“Foi com tristeza que recebi a notícia de um novo naufrágio de migrantes no Mar Mediterrâneo. Não fiquemos indiferentes diante dessas tragédias e rezemos pelas vítimas e suas famílias.”
O relato dos sobreviventes
Os momentos de desespero vividos pelas vítimas foram relatados pelos quatro sobreviventes, três homens e uma mulher, originários da Costa do Marfim e de Guiné Konakry, que foram resgatados pela embarcação a motor Rimona, que os transferiu para o barco de patrulha da Guarda Costeira Cp327. Os sobreviventes, que desembarcaram em Lampedusa, contaram que partiram em 45 da costa da Tunísia, amontoados em um barco de metal de 7 metros. Três crianças também estavam a bordo. Uma grande onda virou o barco e até mesmo os coletes salva-vidas usados por apenas 15 pessoas não serviram para nada.
Fontes informadas citadas pela agência de notícias LaPresse denunciam que a Guarda Costeira da Líbia não interveio. O barco havia perdido seu curso. Ele foi avistado nesta quarta (9) por uma aeronave da Agência Europeia Frontex. Assim, a Guarda Costeira de Roma organizou a intervenção de emergência.
Atualmente, há 1.458 migrantes no ponto de acesso de Lampedusa. A Prefeitura de Agrigento e a Polícia tentaram, nos últimos dias, diminuir a presença porque sabiam que, assim que as condições do mar melhorassem, as travessias seriam retomadas em grande escala. Nesta quinta (10), 600 migrantes deixarão a ilha. Na quarta (9), 1100 pessoas foram transferidas da primeira instalação de recepção.
Mais de 2 mil mortes em 2023
De acordo com Save the Children, a organização internacional que trabalha para salvar crianças em risco, mais de 2 mil pessoas podem ter morrido ou desaparecido tentando atravessar o Mediterrâneo desde o início de 2023. Números que correm o risco de tornar o ano atual o pior em termos de vítimas desde 2016. Desde o naufrágio de Cutro até o da Grécia, passando pelas repetidas tragédias em Lampedusa.
Francisco: não à globalização da indiferença
O Papa Francisco nunca deixou de levantar sua voz em defesa das muitas pessoas que fogem da guerra, da violência, da perseguição e da pobreza. Em 26 de fevereiro, no mesmo dia em que mais de 70 migrantes a bordo de um barco da Turquia morreram na costa de Steccato di Cutro, o bispo de Roma expressou sua profunda tristeza durante o Angelus e, uma semana depois, voltou novamente da janela do palácio apostólico para implorar: “as viagens da esperança não devem mais se transformar em viagens da morte. Que as águas límpidas do Mediterrâneo não sejam mais ensanguentadas por incidentes tão trágicos”. Convidando as pessoas a rezar pelas muitas vítimas do mar, o Pontífice também pediu para não ceder à tentação do hábito, à “globalização da indiferença” repetidamente denunciada: “que o Senhor nos dê a força para entender e chorar”.
Saber chorar os mortos inocentes
Poucos dias depois do massacre, uma cruz feita de madeira da barca de Cutro foi doada ao Papa por um colega jornalista de Crotone, durante um encontro privado. O Pontífice quis guardá-la em seu apartamento, colocando-a ao lado da de Lampedusa.
Foi justamente Lampedusa que Francisco visitou no início do seu ministério, em 8 de julho de 2013, cenário de um massacre de mais de 300 homens que morreram no mar. No décimo aniversário daquela visita, há um mês, o Papa escreveu uma carta ao arcebispo de Agrigento, dom Alessandro Damiano: “estamos abalados pelos massacres silenciosos diante dos quais ainda permanecemos impotentes e atônitos”. Lê-se ainda: “é a vergonha de uma sociedade que não sabe mais chorar e se compadecer dos outros”. “A morte de inocentes, principalmente crianças, em busca de uma existência mais serena, longe das guerras e da violência, é um grito doloroso e ensurdecedor que não pode nos deixar indiferentes”. Na carta, Francisco novamente pediu uma mudança de atitude: “o irmão que bate à porta é digno de amor, de acolhida e de todo cuidado. Ele é um irmão que, como eu, foi colocado na terra para desfrutar do que existe nela e para compartilhá-lo em comunhão”.
Não aos medos e à lógica partidária
Dez anos depois de uma visita que ficou gravada na memória, os habitantes de Lampedusa receberam novamente os agradecimentos do Papa, juntamente com a advertência de “não permanecer presos ao medo ou à lógica partidária”, e o encorajamento a serem “cristãos capazes de enriquecer com a riqueza espiritual do Evangelho” uma “ilha, situada no coração do Mare Nostrum, para que volte a brilhar em sua beleza original”.
O apelo do Santo Padre para que “se faça todo o possível para evitar tragédias semelhantes” também ecoou após o gravíssimo naufrágio, provavelmente o mais grave dos últimos anos, cuja dinâmica ainda não foi esclarecida, ocorrido no largo de Pylos, no Peloponeso, na noite de 14 para 15 de junho deste ano, quando um barco de pesca que partiu da costa da Líbia com 750 pessoas a bordo afundou, causando cerca de 600 mortes e desaparecidos.
Parem o naufrágio da civilização
“Olhemos para os rostos das crianças”, disse Francisco também em Lesbos, em 2021: “não fujamos apressadamente das imagens grosseiras de seus pequenos corpos inertes nas praias. Vamos parar este naufrágio da civilização!” Palavras que lembram as pronunciadas em Malta em 2022: “para nos salvarmos do naufrágio que ameaça afundar o navio de nossa civilização, devemos nos comportar com humanidade, olhando para as pessoas não como números, mas pelo que elas são: irmãos e irmãs”.
Fonte: Vatican News