Frei Sassi: a sabedoria implica discernimento

“Uma educação baseada somente na razão, separada do sentimento e do desejo, pode se tornar cruel”, diz Frei Sassi.

 

Por Frei Vagner Sassi

“Informação, conhecimento e sabedoria” é o tema deste quinto episódio da Série da Campanha da Fraternidade, promovida pela Província da Imaculada Conceição, no formato podcast. O Professor e Doutor em Filosofia Frei Vagner Sassi conversa com Frei Gustavo Medella sobre este assunto, tendo em vista o tema “Fraternidade e Educação” e o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor” (cf. Pr 31, 26) da CF 2022.

A primeira questão levantada por Frei Medella é sobre como se relacionam informação, conhecimento e sabedoria? Segundo Frei Sassi, informações basicamente são dados, notícias e fatos. “Elas não dizem propriamente da realidade, mas já de uma determinada apropriação teórica dessa realidade. Então, toda informação, mesmo a científica, já carrega consigo uma determinada interpretação minha. E dessa interpretação é que me aproprio. Então, é interessante observar que todo ensino nosso é baseado em informações e dados. Nas nossas escolas, nas nossas instituições, os nossos alunos aprendem, captam informações. Através dos meios de comunicação social somos bombardeados por dados e informações. Informações e dados hoje não nos faltam, sobretudo algumas verdadeiras e outras falsas, mas elas são numerosas e povoam toda a nossa mente”, explicou.

Para ele, o conhecimento implica numa experiência de reconhecimento, numa experiência de vivência. “Hoje, costumo dizer que sabemos muito, mas conhecemos muito pouco, no sentido que não conhecemos o que sabemos. Daí a indiferença que existe mesmo na aquisição da informação e do saber. Por quê? Porque essa informação e esse saber não são capazes de mudar a nossa atitude. Então, eu posso ter muitas informações sobre a guerra, muitas informações e muitos dados sobre a tragédia, e não me sensibilizar com isso, porque não conheço isso. De uma certa forma não participo disso”, acrescentou.

Já a sabedoria, para Frei Sassi, é um passo além do conhecimento, no sentido que ela implica discernimento. “Ela implica em crítica, ela implica na compreensão do todo. Em grego o termo sabedoria se diz ‘sophía’, se diz ‘Phronesis’, que é um tipo de conhecimento de excelência que necessariamente é inclusivo, no sentido de que ele não se reduz nem a saber científico, nem a opinião e nem a inteligência. Então, existe uma relação de continuidade, mas ao mesmo tempo de descontinuidade entre informação, conhecimento e sabedoria. E geralmente, mesmo em ambientes acadêmicos, hoje permanecemos no nível da informação”, atesta o professor.

O RISCO DE REDUZIR A EDUCAÇÃO A MERO ADESTRAMENTO OU APENAS ACÚMULO DE INFORMAÇÕES

“Interessante que nós vivemos num período que é propriamente o final do que nós chamamos de modernidade. E essa modernidade compreendeu a educação a partir do movimento do Iluminismo. E isso esteve sempre associado ao modo da produção. Por isso que existe uma relação muito forte entre a revolução industrial e a revolução científica. E hoje nós falamos muito de produção de conhecimento, falamos muito de leitura e produção de texto. Interessante que nesse movimento da compreensão da educação como sendo um produto da razão, entra junto aquele fenômeno da alienação, que também já foi denunciado. Então, essa educação na modernidade gerou muito progresso, gerou pessoas altamente inteligentes, mas ao mesmo tempo mostrou pessoas que, em termos éticos, deixaram muito a desejar. Essa forma de desenvolvimento, de civilização, tornou-se, digamos assim, insustentável porque ela é desumana”, avalia o entrevistado.

Para ele, uma educação baseada somente na razão, separada da questão do sentimento e do desejo, pode se tornar cruel, justamente porque ela vai se tornar meramente instrumental. “Era o que os pensadores da Escola de Frankfurt, na Alemanha, chamavam de razão instrumental. E esse fenômeno só se tornou conhecido a partir, justamente, da segunda Guerra Mundial com o Holocausto. E nós perguntamos: como é que pessoas tão inteligentes, como é que pessoas tão instruídas, puderam se tornar tão insensíveis perante à dor e ao sofrimento humano? Então, um problema que temos hoje não é a falta de educação, não é a falta de informações, a falta de saber, embora isso também seja um problema, a questão é que a qualidade desse saber, a qualidade dessa informação, necessariamente, têm que superar esse âmbito de uma informação e de um saber que meramente adestra a pessoa, que meramente trabalha apenas o lado racional, mas que também envolva o aspecto de sensibilidade, da emoção, no sentido que, ao mesmo tempo, recebo uma notícia sobre a tragédia de Petrópolis, sinto-me comovido, de uma certa forma envolvido por essa realidade e disposto a modificar alguma coisa e também transformar essa situação”, observou Frei Vagner.

SABEDORIA E CRIATIVIDADE

Reafirmando, Frei Vagner disse que a sabedoria é um tipo de conhecimento qualificado e que não se reduz a uma mera produção. “Existe uma diferença muito grande entre produzir e criar. Existe uma diferença muito grande entre funcionar e viver. O saber tem a ver com produzir, já a arte, a sabedoria e a própria vida têm a ver com criação. Então, todo aspecto contemporâneo do pensamento, e mesmo das ciências, volta-se propriamente para um modelo de criação que não se reduz à produção, justamente porque não somos máquinas, não somos meros animais, não funcionamos a partir de um paradigma mecânico”, certifica o mestre, lembrando que o modelo contemporâneo é criativo e não produtivo.

“E justamente por isso ele é inclusivo. Ele inclui a diferença, a diversidade e o novo. Ele não é somente conduzido por normas e valores, que, para garantir o correto, ele se exclui. É diferente. Interessante que toda a nossa educação, hoje em dia, vai se voltando justamente para aqui que, de uma certa forma, foi deixado de lado por um modelo tradicional, que priorizou um modelo racional e que desconsiderou toda a diferença. Por isso, a gente percebe que todo o nosso modelo de educação tradicional é europeu-americano. E nós nos perguntamos: onde ficam os africanos, onde ficam os asiáticos, onde ficam os indígenas?  Então, hoje, percebe-se que justamente a criatividade é que vai abrir caminhos para, com sabedoria, incluirmos também toda diferença e toda diversidade que fazem parte do humano, justamente da riqueza do humano”, acredita o professor.

Fonte: Franciscanos

Para ouvir o podcast na íntegra, clique aqui

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