O cântico de um coração enamorado
Uma das maiores alegrias do Evangelho é a que transbordou do coração de Maria quando visitou a sua prima santa Isabel. Não cabendo no seu peito, ela extravasou-a no cântico de gratidão e louvor que conhecemos como o Magnificat (cf. Lc 1, 39-56).
Tudo aconteceu pouco depois da Anunciação. Maria tinha recebido, através do anjo Gabriel, o anúncio de que Deus a escolhera para ser a Mãe do Salvador. Com uma simplicidade encantadora, pediu esclarecimento do que não entendia, e imediatamente entregou-se a Deus com fé plena: Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (cf. Lc 1, 26-38). Naquele mesmo instante, o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). A segunda Pessoa da Trindade assumiu a natureza humana no seio de Maria.
Gabriel, ao anunciar à Virgem que ela conceberia milagrosamente, sem intervenção de varão, quis firmá-la na certeza de que para Deus nada é impossível, e, como prova disso, comunicou-lhe que a sua prima Isabel, uma mulher já idosa e considerada estéril, havia concebido um filho na sua velhice, e estava no sexto mês (Lc 1, 36).
Para Maria, a Encarnação do Verbo foi o momento supremo da sua vida. Tudo a levava a se extasiar, deslumbrada com a predileção de Deus para com ela e o incrível futuro que se lhe abria. No entanto, ao saber da gravidez de Isabel, esqueceu-se de si, e foi com pressa às montanhas da Judéia, à cidade onde a prima morava. Sentia necessidade de lhe dar assistência até o nascimento do filho. E foi ali, na casa de Isabel, que Maria cantou a sua felicidade com o Magnificat.
Vale a pena meditarmos – neste capítulo e no próximo – sobre a alegria de Nossa Senhora, tal como se contempla no mistério da Visitação.
“Olhou para a sua humilde serva”
Com estas palavras Maria começa a explicar, no Magnificat, as razões da sua alegria: A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a sua humilde serva (Lc 1, 48). Para entender melhor essas últimas palavras, tenha em conta que também seria correto traduzir: “porque olhou para a humilde condição da sua serva”, ou “porque olhou para a pequenez da sua serva” ou “porque olhou para a sua pobre serva”.
Em todas as possíveis versões o sentido é o mesmo: a humildade de Maria. Ela considera-se uma pequena criatura que não merece que Deus a distinga especialmente. Por isso, ficou perturbada (Lc 1, 29) quando ouviu a saudação de Gabriel e a escolha que Deus fizera dela, chamando-a a se tornar a Mãe de seu Filho.
Olhou para a sua humilde serva. Maria tem a surpresa de quem se sabe muito pequena diante de Deus, e sabe que não poderia jamais igualar-se a Deus, como o diabo sugeriu aos nossos primeiros pais: Sereis como deuses (Gn 3, 5) – e como continua a sugerir-nos a nós…
Em Maria, há uma realização viva do que diz o livro dos Salmos: Excelso é o Senhor e olha para o humilde (Ps 138, 6). Uma alma humilde como a de Maria, que ama e adora Deus de coração puro, atrai sobre si o olhar e as bênçãos do Senhor, que a levam a fazer e a viver coisas grandes. Deus, pelo contrário, se afastaria do coração orgulhoso e o deixaria abandonado aos seus delírios estéreis.
Deus – diz São Pedro, citando o livro dos Provérbios – resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes (1 Pd 5, 5). O mesmo pensamento foi inspirando pelo Espírito Santo a Maria no Magnificat: Deus desconcertou o coração dos orgulhosos… e exaltou os humildes (Lc 1, 51-52). O humilde de coração sempre encontra a paz e a alegria (cf. Mt 11, 29).
“A minha alma engrandece o Senhor”
Assim começa Maria o Magnificat. Na alma humilde, Deus se mostra grande, e “diviniza” a sua criatura, tornando-a apta a conseguir maravilhas.
Comentando o Magnificat, Bento XVI dizia que, «neste cântico maravilhoso reflete-se toda a alma, toda personalidade de Maria. Podemos dizer que este seu cântico é um retrato, é um verdadeiro ícone de Maria… Ele se inicia com a palavra magnificat: a minha alma “engrandece” o Senhor, ou seja, “proclama grande” o Senhor. Maria deseja que Deus seja grande no mundo, seja grande na sua vida, esteja presente entre todos nós. Não teme que Deus possa ser um “concorrente” na nossa vida, que nos possa tirar algo da nossa liberdade, do nosso espaço vital, com a sua grandeza. Ela sabe que, se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida…torna-se grande no esplendor de Deus» (Homilia, 15/08/2005).
Na alma humilde, Deus pode agir livremente, com toda a potência do seu amor, com toda a energia vivificante do Espírito Santo. Isso é o que aconteceu com Maria, que foi, pela graça, bendita entre todas as mulheres (Lc 1, 42), Mãe de Deus, cheia de graça e virtudes, corredentora com Cristo, Mãe de todos os homens.
E nós? Quanta graça de Deus não fica tolhida pela nossa soberba, pelo nosso “medo” de nos comprometermos com Deus, pelo nosso egoísmo! Essa falsa “exaltação” orgulhosa e esse “encolhimento” tacanho garantem a nossa tristeza.
“Não temas, Maria”
Foi assim que o anjo tranquilizou a Virgem no dia da Anunciação: Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo. Ela perturbou-se com estas palavras…O anjo, então, lhe disse: “Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus (Lc 1, 28-30).
“Não tenhas medo, Maria”. Também a nós Deus nos chama pelo nome. Não somos números abstratos. Cada um de nós é único diante de Deus. A todos, de um modo ou de outro, Ele nos diz: Eu te chamei pelo teu nome (Is 45,4) – Eu te amo com eterno amor, e por isso a ti estendi o meu favor (Jr 31, 3).
Convençamo-nos de que, se Deus nos ama assim “pessoalmente”, Ele reserva para cada um de nós muitos dons e, além disso, confia a cada um uma missão. Se formos humildes, abrir-se-ão as comportas das bênçãos divinas, receberemos na alma a graça do Espírito Santo, e poderemos realizar coisas admiráveis, do tamanho do Amor. Por isso, o coração humilde de Maria canta com gozo: Todas as gerações me chamarão feliz, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso, e o seu nome é Santo (Lc 1, 49).
Está vendo? Uma alma verdadeiramente humilde não teme, não se amesquinha. Não diz “coitado de mim, não posso…” Isso seria uma falsa humildade. Com a graça Deus, devemos dizer como são Paulo: Sou o último dos apóstolos…, mas posso tudo naquele que me dá forças (cf.1 Cor 15,9 e Fl 4, 13).
São Josemaria, com pouca idade, sem muitos conhecidos e sem meios materiais, percebeu claramente que Deus lhe pedia uma coisa grande, a fundação do Opus Dei, que devia se estender por toda a terra. Alguns padres amigos dele achavam que não daria, que seria uma loucura tentar esse empreendimento apostólico de dimensões universais.
Mas ele pôs tudo nas mãos de Deus e se lançou a essa “loucura”. Por isso Deus o abençoou. Muitos anos depois, lembrando a época em que tudo parecia impossível, dizia: «Impossível! Se tivesse pensado assim, se não tivesse tido uma plena confiança em que, quando Deus pede alguma coisa, concede todas as graças necessárias para realizá-la, ainda hoje estaria repetindo essa palavra – impossível! – como um débil mental»[1].
“Deus realizou em mim maravilhas”
Realizou em mim maravilhas aquele que é Poderoso e cujo nome é Santo (Lc 1, 49). São palavras do Magnificat. Na vida dos homens e mulheres humildes, Deus opera maravilhas, que os orgulhosos, sozinhos (porque se isolam de Deus), não conseguem jamais realizar. A pessoa humilde, recebe de Deus energias espirituais novas, que a tornam capaz de vencer dificuldades antes invencíveis; a pessoa humilde recebe a graça de ver com a luz da fé coisas que antes eram totalmente obscuras; a pessoa humilde torna-se capaz – com Deus! – de ter uma paciência, um espírito de sacrifício, uma mansidão e uma compreensão incríveis, que antes julgava impossíveis de alcançar; a pessoa humilde, com a graça divina, enfrenta com coragem todos os obstáculos e se atira a conquistas espirituais “impossíveis”…
Maria, a Mãe de Deus, lembra-nos com o Magnificat que Deus escolhe os que são humildes como instrumentos para realizar coisas grandes neste mundo. Ela, inseparavelmente associada por Deus à missão redentora do Filho, foi – com Cristo Jesus e pendente dele –, corredentora da humanidade inteira.
Todos os grandes santos – a exemplo de Maria – foram humildes. Os realizadores de iniciativas cristãs incríveis, que dão vertigem, foram humildes. Os melhores mestres – os que não transmitiram só a ciência, mas formaram homens e mulheres, filhos de Deus, de verdade – foram humildes. Os bons pais – os que não se limitam a dar comida, saúde e estudo, mas ajudam os filhos a serem pessoas de grandes valores e virtudes cristãs – são pacientes e humildes. Os apóstolos eficazes – os que caminham e avançam rumo a Deus junto com muitas outras almas – são humildes. Os que, por Cristo, vivem dedicados com desprendimento total de si mesmos aos pobres e sofredores são humildes.
“Humildade! Humildade!” – não se cansavam de pedir os santos.
«O cântico humilde e gozoso de Maria no Magnificat – diz são Josemaria –, lembra-nos a infinita generosidade do Senhor para com os que se fazem como crianças, para com os que se abaixam e sinceramente se sabem nada» (Forja, n. 608).
Fonte: Pe. Francisco Faus
[1] Beato Álvaro del Portillo, Entrevista sobre o Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo 1994, p. 110