“Naquele dia da colheita final o grande juiz será Jesus, Aquele que semeou a boa semente no mundo e que se tornou Ele mesmo ‘grão de trigo’, que morreu e ressuscitou. No final, seremos julgados com a mesma medida com a qual julgamos: a misericórdia que usamos para com os outros será usada também conosco”. Como dizia São João da Cruz: “No ocaso de nossa vida, seremos julgados pelo amor”.
A partir da observação da realidade e mediante pequenas imagens quotidianas, Jesus abria “janelas sobre o mistério de Deus e as vicissitudes humanas”. Ele falava “de modo que todos compreendiam, falava com imagens da realidade, da vida diária”, nos explicou o Papa Francisco no Angelus do último 13 de junho. Assim, em suas parábolas, eram comuns, por exemplo, expressões como pastor, rebanho, a vinha, o trigo, a água.
O importante documento do Concílio Vaticano II Lumen Gentium apresenta diversas imagens da Igreja presentes nas Sagradas Escrituras, como nos tem explicado padre Gerson Schmidt*. No programa de hoje, o sacerdote gaúcho aprofunda a imagem da “Igreja como lavoura ou campo de Deus” abordada na edição passada, propondo a reflexão “Igreja-lavoura: o joio e o trigo”:
“Nas diversas imagens que a Lumen Gentium utiliza para comparar a Igreja, estamos ainda aprofundando a imagem utilizada pela Constituição de que a Igreja é como lavoura ou campo de Deus.
Jesus Cristo utiliza várias parábolas falando da semeadura, da plantação do Reino. Uma das parábolas clássicas é a do semeador que saiu a semear. Uma outra parábola intrigante e que queremos hoje comentar é a Parábola do Joio e do trigo. O Papa Francisco numa das alocuções marianas, comentou essa Parábola do Joio e do trigo, dizendo assim: “Sabemos que o demônio é um espalhador de cizânia: sempre em busca de dividir as pessoas, as famílias, as nações e os povos”. Os trabalhadores queriam logo arrancar a erva daninha, mas o patrão os impediu com a seguinte motivação: ‘Não! Pode acontecer que, arrancando o joio, vocês arranquem também o trigo’. “Sabemos que a cizânia, quando cresce, se parece muito com a boa semente e existe o perigo de confundi-las”.
O ensinamento da parábola é duplo. Primeiramente, diz que o mal existente no mundo não vem de Deus, mas de seu inimigo, o maligno. Ele vai à noite semear a cizânia, na escuridão, na confusão, onde não há luz. Este inimigo é astuto: semeou o mal em meio ao bem, tornando impossível aos homens separá-los claramente; mas Deus, pode fazê-lo”. Na explicação dessa parábola do Joio e do Trigo, o Papa Francisco chamou a atenção para “a contraposição entre a impaciência dos servos e a espera paciente do proprietário do campo, que representa Deus”.
A Igreja é a lavoura e o campo de Deus. Deus é dono desse campo, onde nasce coisas boas e más. Diz o Papa: “Nós às vezes, temos muita pressa em julgar, classificar, colocar os bons de um lado e os maus do outro. Lembrem-se da oração do homem soberbo: “Deus, eu te agradeço porque sou bom e não sou como aquele que é mal”. Deus, ao invés, sabe esperar. Ele olha no campo da vida de cada pessoa com paciência e misericórdia. Vê muito melhor do que nós a sujeira e o mal, mas vê também os germes do bem e espera com confiança que amadureçam. Deus é paciente, sabe esperar. O nosso Deus é um pai paciente que sempre nos espera e nos espera para nos acolher e nos perdoar”.
Por fim, ainda alerta o Papa Francisco: “Atenção: a paciência do Evangelho não é indiferença ao mal; não se pode fazer confusão entre bem e mal. Diante da cizânia presente no mundo o discípulo do Senhor é chamado a imitar a paciência de Deus, alimentar a esperança com o apoio e a confiança inabalável na vitória final do bem, que é Deus”. No final, o mal será arrancado e eliminado: no tempo da colheita, ou seja, do juízo, os trabalhadores irão exercer a ordem do patrão separando a cizânia para queimá-la. “Naquele dia da colheita final o grande juiz será Jesus, Aquele que semeou a boa semente no mundo e que se tornou Ele mesmo ‘grão de trigo’, que morreu e ressuscitou. No final, seremos julgados com a mesma medida com a qual julgamos: a misericórdia que usamos para com os outros será usada também conosco”. Como dizia São João da Cruz: “No ocaso de nossa vida, seremos julgados pelo amor”.
Quero aqui fazer um resgate histórico da época do Papa Paulo VI. Quando na Sacrosanctum Concilium houve uma renovação litúrgica, se permitiu, ab experimentum, certas adaptações litúrgicas. Houve diversas tentativas de renovação da liturgia, naquilo que era permitido adaptar. Porém, houve exageros. E muitos foram até o Papa Paulo VI reclamar que ele pudesse colocar ordem nessas adaptações exageradas na liturgia. Prudentemente, o sapiente Paulo VI usou essa parábola do Joio e do Trigo. “Não, não vamos cortar de imediato essas inovações”, disse Paulo VI. Se tiramos agora o Joio pequeno, corremos o risco de também arrancar o trigo. Ou seja, que deixassem essas inovações para serem aperfeiçoadas mais tarde, porque tudo estava em embrião, em fase de adaptações.
A imagem da Igreja como grande lavoura de Deus tem isso. Também o inimigo semeia joio. Cabe com paciência nos irmos regando a boa semente, para que a má não vingue, não se misture, não abafe a semente do bem.”
Fonte: Vatican News – Jackson Erpen
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.