Maria e Marta: hospedeiras do Senhor

Por Frei Almir Guimarães

 

♦ Mais uma vez estas duas mulheres, Maria e Marta são colocadas diante de nossos olhos. Jesus, amigo da família, é recebido em sua casa com toda cordialidade. Estamos diante do tema da hospitalidade.

♦ Houve tempos em que as visitas entre famílias eram muito frequentes. Num universo de calma e de tranquilidade, via de regra, o domingo era o dia das visitas, das refeições em comum, do “almoço da família”, dos encontros, por vezes até mesmo dos desencontros. Os tempos mudaram e pode ser que aos poucos todos, cansados, estressados, preocupados com nosso mundo tenhamos esquecido de visitar e ou decidido deixar a porta da casa e de nossa vida meio trancada. Não queremos ser incomodados. Cansaço, ar dos tempos, falta de condições de “habitar” convenientemente o tempo.

♦ Ora, a hospitalidade é umas das mais belas virtudes humanas. Vivemos um tempo em que muitos seres se deslocam de seus países em conflito em busca de refúgio e de sobrevivência em outras terras. Há uma consciência geral de que leis e ordenanças dos países precisarão montar esquemas de acolhimento sempre levando em conta a dignidade da pessoa humana. Hospitalidade=acolhida do migrante, do andarilho, do peregrino. Ato profundamente humano.

♦ Hospitalidade não significa receber apenas os estrangeiros, mas todos ser humano. Há uma hospitalidade a ser prestada dentro de casa, no seio da família, na convivência com o mundo que nos cerca de perto. Na maneira de acolher dos cristãos há um dado que vem da fé: “Eu era estrangeiro e me acolheste” (Mt 25,35). O peregrino é imagem de Deus. Acolhe-se aquele que chega mesmo antes de conhecê-lo. Há uma predisposição positiva por parte dos corações retos e dos cristãos. O que chega se exprime, fala, deixa vir à tona seu interior e há um enriquecimento de quem recebe e de quem é recebido. Assim, acontece nas visitas entre amigos. A presença do hóspede é sempre um tempo favorável.

♦ A prática da hospitalidade quer dizer acolhida do outro, do diferente. O outro costuma mexer com nossos arranjos existenciais, com o trem de nossa vida. Temos preconceitos e dificuldades de fazer lugar para esses tantos nos recantos de nosso interior e nos espaços de nossas cidades. Preconceitos contra os ciganos irritantes, universitários baderneiros, aos que têm cor diferente da cor de nossa pele. Não nos damos ao trabalho de nos deter em seu mistério pessoal, escutar as batidas de nosso coração parecidas com as batidas de nosso próprio coração. Tememos o diferente, receamos a competição, preocupamos no sentido de que com a partilha nos falte o necessário. A hospitalidade nos torna humanos e humaniza o mundo.

♦ Jesus foi hóspede das duas irmãs. Costuma-se dizer que Marta é a mulher ativa e Maria a contemplativa. Marta estava preocupada com preparar refeição e providenciar o que fosse necessário para o conforto do hóspede. À primeira vista Jesus faz um elogio a Maria e um reprimenda a Marta. Maria escolhera melhor parte, isto é, ficar aos pés do Mestre, degustando sua presença e atentamente o ouvindo. Na verdade, o coração de Marta, mesmo no meio de suas atividade, queria agradar o Mestre. Somos todos, de alguma forma, Marta e Maria.

♦Vivemos um tempo de correria, pressa, urgência, produtividade. Não temos mais tempo de “degustar” o presente, de nos dar momentos de “ociosidade”, silêncio e contemplação. Pensadores contemporâneos insistem na urgência de se sejam criados espaços de contemplação e de recolhimento em nossas vidas. Um filosofo coreano afirma: “Se tirarmos da vida todo elemento contemplativo, ela sofre de hiperatividade mortal. O homem se sufoca em seu próprio fazer. Uma revitalização da vida contemplativa é necessária para abrir espaços de respiração. O espírito nasce de um “excedente” de tempo, de um ócio, de uma maior lentidão na respiração”.

♦ Esta página de José Antonio Pagola situa de maneira bem precisa nosso tema, esse sadio inter-relacionamento entre ação e contemplação. Cada um de nós é, ao mesmo tempo, Marta e Maria: “Jesus não critica o serviço de Marta. Como iria fazê-lo, se ele próprio com seu exemplo, este ensinando a todos a viver acolhendo, servindo e ajudando os outros? O que ele critica é seu modo de trabalhar à flor da pele, sob a pressão de demasiadas ocupações. Jesus não contrapõe vida ativa e vida contemplativa, nem a escuta fiel de sua Palavra e o compromisso de viver praticamente a entrega aos outros. Antes, alerta quanto ao perigo de viver absorvido por um excesso de atividades, apagando em nós o Espírito e transmitindo mais nervosismo e afobação do que paz e amor. Sob a pressão da escassez de forças estamos nos habituando a pedir aos cristãos mais generosos todo tipo de compromissos dentro e fora da Igreja. Se, ao mesmo tempo não lhes fornecemos espaços para conhecer Jesus, escutar sua Palavra e alimentar-se de seu Evangelho, corremos o risco de fazer crescer na Igreja a agitação e o nervosismo, mas não seu Espírito e sua paz. Podemos deparar-nos com comunidades animadas por funcionários afobados, mas não por testemunhas que irradiam seu vigor” (Lucas, p. 188).

♦ São Francisco de Assis, muito sabiamente prescrevia o trabalho para seus frades a condição que não deixassem de “habitar” o coração: “Aqueles irmãos aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar trabalhem fiel e devotamente, de modo que, afastando o ócio que é inimigo da alma, não extingam o espírito da santa oração e devoção ao qual devem servir as demais coisas temporais” (Regra bulada, V).


Oração

Creio em Jesus. Creio em Jesus.
Ele é meu amigo, minha alegria, é meu amor.
Ele é meu Salvador.
Ele bateu à minha porta e me convidou a segui-lo.
Seguirei seus passos, levarei sua mensagem de paz.
Ele ajudou o enfermo e lhe trouxe a fidelidade.
Defendeu o humilde; combateu a mentira e o mal.
Dia e noite creio em Jesus.
Ele está a meu lado, creio em Jesus.
Sigo suas palavras, creio em Jesus.
Ele é meu Salvador.
Ele é o Messias, sigo Jesus.
Ele é minha esperança, creio em Jesus.
Ele vive para sempre, espero em Jesus.
Ele é meu Salvador (C. Erdozain).

Fonte: Franciscanos

 


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1956, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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