Por Frei Almir Guimarães
“Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam sua vocação, e continuam caminhando, embora caiam muitas vezes ao longo do caminho” – Papa Francisco.
O Altíssimo nasceu e cresceu numa família. Quando nos referimos à família fechamos os olhos e tentamos evocar nossa própria família. Coisas simples que foram se realizando: a mãe e o pai, um homem e mulher que se encontraram e resolveram fazer história juntos, a casa, os quartos, o balanço no quintal, o pé de ameixas, a galinha com seus pintinhos, as hortênsias, o cheiro forte de café, a chegada do Papai Noel, a visita do tio e da tia, o enterro do vô com bigode ao jeito dos portugueses. Família com suas luzes e sombras. “O futuro da humanidade passa pela família (João Paulo II).
Antes de tudo sabemos que o casal não está feito no dia do casamento. Uma realidade em construção. Não é bom que o homem esteja só. Companheiros, de mãos dadas, desbravando a história, dias de sol e jornadas de densa cerração. Vontade jogar tudo para o ar. Olhar para frente, atentos aos ajustes, não jogando lixo para debaixo do tapete. Construção de uma conjugabilidade. Unidade na diversidade. Lentamente, belamente, persistentemente. O casal é uma obra de arte.
Ele com sua história, ela com sua trajetória. Ela e ele, oriundos um e outro de família marcada por carinho e delicadezas ou gerados de qualquer jeito, menino e menina marcados pelo negativo, pela violência, por abusos de todos os jeitos. Um formado pelo contato com a fé cristã, já tendo até mesmo feito experiências de profunda intimidade com Deus e o outro que nunca ouviu falar das coisas da fé, tendo levado uma vida toda atrapalhada e desajeitadamente faz o sinal da cruz, Agora juntos. Quanta garra será necessária!!! Conversas, sinceridade, amor profundo, dialogo, respeito pelas lentidões.
Esses dois são colaboradores da obra da criação. Os amantes se tornam pais. Criam uma célula de amor e de dedicação. Comunidade de vida e de amor. Vivendo no meio do mundo, trabalhando, vivendo a vida como ela é, sempre tendo como referência a casa, o casal, os filhos… sem viver um “familismo”, quer dizer um grupo fechado, a família convive com outras famílias e juntas elaboram estratégias para poderem educar os filhos, tirar deles o melhor que a vida ali depositou. Os pais se recusam a colocar coisas antigas e ultrapassadas em suas cabeças, mas querem que sejam homens e mulheres de pé, seres capazes de conviver com os outros, vacinados contra a indiferença para com os outros e a peste do individualismo e a filosofia do descarte.
Presença, testemunho, coragem para viver, ânimo para começar tudo de novo, capacidade da correção mútua, promoção de encontros com celulares desligados e em que olhos encontram outros olhos e não apenas a telinha do celular. Vivência de relacionamentos sem pressa, com a tática da lentidão. Relacionamentos gratuitos. “Vivemos num mundo em que tudo precisa ser caucionado por uma qualquer utilidade e isso nos desvia de um viver gratuito, disponível e autêntico. Só a inutilidade nos dá acesso à polifonia da vida, na sua variedade, nos seus contrastes, na sua realidade densa, na sua surpresa e na sua inteireza” (Tolentino).
Pai e mãe que vivam alegremente o discipulado cristão. Nada de pieguice. Força do Evangelho. Pessoas que vão escrevendo suas histórias a partir da história de Jesus. Nada de catequese nocional e seca, mas multiplicações de encontros com Jesus vivo: na oração à mesa, no aprendizado da partilha, na atenção a ser prestada aos mais abandonados, no testemunho discreto e sem alarde. Família que vive no mundo, mas que não é do mundo. Família alegre, espaço onde as pessoas se sentem à vontade. Não uma camisa de força, mas um espaço de encontros humanizadores. Comunidade de vida e de amor.
Família onde as pessoas se exercitam na arte da convivência, da solidariedade e da ajuda mútua. Uns se interessando pelos outros, de graça, sem interesses pequenos. Solidariedade em casa, com os avós doentes, com os filhos que escorregam nas ladeiras da vida, com os vizinhos que precisam de sopa quente.
Família cristã, fincada no sacramento do matrimônio, marido e mulher sinais do amor de Cristo pela Igreja onde se respira o espírito das bem-aventuranças, o gesto do lava-pés e o espírito do Hino da Caridade de Paulo aos Coríntios. Família tal que possa ser a melhor preparação para o casamento dos filhos. Um Igreja em casa, doméstica.
Texto para reflexão
Bebendo juntos o melhor vinho
A história de uma família está marcada por crises de todo o gênero, que são parte também de sua dramática beleza. É preciso ajudar a descobrir que uma crise superada não leva a uma relação menos intensa, mas a melhorar, sedimentar e maturar o vinho da união. Não se vive juntos para ser cada vez menos feliz, mas para aprender a ser feliz de maneira nova, a partir das possibilidades que abre uma nova etapa. Cada crise implica uma aprendizagem, que permite incrementar a intensidade da vida comum, ou pelo menos encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial. É preciso não se resignar de modo algum a uma curva descendente, a uma inevitável deterioração, a uma mediocridade que se tem de suportar. Pelo contrário, quando se assume o matrimônio como uma tarefa que implica também superar obstáculos, cada crise é sentida como uma ocasião a chegar beber, juntos, o vinho melhor (…). Cada crise esconde uma boa notícia, que é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração”.
Papa Francisco, A alegria do amor, n. 232
Prece de ação e graças
Senhor, pela chuva e pelo sol,
pelo sorriso das crianças,
pelos cabelos brancos dos idosos,
pelas mãos calejadas do agricultor,
nós te damos graças.
Pela fertilidade da terra,
pela generosidade das fontes,
pela serenidade das noites de luar,
nós te damos graças.
Pelos amigos que cruzaram nossos caminhos,
pelos dons que recebemos a cada instante,
pelos que enxugaram nossas lágrimas,
nós te damos graças.
Pelas dores experimentadas com serenidade,
]pelas cruzes abraçadas,
pelas preocupações vividas com esperança,
nós te damos graças.
Pelos médicos que se dobram sobre os enfermos,
pelos cautelosos e sábios cirurgiões,
pelos enfermeiros que velam a noite nos hospitais,
nós te damos graças.
Pelo tempo da vida e pelo ano que passou,
pelos amores e dissabores,
pela ofensa que nos foi perdoada,
nós te damos imensas e infinitas graças,
Senhor grande e belo, por Cristo. Amém.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.