Compreender que a Liturgia da Palavra, mais do que recordar, é um reviver dos acontecimentos vivenciados por nossos antepassados em suas relações com Deus; ou seja, é atualizar, para o hoje de nossa história, a presença e atuação de Deus na vida de tantas pessoas. É justamente porque recordamos o que Deus realizou na vida dos povos, que podemos viver e compreender, hoje, sua presença e atuação em nossa vida.
Neste artigo iremos compreender que, após a aceitação da presença de Deus nos acontecimentos da história passada e presente (Liturgia da Palavra), vivemos sua presença real através da Eucaristia, que nos sinaliza o “banquete celeste”, nosso futuro diante de Deus (Liturgia Eucarística). Através do mandato do Senhor, na última Ceia, aos seus discípulos: “fazei isto em memória de mim” (Cf. 1 Cor, 11, 23), fazemos o mesmo gesto ritual de Jesus e, ao mesmo tempo, atualizamos sua presença salvadora em nosso meio.
Podemos dizer que a Liturgia Eucarística é o “coração”, enquanto parte central, da Missa. É, pois, na Liturgia Eucarística que Deus se faz presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade; aqui, a “Eucaristia faz a Igreja” enquanto congrega todos os fiéis para nutri-los com o mesmo alimento divino, e, também, “a Igreja faz a Eucaristia” enquanto celebra e dá vida às espécies eucarísticas do pão e do vinho (Cf. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, do Papa João Paulo II). Dessa relação compreendemos a Eucaristia em dois aspectos: ceia e sacrifício. Ceia enquanto banquete que nos alimenta espiritualmente e nos faz partilhar o pão com os que mais necessitam; e sacrifício enquanto doação da própria vida do Senhor Jesus para nossa Salvação, e da nossa vida em união com a dele.
A Liturgia Eucarística é composta de diversos ritos, cada qual com seu significado capaz de proporcionar conteúdo e consistência à nossa fé celebrada.
São eles: preparação das oferendas; oração sobre as oferendas; oração eucarística; Pai-nosso e embolismo; oração e abraço da Paz; fração do Pão e Cordeiro de Deus; apresentação do Pão; comunhão; e oração pós-comunhão.
Vejamos cada um deles:
PREPARAÇÃO DAS OFERENDAS: o essencial desse rito consiste em colocar sobre o altar o pão e o vinho. Por isso, entende-se aqui por oferendas somente o pão e o vinho. Ao trazer o pão e o vinho, os cristãos pretendem dar significado à sua participação nos frutos da Eucaristia. Essa apresentação exprime também o sentido do oferecimento de si mesmo ao Pai a serviço dos irmãos. O nome correto dado a esse momento é o de “preparação das oferendas” e não “ofertório”. A “oferta” é o próprio Senhor Jesus Cristo que se oferece ao Pai; nós somente apresentamos essas “oferendas” a Deus.
ORAÇÃO SOBRE AS OFERENDAS: essa oração faz referência aos dons do pão e do vinho apresentados no altar e realça a estreita relação entre as oferendas, a oração eucarística e a comunhão. Põe em destaque a oferenda do povo sacerdotal (todos os batizados) que também se oferecem através do trabalho e da doação diária na construção do Reino de Deus.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA: toda Oração Eucarística proclama aspectos ou fatos diferentes das maravilhas de Deus, tendo como centro e cume o Mistério Pascal de Cristo (sua Paixão, Morte e Ressurreição). Deste modo, podemos dizer que cada Oração Eucarística vai revelando, por meio de elementos próprios, como a história se tornou História da Salvação em Cristo Jesus. No Missal Romano há 14 Orações Eucarísticas diferentes. Cada uma possui várias subdivisões. Abaixo seguem, de modo geral, suas diferentes partes:
– Diálogo Inicial: é composto pela introdução (O Senhor esteja convosco… Ele está no meio de nós…); somos convidados a reconhecer a presença de Deus e a elevar nossos corações para que possamos compreender melhor o que celebramos. Somente através da fé somos capazes de acreditar na presença real de nosso Senhor Jesus Cristo.
– Prefácio: há um desenvolvimento do tema central da celebração e o anúncio das maravilhas de Deus. Termina antes do canto do “santo”.
– Sanctus: revela a santidade de Deus (santo, santo, santo), remetendo-nos à entrada de Jesus em Jerusalém e ao canto dos anjos diante do Cordeiro (hosana), descrito no livro do Apocalipse;
– Epíclese (sobre os dons): o Espírito Santo se torna presente no pão e vinho apresentados pelo povo de Deus; o presbítero impõe as mãos sobre as oferendas, pedindo a vinda do Espírito Santo sobre as espécies eucarísticas.
– Narrativa da Instituição: é caracterizada pela repetição das ações e palavras de Jesus durante a última Ceia (Tomai todos e comei… Isto é o meu Corpo! Tomai todos e bebei… Isto é o meu sangue!);
– Aclamação Memorial: o povo de Deus anuncia o que houve com Jesus (paixão, morte e ressurreição), pedindo sua presença no meio de nós. Esse memorial (o sacrifício da missa que celebramos) não é somente uma lembrança do que aconteceu no passado, nem tampouco uma repetição, no sentido de um novo sacrifício, mas é o mesmo único e definitivo sacrifício que se torna atual e presente em cada celebração e nos leva a pedir pela volta de Jesus em nosso meio: (Anunciamos Senhor a vossa morte e proclamamos….)
– Intercessões: pedidos pela Igreja universal (católica) e particular (diocese), pelos defuntos, e por toda a assembleia;
– Doxologia: A Igreja, que é corpo místico de Cristo, pode elevar ao Pai as suas intercessões. Por isso, agora a Igreja fala a Deus, por Cristo, com Cristo e em Cristo. É também uma oração trinitária que retoma, sintetizando-a, toda a ação de graças feita desde o prefácio. Num gesto de elevação da patena e do cálice, o presbítero apresenta a Deus Pai o Corpo e Sangue de Cristo (a verdadeira oferta), oriundos do trabalho humano (pão e vinho). A assembleia confirma com o Amém, encerrando a Oração Eucarística.
PAI-NOSSO E EMBOLISMO: o Pai-nosso é o prolongamento do louvor da oração eucarística. É o momento em que a comunidade reunida reza a oração que o próprio Jesus nos ensinou. A oração que vem na sequência, proferida pelo presidente da celebração (“Livrai-nos, de todos os males, ó Pai…”) é chamada de embolismo (emballei) que quer dizer “inserir, intercalar e adicionar”. Ela desenvolve o último pedido do Pai-nosso (“mas livrai-nos do mal”), suplicando que toda a comunidade dos fiéis seja liberta do poder do mal.
ORAÇÃO E ABRAÇO DA PAZ: reza-se pela Paz. É importante perceber que todas as orações são dirigidas ao Pai, mas esta se dirige a Jesus Cristo. Compreende-se que a paz pedida é aquela procedente do Cristo ressuscitado, a nossa verdadeira paz. É necessário cuidar para que esse momento sagrado não se torne um gesto meramente formal ou de cumprimento entre as pessoas. Quando se realiza o abraço da Paz, não é o momento de abraçar a todos os que desejamos, mas apenas aqueles que estão ao nosso lado, uma vez que é um gesto ritual, simbólico, e não um simples cumprimento social.
FRAÇÃO DO PÃO E CORDEIRO DE DEUS: é o momento no qual o presidente da celebração toma nas mãos o pão consagrado e parte-o em pequenos pedaços, dando-nos o sentido de que, embora muitos, formamos um só Corpo. Após a fração há o gesto commixtio, que consiste em colocar um pedaço do pão consagrado no cálice com o vinho consagrado. Esse rito expressa que o pão e o vinho formam uma unidade – o Corpo de Cristo. Enquanto se realiza esse rito é entoado o canto do Cordeiro de Deus.
APRESENTAÇÃO DO PÃO: aquele que preside a celebração apresenta a Eucaristia, e todos os fiéis unidos fazem um ato de humildade, usando as palavras presentes no Evangelho: “Senhor, eu não digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo” (Mt 8,8).
COMUNHÃO: na comunhão assumimos Deus em nossa vida, assim como o seu projeto de Igreja-comunidade. Comendo e bebendo o corpo e sangue do Senhor nos tornamos “hóstias vivas” na construção de um mundo mais humano, solidário e fraterno. A comunhão é, pois, sinal de compromisso com Cristo, com sua Igreja e com os irmãos. Receber a Eucaristia é o mesmo que “assinar” um documento em que se afirma a responsabilidade com a prática da justiça, caridade, fraternidade, solidariedade e bondade em todos os lugares e circunstâncias. A caminhada que fazemos para receber a comunhão remete-nos ao peregrinar em direção aos céus.
ORAÇÃO PÓS-COMUNHÃO: antes da oração pós-comunhão, somos chamados a um tempo de silêncio e recolhimento para nossa oração pessoal. Na sequência, aquele que preside convida-nos à oração pós-comunhão, que é uma espécie de agradecimento e de confirmação do compromisso que assumimos ao comungar. Ao final, todos dizem Amém, dando sua adesão pessoal a este compromisso de vida assumido.
Vale sempre recordar que todos esses ritos acima descritos são compostos de gestos e orações que somente são vivenciados por meio da fé. É pela fé que sou capaz de olhar para um pedaço de pão ou um pouco de vinho e perceber que ali se faz presente o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. É pela fé que compreendemos e somos capazes de abraçar e viver o que a Igreja nos ensina. Enfim, é pela fé que chegamos a experimentar Deus em nossa vida e podemos, com certeza, afirmar que tudo o que fazemos e celebramos é verdadeiro e vale a pena.
Que a Eucaristia seja um alimento espiritual fortalecedor de nossa alma e que, através da celebração em comunidade, possamos apreender, cada vez mais, que a comunidade se faz por meio da ajuda mútua.
Fonte: Diocese de Amparo