu Bispo um presbitério com diversas funções. Em cada uma das comunidades de fiéis, tornam de algum modo presente o Bispo, ao qual estão associados com ânimo fiel e generoso e cujos encargos e solicitude assumem, segundo a própria medida, e exercem com cuidado quotidiano. Sob a autoridade do Bispo, santificam e governam a porção do rebanho a si confiada, tornam visível, no lugar em que estão, a Igreja universal e prestam uma grande ajuda para a edificação de todo o corpo de Cristo (cf. Ef. 4, 12)”.
Na Quinta-feira santa, celebramos a Instituição da Santa Eucaristia e consequentemente, a Instituição do Sacerdócio ministerial; dia da Última Ceia dos Apóstolos com o seu Senhor, dia da Primeira Missa, na qual Jesus quis perpetuar o seu sacrifício, pedido que fosse feito em sua Memória
Neste dia de profunda ação de graças, por esses irmãos que dedicam sua vida ao pastoreio mais próximo dos fiéis, como pastores com o cheiro das ovelhas, não podemos deixar de recordar que é tarefa de todo o povo de Deus encorajar o surgimento de vocações para o sagrado ministério. Todos podem e devem cooperar neste trabalho com oração, incentivo, contribuições financeiras e qualquer outra iniciativa destinada a favorecer o discernimento da vocação ao sagrado ministério pelos jovens e também pelos não tão jovens. Dentro do povo de Deus, uma tarefa particular é confiada as famílias e educadores cristãos, bem como aos sacerdotes, especialmente aqueles que exercem o cuidado das almas.
A natureza da ordem sagrada, como sabemos, é acima de tudo sacramental: é um verdadeiro sacramento, instituído pelo próprio Cristo e, como tal, pertence à estrutura essencial da Igreja a ponto de que não pode haver verdadeira Igreja onde não permaneça o sinal do sacerdócio (ubi Episcopus, ibi Ecclesia, segundo a conhecida expressão de Santo Inácio de Antioquia). O sacramento da ordem é um sinal eficaz da graça divina: os fiéis que o recebem são configurados a Cristo sacerdote e pastor que nutre, guia e santifica o seu povo. O sagrado ministério, portanto, não é exercido em nome de outros, mas em nome de Cristo, como um alter Christus.
Jesus sempre reivindicou para si uma identidade sacerdotal, a εξουσια (para usar a linguagem do Novo Testamento), um poder salvífico que de alguma forma se refere ao poder sacerdotal descrito no Antigo Testamento, mas tende a superá-lo. De fato, Jesus: a) Reivindica o poder de perdoar pecados e reconciliar a humanidade com Deus; b) Reivindica a missão de pregar as boas novas (evangelho) libertar o homem das trevas do pecado e da morte; c) celebra a ceia da Páscoa com uma intenção claramente salvífica, porém celebrar a Nova e Eterna Aliança.
As características do sacerdócio de Cristo, que a Igreja antiga parece ter compreendido, são o caráter cultual/sacrificial, o do anúncio/ pregação, a da orientação pastoral. Jesus comunicou de modo especial os seus poderes sacerdotais aos apóstolos, depois também a todos os seus discípulos: o poder de pregar o Evangelho a toda criatura (Mt 28); o poder de expulsar demônios e perdoar pecados e o poder de celebrar a Eucaristia, como memorial de sua paixão salvadora.
Por isso com São João Paulo II, gostaria de recordar: “toda a nossa existência sacerdotal é e deve ser profundamente penetrada por este serviço, se quisermos realizar, de maneira adequada, o Sacrifício eucarístico in persona Christi. O Sacerdócio exige particular integridade de vida e de serviço; tal integridade condiz muito bem com a nossa identidade sacerdotal. Nela se exprime a grandeza da nossa dignidade e a “disponibilidade” que lhe é própria: a prontidão humilde para aceitar os dons do Espírito Santo e distribuir aos outros os frutos do amor e da paz, a prontidão para lhes proporcionar aquela certeza da fé donde nasce a compreensão profunda do sentido da existência humana e a capacidade de introduzir a ordem moral na vida dos indivíduos e dos ambientes humanos” (Carta a todos os Sacerdotes na Quinta-feira Santa de 1979), que continuou ainda: “não podemos enfraquecer esta fé e confiança com as nossas dúvidas humanas, ou com a nossa pusilanimidade. Devemos, pois converter-nos cada dia. É exigência fundamental do Evangelho, a que têm de submeter-se todos os homens e muito mais nós. Se temos o dever de ajudar os outros a converter se, também nós o devemos fazer constantemente na nossa própria vida. Converter-nos significa retornar à graça da nossa vocação, meditar na infinita bondade e amor de Cristo, que a cada um de nós chamou pelo nome e nos disse: “Segue-me”. Converter-nos quer dizer “dar conta” do nosso serviço, do nosso zelo, da nossa fidelidade ao Senhor dos nossos corações,”.
O relacionamento entre o Bispo e o presbítero deve ser um relacionamento de paternidade-filiação, pois, vendo ao Bispo com a um pai, a consciência e a liberdade do próprio presbítero serão poderosamente chamadas à obediência, que então não será percebida como a imposição de uma vontade externa, mas como a participação real e comum na obra de santificação de toda a humanidade. Povo de Deus.
Sabedores de que um pai é sempre capaz, às vezes com dramático realismo, de reconhecer todas as limitações de seus filhos porque, como pai, ele conhece antes de tudo os seus. Mas seria uma grave falta de realismo insistir apenas nos limites, arriscando-se a bloquear o crescimento espiritual dos filhos.
Conscientes de que um pai é capaz de valorizar com razão as boas qualidades de seus filhos, apoiando-os e incentivando-os, mostrando-lhes também satisfação com tudo o que é verdadeiro, justo e bom neles e é realizado por eles. Só então, na consciência recíproca do bem, que é o fundamento de toda confiança humana possível, pode ser exercida a correção necessária que, em tal ambiente, pode ser recebida com fecundidade.
Há quase quarenta anos da promulgação do Código de Direito Canônico, encontramos preciosas indicações para que a paternidade do Bispo seja exercida junto ao seu presbitério com as seguintes determinações, contidas propriamente no cân. 384 “o Bispo diocesano acompanhe com peculiar solicitude os presbíteros, os quais ouça como colaboradores e conselheiros, defenda os seus direitos e procure que cumpram devidamente as obrigações próprias do seu estado, e se encontrem à disposição deles os meios e as instituições de que careçam para fomentar a vida espiritual e intelectual; procure ainda que se proveja, nos termos do direito, à sua honesta sustentação e assistência social”.
Fonte: Vatican News