II Domingo da Quaresma: viver diante do mistério

Titian, Transfiguração de Cristo, cerca de 1560, Domínio Público, Wikimedia Commons

Por José Antonio Pagola

 

O homem moderno começa a experimentar a insatisfação produzida em seu coração pelo vazio interior, pela trivialidade do cotidiano, pela superficialidade de nossa sociedade, pela falta de comunicação com o Mistério.

São muitos os que, às vezes de maneira vaga e confusa, outras de maneira clara e palpável, sentem uma decepção e um desencanto inconfessável diante de uma sociedade que despersonaliza as pessoas, as esvazia interiormente e as incapacita para abrir-se ao Transcendente.

É fácil descrever a trajetória seguida pela humanidade: ela foi aprendendo a utilizar, com uma eficácia cada vez maior, o instrumento de sua razão; foi acumulando um número cada vez maior de dados; sistematizou seus conhecimentos em ciências cada vez mais complexas; transformou as ciências em técnicas cada vez mais poderosas para dominar o mundo e a vida.

Este caminhar apaixonante ao longo dos séculos tem um risco. Inconscientemente acabamos crendo que a razão nos levará à libertação total. Não aceitamos o Mistério. E, no entanto, o Mistério está presente no mais profundo de nossa existência.

O ser humano quer conhecer e dominar tudo. Mas não pode conhecer e dominar nem sua origem nem seu destino último. E o mais racional seria reconhecer que estamos envoltos em algo que nos transcende: precisamos mover-nos humildemente num horizonte de Mistério.

Na mensagem de Jesus há um convite escandaloso para os ouvidos modernos: nem tudo se reduz à razão. O ser humano precisa aprender a viver diante do Mistério. E o Mistério tem um nome: Deus, nosso “Pai”, que nos acolhe e nos chama a viver como irmãos.

Nosso maior problema talvez seja ter-nos tornado incapazes de orar e dialogar com um Pai. Estamos órfãos e não conseguimos entender-nos como irmãos. Também hoje, em meio a nuvens e escuridão, pode-se ouvir uma voz que continua nos chamando: “Este é meu Filho. [ … ] Escutai-o”.

Fonte: Franciscanos


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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