Por Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
Nesse início do ano 2023 da era cristã, é muito normal as pessoas se posicionarem perante o fator tempo, vendo-o com as lentes do passado, longínquo ou próximo, nele identificando fatos, situações, vivências que falam à sua razão e ao seu coração. Ao mesmo tempo, fazem a leitura do presente, com sentimentos agradáveis, felizes ou desconfortáveis, sofridos. Esse cenário tem como referência, como centro de interesse “coisas novas e velhas” que são sempre portadoras de lições para os indivíduos e para a coletividade.
Valendo-se de parábolas, Jesus usou essa expressão ao ensinar que “o discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” (Mt 13,52) Assim, ao descobrir o sentido da sua vida e da sua vocação, o discípulo de Jesus se reconhece como membro da família humana, como cidadão que vive a face terrestre de sua existência. Por não encontrar na terra o sentido pleno de sua vida, o ser humano busca a razão mais profunda de suas aspirações nas “coisas do alto”, expressão usada por São Paulo na Carta aos Colossenses. (Cl 3,2)
As “coisas novas e velhas” são lidas por todas as pessoas, com maior ou menor profundidade, mas, de qualquer maneira, são consideradas porque deixam marcas na personalidade individual e no comportamento da coletividade. Formalmente, instituições da área da comunicação costumam fazer um registro retrospectivo de determinado período, como o ano civil, enquanto outras, como empresas comerciais e industriais, planejam suas atividades, conforme parâmetros preestabelecidos. Da mesma maneira, a gestão pública, em razão de sua natureza, deve voltar suas ações para o bem da coletividade, tendo como pano de fundo o universo das “coisas novas e velhas”.
Nessa ordem de consideração, em termos de mundo e de Brasil, a face das “coisas novas e velhas” se revela de forma preocupante, nesse início de 2023, conforme a focalização da Mensagem o Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz, no dia 1º de janeiro. A face da pandemia é objeto de sua atenção pelo mal causado à humanidade: “A Covid-19 precipitou-nos no coração da noite, desestabilizando a nossa vida quotidiana, transtornando os nossos planos e hábitos, subvertendo a aparente tranquilidade mesmo das sociedades mais privilegiadas, gerando desorientação e sofrimento, causando a morte de tantos irmãos e irmãs nossos. […] A par das manifestações físicas, a Covid-19 provocou – inclusive com efeitos de longa duração – um mal-estar geral, que se concentrou no coração de tantas pessoas e famílias, com implicações não transcuráveis, incrementadas por longos períodos de isolamento e diversas limitações da liberdade. […] Passados três anos, é hora de pararmos um pouco para nos interrogar, aprender, crescer e deixar transformar, como indivíduos e como comunidade; um tempo privilegiado para nos prepararmos para o ‘Dia do Senhor’. Já tive oportunidade de repetir várias vezes que, dos momentos de crise, nunca saímos iguais: sai-se melhor ou pior. Hoje somos chamados a questionar-nos: O que é que aprendemos com esta situação de pandemia? Quais são os novos caminhos que deveremos empreender para romper com as correntes dos nossos velhos hábitos, estar melhor preparados, ousar a novidade? Que sinais de vida e esperança podemos individuar para avançar e procurar tornar melhor o nosso mundo?” Em sua Mensagem, outro flagelo toca fortemente o coração do Papa: “Entretanto, quando já ousávamos esperar que estivesse superado o pior da noite da pandemia de Covid-19, eis que se abateu sobre a humanidade uma nova e terrível desgraça. Assistimos ao aparecimento doutro flagelo – uma nova guerra – comparável em parte à Covid-19 mas pilotado por opções humanas culpáveis. A guerra na Ucrânia ceifa vítimas inocentes e espalha a incerteza, não só para quantos são diretamente afetados por ela, mas de forma generalizada e indiscriminada para todos, mesmo para aqueles que, a milhares de quilómetros de distância, sofrem os seus efeitos colaterais: basta pensar nos problemas do trigo e nos preços dos combustíveis.”
Em termos de Brasil, a posse dos novos gestores, Presidente da República e Governadores dos Estados, dos legisladores no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas, coloca a população diante de “coisas novas e velhas” que fazem muito bem, quando têm o bem comum como o centro das políticas públicas, ou causam muito mal, quando os interesses pessoais, corporativos e partidários se sobrepõem aos direitos da população. O mundo e o Brasil, no ocaso de 2022, com o anúncio da morte, e no início de 2023, com o sepultamento de Bento XVI e de Pelé, estão diante do mesmo fato, tão antigo quanto a humanidade – a morte. O Papa Emérito serviu à Igreja como “humilde trabalhador da vinha do Senhor”, como disse ao se apresentar à multidão, na Praça de São Pedro, no dia de sua eleição, 19 de abril de 2005. Com a genialidade de seu futebol, Pelé encantou os esportistas e os admiradores dos esportes, por isso, é admirado, é reconhecido no mundo.
Com o ensinamento de Jesus sobre os bens eternos e a compreensão dos valores temporais, herdados da sociedade, todos podem encontrar nas lições das “coisas novas e velhas” um precioso aprendizado e, dessa forma, “procurar tornar melhor o nosso mundo”.
Fonte: CNBB