Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém
Introdução
Muitas são as condições necessárias para que haja um bom líder, a primeira delas talvez, seja a formação humana. O líder é gente que trabalha com gente, e por isso, precisa conhecer o ser humano, gostar de gente e promover o próprio desenvolvimento humano para que possa servir como convém. Visto que liderar é estimular pessoas, para que esse serviço possa ser efetivo é necessário que o líder seja uma pessoa profundamente comprometidas com o seu crescimento humano em todas as dimensões.
Para refletir sobre esta primeira condição que possibilita o serviço de liderança, meu olhar se volta para os problemas concretos que percebo em muitas de nossas comunidades e grupos. A maioria deles está relacionado à fragilidade da formação humana: desequilíbrio emocional, conflitos por inveja, disputa de poder, prepotência, negligência, indiferença às orientações, apego exagerado ao cargo, medo de avançar, imaturidade afetiva, isolamento, passividade, falta de transparência, manipulação, solidão, rivalidade entre grupos internos espontâneos ou de famílias…
Na leitura da I Carta aos Coríntios perceberemos que não isso não é privilégio de nenhuma das nossas comunidades atuais, aliás, me parece que alguns problemas morais dessa comunidade eram muito graves. O serviço de liderança dessas comunidades era alicerçado na boa vontade e no espírito de voluntariado. Por isso alguns problemas afloravam espontaneamente e, em geral eram questões ligadas às gestão emocional, como bem acusa o apóstolo: “se entre vocês há invejas e brigas, não será pelo fato de serem guiados por instintos egoístas e por se comportarem como qualquer um?” (1Cor 1,3).
No capítulo III do livro do Apocalipse podemos encontrar uma pequena amostra das inúmeras dificuldades enfrentadas pelos líderes das primeiras comunidades, como por exemplo: desânimo e abandono da fé (cf. Ap 2,4), desvio doutrinal (cf. Ap 2,14), falta de coragem para o enfrentamento de adversários e corrigir desvios (cf. Ap 2,20), carência de zelo (cf. Ap 3,3), fraca paixão (cf. Ap 3,14), tibieza (cf. Ap 3,19) etc. Também na Carta a Tito e nas Cartas a Timóteo vamos encontrar um diagnóstico desses desafios e das recomendações. O que percebemos, é que na base desses problemas está a questão humana. Reflitamos sobre isso.
1. Ampla visão do ser humano
Organizar e administrar coisas, é bem diferente de liderar pessoas. Talvez seja esta a primeira condição necessária para se liderar: considerar a natureza do ser humano, a sua complexidade, a sua diversidade de dimensões, suas potencialidades, fragilidades, mistérios. No ser humano não há lógica, e apesar de critério possíveis, ele será sempre promotor de surpresas.
A liderança ética pressupõe o reconhecimento e a acolhida da dignidade humana com todos os seus elementos e situações em que se encontram os liderados. Por isso o autêntico líder, é aquele que reconhece os seus liderados como sujeitos inteligentes, conscientes, livres e responsáveis. Fora disso, o líder se desvia, lutando a todo custo para manipular as pessoas.
Essa perspectiva humanista do serviço de liderança nos desafia a sermos os primeiros a abraçarmos o desafio de estarmos continuamente num processo de autoconhecimento e de desenvolvimento humano pessoal. Considerando a natureza do ser humano, com todas as suas potencialidades, o bom líder é aquele que nunca subestima as capacidades dos liderados, tanto para fazer o melhor possível, quanto para fazer algo decepcionante.
2. Habilidades a serem consideradas
Ao considerarmos algumas características fundamentais do ser humano, o serviço de liderança se reveste de muitas atenções, pois a pessoa não é passiva. Dessa maneira, liderar é correr o risco de ser acolhido ou rejeitado, compreendido ou ignorado, tratado com afeto e seguido ou deixado de lado.
Não pode haver sadia liderança, sem o desenvolvimento de habilidades humanas. Há pessoas inteligentes, academicamente bem preparadas, tecnicamente bem equipadas, mas não conseguem liderar por causa das suas rústicas atitudes, linguagem ríspida, friezas nas relações interpessoais, bloqueios, intelectualismo, miopia em relação ao todo.
O líder deve ter coração, ou seja, deve ser a capacidade de manifestar afeto, proximidade, capacidade de relacionamento com os liderados. Isso significa a tarefa de desenvolver sua dimensão socioafetiva. Não se lidera mandando e exigindo, mas escutando, dialogando, discernindo o que convém, tomando decisões necessárias e oportunas
Líder interage, por isso não tem medo da proximidade dos liderados, mas sem confusão de papeis e responsabilidades. O líder provoca, anima, estimula, apoia, motiva, articula processos envolvendo os liderados, comunica-se sempre. A comunicação pressupõe um relacionamento com outro sujeito; isso não se confunde com informações, avisos, advertências, discursos, ideias e nem decisões.
Liderar pessoas significa acompanhá-las em vista da consecução de um objetivo ou metas variadas. Isso requer do líder a habilidade de nada concentrar em mesmo, mas estar sempre apontando para um projeto, uma realidade maior, um horizonte a ser buscado. Isso, dependendo da circunstâncias vai precisar do líder outras habilidades como por exemplo saber acompanhar pessoas e processos, bem como saber fazer intervenções justas com ternura e firmeza. Onde não há acompanhamento, intervenção, correção e nem rumo a ser seguido não há o serviço de liderança.
3. O exercício da liderança
A arte de liderar é dom ou conquista? É ao mesmo tempo dom e conquista! Sem o desenvolvimento pessoal dos dons de Deus, não há liderança. Quantas vezes, encontramos pessoas que sentem pavor de assumir algumas responsabilidade de coordenação de algo, porque não se sentem líderes. Por isso, a prática da liderança é exercício e reconhecimento do próprio potencial positivo que leva a pessoa do líder a crescer na autoestima! Podemos nos exercitar na liderança através do esforço para abrir-nos e sair de nós mesmos, exercitando-nos na sociabilidade, não tempo medo de encara o novo e isso tudo começa com a comunicação.
Crescemos na arte da liderança exercitando-nos na capacidade de percepção da realidade como ela se apresenta, com suas necessidades, oportunidades, riscos, provocações, estímulos, desafios. Por isso é tão importante questionar e questionar-se. O exercício de liderança se manifesta através do espírito de iniciativa. O líder, naturalmente não se contém, não fica no anonimato, não silencia diante das realidades. O espírito de iniciativa é manifestação de inquietude, de subjetividade, de sensibilidade, de coragem…
Enfim, sem ser perfeito, o líder é inspirado pelo desejo de bem servir, cultiva a reta intenção naquilo que faz, buscando servir e não ser servido, deixando-se mover pelas virtudes da verdade, justiça, da transparência, unidade, comunhão, sinergia. Nas virtudes da comunhão e da sinergia, está o compromisso com a promoção da corresponsabilidade. O bom líder, planeja, delega responsabilidades, compartilha preocupações, avalia atividades e processos.
Na I Carta a Timóteo São Paulo nos apresenta a necessidade do líder cuidar da sua dimensão humana: é preciso que o dirigente seja irrepreensível, esposo de uma única mulher, ajuizado, equilibrado, educado, hospitaleiro, capaz de ensinar; que não seja dado à bebida, nem briguento, mas indulgente, pacífico e sem interesse por dinheiro; deve ser homem que saiba dirigir bem a própria casa, e cujos filhos lhe obedeçam e o respeitem; exige-se ainda que ele tenha boa fama entre os de fora, para não cair no descrédito (cf. 1Tm 3, 2-4.5.7).
O líder está sempre exposto, está sempre sendo visado, controlado, avaliado… Por isso Paulo recomenda a Timóteo que o líder seja irrepreensível. Deve estar ciente das suas fragilidades e firme num contínuo esforço para que elas não contribuam para o prejuízo da sua missão. Acima de tudo, neste rico capítulo, Paulo elenca alguns importantes valores que tornam o líder uma pessoa que deixa profundas marcas positivas na vida das pessoas por onde passa. Esses valores são: a atenção às pessoas, o equilíbrio, a acolhida, a hospitalidade, a serenidade, a sobriedade, a tolerância, a capacidade de ensinar os outros (de fazê-las crescer), a coerência, a firmeza de ânimo, a ousadia, o otimismo… O aspecto humano do líder é muito importante. Essa é uma tarefa permanente para todos nós!
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- Por que o crescimento humano favorece o serviço de liderança?
- Quais das habilidades humanas do líder mais lhe chama a atenção?
- O que dificulta a formação humana de um líder?
Fonte: CNBB Norte 2