Liderança: a sábia hora da sucessão (parte 6)

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Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém/PA

 

Introdução

A Sagrada Escritura nos diz que há um tempo para cada coisa. Então é preciso saber discernir o momento certo de cada uma; quando iniciar e também quando terminar. “Debaixo do céu há momento para tudo, e tempo certo para cada coisa. Tempo para abraçar e tempo para se separar” (Ecle 3,1.5). Há um tempo para abraçar responsabilidades, permanecer nelas, encarar desafios, carregar peso, dar a própria contribuição servindo com alegria e generosidade.

Também há o tempo de abandonar o que se assumiu, de renunciar responsabilidades; tempo de reconhecimento de que a missão foi cumprida ou que as forças se esgotaram. Visto que só Deus é eterno, só as coisas divinas têm duração eterna (cf. Ecle 3,14). Somos todos marcados pela vulnerabilidade, por isso, com humildade é necessário reconhecer o momento justo de passar as nossas responsabilidades para outros. Essa é a sábia hora da sucessão.

  1. Apego a cargos: a vaidade gera sofrimento

Somos estrangeiros sobre a terra (cf. Hb 11,13;1Pd 2,11). Neste mundo somos todos peregrinos caminhando rumo à nossa casa definitiva, a pátria celeste (cf.  Hb 11,16;13,14). Por isso, como bem nos recorda a liturgia, somos convidados a viver com sabedoria entre as coisas que passam, abraçando as que não passam. Os cargos passam, os serviços mudam, as funções cessam, as nossas forças diminuem, a visão e a sensibilidade se perdem, o dinamismo da vida se enfraquece e tornamo-nos lentos. Por isso, não há motivos para o apego; a vaidade gera sofrimento quando se reconhece que é chegada a hora da mudança.

É triste encontrarmos comunidades, paróquias e outras instituições em situação de crises e conflitos, tristeza e mágoas, indignação e protestos por causa da mudança de líderes. Quem ama a Igreja serve sempre e não precisa de cargos, nem status. É bom que não esqueçamos que as possibilidades de servir, são muito mais abundantes do que a oferta de cargos. Quem quer cargos, não serve porque é vaidoso! Jesus nos alertou: “o maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês” (Mt 23,11); “Estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27).

Na Igreja, ter cargos não é um direito, é um dom, é uma graça; é uma realidade que nos é conferida e, por isso, também tirada e transferida. Somente gratuitamente, com liberdade e desapegados, é que servimos como convém. Jesus nos ensina que no amor está o fundamento do serviço de líder (cf. Jo 21,1-19).

  1. Só Jesus é permanente

Na Igreja as transferências de responsabilidades e alternância de funções é uma realidade que faz parte da sua natureza. Ninguém tem cadeira cativa! As mudanças fazem parte do caráter missionário, itinerante e peregrino da Igreja neste mundo, porque estamos em trânsito. Na Igreja todos mudamos em virtude das exigências do Reino de Deus. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). O status de imutabilidade é unicamente reservado ao Senhor do tempo e do universo.

Na Igreja todos mudamos por causa da nossa obediência e disponibilidade à sua missão. Mudaram os apóstolos, mudam os papas, os cardeais, os bispos, os párocos, os superiores das congregações e devem mudar também todos os níveis de liderança em todos os contextos eclesiais. O Direito Canônico nos apresenta com naturalidade a questão das transferências em virtude da obediência à Igreja (cf. Cân 273); mas também por causa das necessidades e da utilidade ao povo de Deus. Isso deve acontecer todas as vezes quando o ordinário (bispo ou pároco), após justo discernimento, achar conveniente, por necessidade e por amor ao povo de Deus (cf. Cân. 1748).

Lamentavelmente, talvez por falta da justa compreensão, há pessoas que, como já afirmou o Papa Francisco, estão contagiadas pela “síndrome de eternidade” em seus cargos. O apego a cargos enfraquece a vida da Igreja; quando alguém por anos ou décadas, se mantém na mesma função, se empobrece pessoalmente e, dependendo da sua mentalidade e forma de atuação, gera graves perdas para a comunidade.

  1. A sucessão na Sagrada Escritura

A Bíblia nos apresenta uma longa série de sujeitos que reconheceram o momento da justa mudança transferindo suas responsabilidades para outros. Assim encontramos a natural sucessão entre os patriarcas no serviço de liderança do povo de Deus: Abraão, Isaac, Jacó, José; o profeta Elias cede sua missão a Eliseu, o sacerdote Eli dá lugar a Samuel (cf. 1Sm 3-4) e, este por sua vez, idoso, estabeleceu seus filhos como juízes em seu lugar (cf. 1Sm 8,1-5).  Certo é que nem todas as sucessões foram serenas como aquela da passagem do Rei Saul para Davi.

Merece especial atenção a passagem da liderança de Moisés para Josué. Certo dia, dirigindo-se a todo o povo Moisés declarou: “Tenho hoje cento e vinte anos e já não posso deslocar-me…”. Depois Moisés chamou Josué e, diante de todo Israel, lhe disse: “Sê forte e corajoso, pois és tu que introduzirás este povo na terra que o Senhor sob juramento prometeu dar a seus pais, e és tu que lhe darás a posse dela. O Senhor, que é o teu guia, marchará à tua frente, estará contigo e não te deixará nem te abandonará. Por isso, não temas nem te acovardes” (Dt 31,1.6-8).

Essa narração é comovente! Moisés idoso, cansado, desgastado, percebeu com sabedoria que era chegada a hora de passar o comando para alguém mais novo. O jovem Josué foi o escolhido! E já estava sendo preparado havia muito tempo! O bom líder, pensando no futuro, capacita sucessores. Apesar do temor, Josué aceitou a responsabilidade de continuar o processo de libertação do povo caminhando rumo à Terra Prometida. Otimista, Moisés anima o seu sucessor, sem ciúmes, nem temor!

Um dos mais graves males das instituições contemporâneas é a crise de liderança. Lamentavelmente isso acontece porque muitos se mantiveram a todo custo no poder por muito tempo, e não prepararam novos líderes. Líderes apegados aos próprios cargos provocam prejuízos aos liderados (povos, grupos, instituições), porque olham para si mesmos e não percebem que um dia deverão abandonar suas funções.

Quem não pensa no dinamismo da missão da Igreja, mas olha somente para o próprio cargo, é um líder egoísta, vaidoso, carente da visão de conjunto e de futuro. É preciso não ter medo de envolver novas pessoas e, se possível, mudar de ofício.

Também Jesus de Nazaré ao longo da sua vida terrena sempre manifestou a seus discípulos a consciência da sua provisoriedade corporal neste mundo (cf. Jo 7,33; 12,35; 14,1-4.30). São Paulo teve clara consciência de ter chegada a hora do fim da sua missão dizendo: “chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Agora só me resta a coroa da justiça que o Senhor, justo Juiz, me entregará naquele Dia” (2Tim 4,6-8). Em cada comunidade há sempre muitas formas de engajamento no bom combate da fé. Quando percebemos isso nunca brigamos por cargos. Cada um é chamado a não procurar os próprios interesses, a exemplo de Cristo que, desapegou-se de seu status de ser igual a Deus, esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo (cf. Fl 2,6-8). A disputa por cargos e status, desde o início da Igreja, tem gerado mal estar entre os discípulos de Jesus (cf. Mt 20,24). Cristo nos recorda que quem quer tornar-se grande deve aprender a servir e quem quer ser o primeiro deve fazer-se servo de todos  (cf. Mt 20,26-28).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Quais são as causas do apego a cargos?
  2. Por que em muitas de nossas comunidades há dificuldade da mudança de líderes?
  3. Quais são as consequências do apego à cargos?

Fonte: CNBB Norte 2

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