Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)
A liturgia deste último Domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
A primeira leitura(Is 50,4-7) apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus. A palavra de Isaías é uma das mais belas da Bíblia. É o terceiro cântico do servo referido pelo profeta Isaías. Esse terceiro cântico descreve o servo como um fiel discípulo e um autêntico profeta, que não teme as contrariedades nem as perseguições, tão pouco foge da missão, pois Deus é seu auxiliador. Isso porque ele agradece a Deus por ter um ouvido de discípulo e língua que diz palavras de conforto. Eis o terceiro canto do servo, daquele que sofre, mas confia em Deus. Um canto misterioso, mas que lemos à luz da missão e da vida de Jesus.
A segunda leitura(Fl 2,6-11) apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe. Aqui temos um Jesus despojado. Não teve medo e, como autêntico servo, viveu a experiência humana até a morte. Deus, porém, recompensou sua fidelidade, exaltando-o na glória e tornando-o Senhor.
O Evangelho(Mc 14,1-15.47) convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total. Hoje, neste Domingo de Ramos e da Paixão, entramos com Ele em Jerusalém. É uma entrada carregada de simbolismo e gestos profundos: Ele entra como Rei, mas humilde e sem pompas; é reconhecido pelo povo, mas será condenado; vem como libertador, mas nunca usará de violência; vem como um soberano, mas as suas ações são de serviço.
Enquanto Jesus está à mesa, a sua morte está sendo tramada; enquanto acolhe uma mulher que lhe oferece uma singular hospitalidade, a hostilidade está sendo preparada contra Ele. Até mesmo um de seus discípulos tem seu coração convertido ao mal, pelo poder do dinheiro e pela ganância que destrói. Ele não aprendeu, como o servo, a ter ouvidos e lábios de discípulo, mesmo estando ao lado do Mestre. O Mestre sofre a morte, a pedra fecha o seu túmulo, mas a sua vida não é feita escrava das trevas.
Jesus com a sua condenação, morte e ressurreição salva a humanidade. Sua fidelidade o leva a não se desviar nem desistir da missão que o Pai lhe confiou. Com os ramos nas mãos, seguimos os passos de Jesus em sua entrada em Jerusalém e em seu percurso rumo à cruz. Iniciemos a Semana Santa, neste novo normal da COVID-19, celebrando o centro do grande acontecimento de nossa fé: o mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor!
Fonte: CNBB