Feridas secretas

Por José Antonio Pagola

 

Não conhecemos o nome dessa mulher. É uma mulher insignificante, perdida no meio da multidão que segue Jesus. Não se atreve a falar com ele, como fez Jairo, o chefe da sinagoga, que conseguiu que Jesus se dirigisse à sua casa. Ela não poderá nunca ter essa sorte.

Ninguém sabe que é uma mulher marcada por uma enfermidade secreta. Os mestres da lei lhe ensinaram a olhar-se a si mesma como uma mulher “impura” enquanto tiver perdas de sangue. Passou muitos anos procurando um curador, mas ninguém conseguiu curá-la. Onde poderá encontrar a saúde de que necessita para viver com dignidade?

Muitas pessoas vivem entre nós experiências parecidas. Humilhadas por feridas secretas que ninguém conhece, sem forças para confiar a alguém sua “enfermidade”, buscam ajuda, paz e consolo sem saber onde encontrá-los. Sentem-se culpadas, quando muitas vezes são apenas vítimas.

Pessoas boas que se sentem indignas de aproximar-se para receber Cristo na comunhão; cristãos piedosos que viveram sofrendo de maneira insana porque foram ensinados a ver como sujo, humilhante e pecaminoso tudo aquilo que se relaciona com o sexo; crentes que, no final de sua vida, não sabem como romper a cadeia de confissões e comunhões supostamente sacrílegas … Não poderão nunca conhecer a paz?

De acordo com o relato, a mulher enferma “ouve falar de Jesus” e intui que está diante de alguém que pode arrancar a “impureza” de seu corpo e de sua vida inteira. Jesus não fala de dignidade ou indignidade. Seus olhos olham com amor. Sua pessoa irradia força curadora. A mulher busca seu próprio caminho para encontrar-se com Jesus. Não se sente com forças para olhá-lo nos olhos: aproximar-se-á por trás.

Sente vergonha de falar-lhe de sua enfermidade: agirá silenciosamente. Não pode tocá-lo fisicamente: tocar-lhe-á apenas o manto. Não importa. Não importa nada. Para sentir-se limpa basta essa confiança grande
em Jesus.

Ele mesmo o diz. Esta mulher não precisa envergonhar-se diante de ninguém. O que ela fez não é mau. É um gesto de fé. Jesus tem seus caminhos para curar feridas secretas e dizer aos que o buscam: “Filha, filho, tua fé te curou. Vai em paz e com saúde”.

 


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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