Em seu discurso à “Pontifícia Academia para a Vida precariedade das condições de higiene e sanitárias causa milhões de mortes evitáveis no mundo todos os anos. Se compararmos esta realidade com a preocupação que a pandemia da Covid-19 tem causado, vemos como a percepção da gravidade do problema e a correspondente mobilização de energia e recursos seja muito diferente”.
O Papa Francisco recebeu em audiência, na segunda-feira (27/09), na Sala Clementina, no Vaticano, os participantes da assembleia plenária da Pontifícia Academia para a Vida.
O tema da saúde pública foi escolhido para estes três dias de trabalho. Um tema atual “no horizonte da globalização”, sublinhou o Papa, reiterando que “a crise pandêmica fez ressoar ainda mais forte «tanto o grito da terra quanto o grito dos pobres»”. “Não podemos permanecer surdos a este duplo grito, devemos ouvi-lo bem! E é isso que vocês se propõem a fazer”, ressaltou.
Reverter esta tendência nociva
Analisar as várias questões graves que emergiram nos últimos dois anos não é uma tarefa fácil. De um lado, estamos esgotados pela pandemia da Covid-19 e pela inflação de discursos gerada: quase não queremos mais ouvir falar disso e estamos com pressa de passar para outros assuntos. Mas, por outro lado, é essencial refletir com calma a fim de examinar em profundidade o que aconteceu e ver o caminho para um futuro melhor para todos. Na verdade, “pior do que esta crise há apenas o drama de desperdiçá-la”.
O Papa recordou que a reflexão que a Pontifícia Academia para a Vida vem fazendo nos últimos anos sobre “a bioética global está se revelando preciosa”. Segundo o Pontífice, “o horizonte da saúde pública nos permite focalizar aspectos importantes para a convivência da família humana e para o fortalecimento de um tecido de amizade social”, temas centrais na Encíclica Fratelli tutti.
Segundo o Papa, a crise causada pela pandemia “destacou quão profunda é a interdependência entre nós e entre a família humana e a Casa comum. As nossas sociedades, especialmente no Ocidente, tiveram a tendência de esquecer esta interconexão. E as consequências amargas estão diante de nossos olhos”. De acordo com Francisco, “é urgente reverter esta tendência nociva, e isso é possível por meio da sinergia entre as diferentes disciplinas. São necessários conhecimentos de biologia e higiene, de medicina e epidemiologia, mas também de economia e sociologia, antropologia e ecologia. Além de compreender os fenômenos, trata-se também de identificar critérios de ação tecnológicos, políticos e éticos em relação aos sistemas de saúde, família, trabalho e meio ambiente”.
Falta de comprometimento adequado
Essa abordagem é particularmente importante no campo da saúde, porque saúde e doença são determinadas não apenas pelos processos da natureza, mas também pela vida social. Além disso, não basta que um problema seja grave para atrair a atenção e ser enfrentado: muitos problemas graves são ignorados por falta de comprometimento adequado. Pensemos no impacto devastador de certas doenças como a malária e a tuberculose: a precariedade das condições de higiene e sanitárias causa milhões de mortes evitáveis no mundo todos os anos. Se compararmos esta realidade com a preocupação que a pandemia da Covid-19 tem causado, vemos como a percepção da gravidade do problema e a correspondente mobilização de energia e recursos seja muito diferente.
O Papa disse ainda que “faremos bem em tomar todas as medidas para conter e vencer a Covid-19 no âmbito global, mas esta conjuntura histórica em que estamos fortemente ameaçados em nossa saúde deve nos deixar atentos ao que significa ser vulnerável e viver cotidianamente na precariedade. Assim poderemos também nos responsabilizar pelas graves condições em que vivem outras pessoas e nas quais até agora temos pouco ou nenhum interesse”.
Aprenderemos assim a não projetar nossas prioridades nas populações que vivem em outros continentes, onde outras necessidades são mais urgentes, por exemplo, não faltam apenas vacinas, mas água potável e o pão de cada dia. O compromisso com uma distribuição justa e universal de vacinas é, portanto, bem-vindo, mas deve levar em conta o campo mais amplo no qual os mesmos critérios de justiça são exigidos para as necessidades de saúde e promoção da vida.
Apoiar iniciativas internacionais
Segundo Francisco, “considerar a saúde em suas múltiplas dimensões e em nível global ajuda a compreender e assumir com responsabilidade a interconexão dos fenômenos, a observar melhor como as condições de vida, que são o fruto de escolhas políticas, sociais e ambientais, também têm um impacto sobre a saúde dos seres humanos. Se examinarmos a expectativa de vida – e vida saudável – em diferentes países e em diferentes grupos sociais, descobrimos grandes desigualdades. Elas dependem de variáveis tais como nível salarial, qualificação educacional, bairro de residência, mesmo na mesma cidade. Afirmamos que a vida e a saúde são valores igualmente fundamentais para todos, baseados na dignidade inalienável da pessoa humana. No entanto, se esta afirmação não for seguida de um compromisso adequado para superar as desigualdades, de fato aceitamos a dolorosa realidade de que nem todas as vidas são iguais e a saúde não é protegida para todos da mesma forma”.
Portanto, devemos apoiar iniciativas internacionais – penso, por exemplo, nas recentemente promovidas pelo G20 – destinadas a criar uma governança global para a saúde de todos os habitantes do planeta, ou seja, um conjunto de regras claras e voltadas para o âmbito internacional que respeitem a dignidade humana. De fato, o risco de novas pandemias continuará sendo uma ameaça no futuro.
Colaboração na realização de um projeto comum
Segundo o Pontífice, “a Pontifícia Academia para a Vida também pode oferecer uma contribuição preciosa neste sentido, sentindo-se companheira de viagem de outras organizações internacionais engajadas neste mesmo propósito”.
O Papa agradeceu o compromisso e a contribuição que a Academia deu ao participar ativamente na Comissão Covid do Vaticano. “É bom ver a colaboração o que existe dentro da Cúria Romana na realização de um projeto comum. Devemos desenvolver cada vez mais estes processos realizados em conjunto, nos quais sei que muitos de vocês participaram, solicitando a uma maior atenção às pessoas mais vulneráveis, como os idosos, os deficientes e os jovens”, concluiu Francisco, confiando a Maria os trabalhos dessa Assembleia e todas as atividades da Academia para a defesa e promoção da vida.
Fonte: Vatican News – Mariangela Jaguraba