Por Frei Almir Guimarães
Determinou a Igreja com sabedoria que no tempo do advento recitemos as palavras dos que antecederam a primeira vinda do Senhor e revivamos os seus desejos. E não celebramos seu desejo só por um dia, mas por tempo mais prolongado, pois o objeto de nossos desejos, quando tarda, parece, ao chegar, mais doce, ao nosso amor (Elredo de Rielvaux, abade).
É sempre bom, muito bom esperar. Esperar que o sol brilhe depois de dias de chuva e de neblina, esperar que doença dê uma trégua ou nos deixe de uma vez por todas, esperar que um filho tresloucado volte à casa para que se possa fazer a festa da volta. O vitelo gordo já está no quintal. É bom viver o tempo do advento. Parece que todos esses dias dezembro estão envolvidos nesse delicioso clima da espera. Quando se espera de verdade já se vive com o coração em festa.
Somos convidados a refazer interiormente a caminhada dos patriarcas e profetas que suspiravam e apontavam para a primeira vinda do Senhor. Advento, celebração das “vindas” do Senhor. Houve a primeira que se consumou no nascimento de Jesus. Esperamos uma segunda e definitiva de Deus no final dos tempos. Entre das duas há essas constantes irrupções do Ressuscitado em nossas vidas. Somos fortemente convidados à vigilância, a prestar atenção. Cuidado para nos vivermos o tempo da vida entorpecidos.
São Bernardo fala de uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma intermediária. Aquelas são visíveis, esta não. Na primeira apareceu na terra e conviveu com os homens. Na última e derradeira, no final dos tempos, todos verão a salvação de Deus e olharão para aquele que fora traspassado. “A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o veem, em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última virá com o esplendor da sua glória” ( Lecionário Monástico I, p. 55).
O tempo de Advento é um período em que cristãos e comunidades se preparam para bem viver as solenidades do tempo: natal do Senhor, festa da Mãe de Deus, epifania. O advento, no entanto, é muito mais do que isso. É tempo de espera, tempo de alimentar o desejo das coisas do alto, tempo de nutrir a convicção que o Senhor não nos abandona, mas que vem consolar o seu povo e, de fato, o consola.
As leituras proclamadas nos ofícios litúrgicos, na verdade, nos preparam para a primeira vinda do Senhor. Isaías é um dos nossos companheiros. Eis algumas de suas palavras tão fortes:
♦ o povo que andava nas trevas viu uma grande luz porque nasceu para nós um menino e um filho nos foi dado: ele se chamará príncipe da paz;
um broto sairá do tronco de Jessé e um rebento brotará de suas raízes;
lobo será hóspede do cordeiro e a criança de peito brincará junto à toca da serpente;
♦ então se abrirão os olhos dos cegos;
♦ haverá uma vereda, uma estrada santa, nela não existem leões nem animais predadores;
♦ os habitantes de Sião podem exultar de alegria porque é grande em seu meio o Santo de Israel.
Procuramos alimentar em nosso interior o desejo da vinda de Cristo em nossa vida, na vida da Igreja e na vida do mundo? Como alimentar o desejo da vinda de Deus? Como ficar atento?
Não nos ater apenas aos pormenores do presépio, mas saber que esse Menino veio instaurar um mundo novo de justiça, de amor e de fraternidade e que somos seus colaboradores.
Viver na vigilância significa não adotar posturas de ceticismo e de indiferença para com as coisas do Senhor e dos homens.
Não deixar que tome conta de nós e de nossas entranhas um estado de insensibilidade.
Tomar cuidado para que nossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez, das preocupações da vida, dos movimentos de fuga de nós mesmos.
Trata-se de rever nossa maneira de rezar. Trata-se de dizer inúmeras vezes por meio de nossas posturas que queremos ser colaboradores da obra daquele que amamos.
Cantar diariamente a cantiga do desejo: “Vem, Senhor Jesus, vem sem tardar!”
Texto para a reflexão
Não viver dormindo
Um dos riscos que nos ameaçam hoje é cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada… Não é fácil escapar. Com o passar dos anos, os projetos, as metas e os ideias de muita gente acabam apagando-se. Não poucos terminam levantando-se a cada dia só para “ir levando a vida” (…). O apelo de Jesus à vigilância nos chama a despertar da indiferença, da passividade, do descuido com que vivemos frequentemente nossa fé. Para vive-la de maneira mais lúcida precisamos conhece-la mais profundamente, confronta-la com atitudes possíveis perante a vida, agradecê-la e procurar vive-la com todas as suas consequências. Pagola, Lucas, p. 213
Oração
SERÁ QUE ANDAMOS DANDO FLORES?
Uma maneira de andarmos despertos
Pequeno exame de consciência diário
Senhor, será que vivemos a jornada de hoje
de acordo com teus desejos?
Prestamos atenção aos que se aproximaram de nós?
Respondemos à esperança que eles depositavam em nós?
Abraçamos os que choravam?
Sorrimos de ternura até que eles, por sua vez,
também começassem a sorrir?
Demos flores antes do pão?
Podemos dizer que fizemos explodir tua alegria no rosto deles?
Fomos irmãos de nossos irmãos?
Se assim não fizemos que tu te dignes de nos perdoar.
Mesmo que tenhamos feito,
certamente ainda ficou faltando alguma coisa.
Dia a dia, incendeia nosso coração de amor!
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.