Um dos ritos presentes em todas as religiões é o rito de partida, despedida, ou como costumamos dizer, o funeral de um ente querido. Em todo o sentido, o fato da morte de uma pessoa, está relacionado e presente na vida de cada Comunidade.
*Por Padre Guanair da Silva Santos
O processo de escuta sinodal proposto pelo Papa Francisco é um momento precioso para olharmos nossa prática pastoral. Permita partilhar com vocês esta breve reflexão sobre a importância e o valor da celebração da missa pelos fiéis defuntos. O que me leva e motiva tal reflexão, em todo o sentido, é a pandemia que atravessamos. A pandemia nos levou a aprofundar e pensar sobre o sentido e a brevidade de nossa vida e, de outra forma, o valor e importância dos ritos de passagem, na vida da humanidade. Esses ritos estão presente em todas as sociedades e religiões, onde cada qual, pode assim expressar seus valores e crenças. Um dos ritos presentes em todas as religiões é o rito de partida, despedida, ou como costumamos dizer, o funeral de um ente querido. Em todo o sentido, o fato da morte de uma pessoa, está relacionado e presente na vida de cada Comunidade. E esta realidade, possibilita aos vivos crer que todos de alguma forma, iremos alcançar uma vida melhor, deixar o sofrimento, libertar-se de tudo o que oprime e aprisiona a pessoa humana. Então, o funeral, esse rito de passagem, tem em si não somente um sentido de dar satisfação social, mas um profundo sentido religioso, um voltar-se para o transcendente, o mistério.
O lugar de onde escrevo é a partir de minha experiência pastoral. O sacerdote em sua missão especial (consagração), é confiada a “tarefa de manter intata e regular a relação com a divindade ou com as forças celestes, mediante culto sacrifical organizado e normalizado com regras fixas (ritos)” (BLANK, J.: 1993). Dai que, “os ritos e orações que a Igreja previu por ocasião da morte de um cristão não podem ser vistos como simples prova de sentimento humanitário. Mas se em todas as culturas os funerais tiveram um valor e um significado religioso, muito mais no cristianismo, para o qual todo o autenticamente humano é susceptível de adquirir sentido sagrado” ( LLOPIS, J: 1988).
Não é meu desejo aqui tratar ou descrever sobre escatologia, ou algo semelhante, mas, sim levar o leitor a perceber a importância e valor da celebração das exéquias eclesiásticas, na vivência de sua catolicidade. Por assim dizer, foi que o Concilio Vaticano II manifestou o desejo de que o “o rito das exéquias deve exprimir mais claramente o sentido pascal da morte cristã e responder melhor às circunstâncias de cada país” (SC,81). Entendemos que, o funeral está, em intima comunhão com o mistério pascal de Cristo, mistério pascal de Cristo, “o grande Kairós, o momento propício no qual Deus se aproxima do homem, chamando-o à salvação” (TABORDA, F.: 2019). Então, todo sacramento celebra o fato, importante, da vida do cristão e da comunidade em sua referência ao mistério pascal. Neste sentido, “os sacramentos estão ordenados para santificação dos homens, para a edificação do Corpo de Cristo e, em última análise, para prestar culto a Deus; mas, enquanto sinais, têm também um fim pedagógico. Não só supõem a fé, mas, ao mesmo tempo, alimentam-na, robustecem-na e exprimem-na por meio de palavras e coisas; por esta razão chamam-se sacramentos da fé” ( SILVA e SOUSA:2004). Assim sendo, o sacramento do batismo e eucaristia, pelo que significam, a vida nova em Cristo, confere nossa participação no mistério pascal, portanto “a centralidade dos dois sacramentos maiores é ainda corroborada por serem ambos constitutivos do ser cristão e edificadores da Igreja enquanto tal” (TABORDA, F.: 2019).
Perscrutando o Catecismo da Igreja Católica que também acentua esta centralidade dos dois sacramentos, compreendemos que: “foi na sua Páscoa que Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo. O Batismo, cujo sinal original e pleno é a imersão, significa eficazmente a descida ao túmulo, por parte do cristão que morre para o pecado com Cristo, com vista a uma vida nova. “Fomos sepultados com Ele, pelo Batismo, na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6, 4) (Catecismo 625). De certo o Catecismo da Igreja proclama que “as exéquias eclesiásticas são uma celebração litúrgica da Igreja. A Igreja honra nas exéquias o corpo do defunto por razões de fé: o corpo do cristão é templo do Espírito Santo (1Cor 6,19-20) e está chamado à ressurreição gloriosa” (POUILLY, A.: 1993).
Antes, porém, de seguirmos nossa reflexão, permita-me apresentar uma preciosa informação dada pelo professor e doutor em Liturgia Pe. Gregório Lutz ssp, de saudosa memória, onde diz: O costume de celebrar a Eucaristia durante o funeral ou em presença do defunto não é tão antigo como o da missa no 3º, 7º, 30º dias e no aniversário da morte. Não conhecemos nenhum documento anterior ao sétimo século que ateste a celebração da missa nas exéquias. Parece que este costume se iniciou no enterro de monges e religiosos. No VI século foi iniciado o costume de celebrar missas pelos defuntos independentemente dos dias mencionados. Da época de Gregório Magno, por volta de 600 d.C., sabemos que um sacerdote celebrava, durante vários dias seguidos, missas para um determinado defunto. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II aboliu as missas pelos defuntos no 3º, 7º e 30º dias. (LUTZ, G. 2003).
Segundo a legislação canônica (CIC 1177 §1;2;3) o lugar adequado dos funerais é a paróquia do defunto, também quando ele tiver falecido em outro lugar. Foi na comunidade paroquial que ele recebeu o sacramento do batismo e eucaristia e ali cresceu e desenvolveu sua vida cristã. Aqui, e sem querer forçar a barra, como alguns poderão pensar, cabe ao pároco a presidência das exéquias. Todo fiel, por si mesmo ou por sus representantes, pode escolher o lugar da celebração das exéquias. A escolha há de ser pessoal ou pelos representantes do defunto e expressa de modo que possa ser acreditada. Esta eleição deve ser livre, não de forma “coacionada”, segundo afirma Manuel Fernando Sousa e Silva, em Direito Sacramental I. Assim sendo, imaginamos que, todos os que participam com certa frequência da celebração de missas em nossas Comunidades e Paróquias estão conscientes de que o tema principal das leituras e orações das missas pelos mortos no novo missal é a Páscoa, a passagem desta vida para a outra, passagem esta que Jesus Cristo realizou como “primogênito dos mortos” (Cl 1,18). Neste caso o cristão não vive sozinho, o cristão não morre sozinho, mas o faz cercado pela comunidade de crentes, família, Igreja a qual, foi acolhido no dia de seu batismo. E assim, incorporados a Cristo pelo batismo, como nos ensina o Apostolo Paulo, nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos vida nova (Rm 6,2-4). Neste sentido, a missa exequial torna-se evidentemente um ato eclesial e requer de nossa parte, ministros ordenados por ser um direito dos fiéis e uma obrigação da Igreja. Todavia, “este direito radica na condição de comunhão do fiel, isto é, direito a participar na vida e auxílios do Povo de Deus, mormente dos seus tesouros da Palavra de Deus, dos Sacramentos e, neste caso, dos sufrágios da Igreja” (SILVA e SOUSA:2004).
O Deus de Jesus Cristo não faz acepção de pessoas. A celebração da missa, o mistério pascal, é simultaneamente “fonte e cume de toda atividade da Igreja” (SC 10). Tendo em conta as normas litúrgicas do Vaticano II, as leis canônicas, bem como a Nova Instrução Geral ao Missal Romano, aqui faço um destaque específico entre os números 379-385, encontramos as normas para Missa pelos fiéis defuntos que assim descreve: entre as missas dos fiéis defuntos ocupa o primeiro lugar a missa de exéquias, que pode ser celebrada todos os dias, exceto nas solenidades de preceito, na Quinta-feira da Semana Santa, no Tríduo Pascal e nos Domingos do Advento, da Quaresma e da Páscoa, observando, além disso, tudo o que é de direito (380). Além, disso, os pastores levem especialmente em conta aqueles que por ocasião das exéquias comparecem às celebrações litúrgicas e escutem o Evangelho, tanto os não-católicos como católicos que nunca ou raramente participam da Eucaristia, ou parecem ter perdido a fé, pois os sacerdotes são ministros do Evangelho de Cristo para todos (385).
Diante do exposto, surge para nós uma questão de cunho pastoral. Delicada em si. Que exige de cada ministro ordenado, principalmente neste tempo de pandemia vigente, uma atenção toda especial, que é a missa exequial, ou dos defuntos ou ainda de corpo presente. Fixando nosso olhar para a Cruz de Cristo, ele que nos amou em primeiro e consagrados a seu serviço, como temos dado atenção, a dor, ao sofrimento das famílias que nos pedem rezar a missa de corpo presente? Em nossa Igreja Particular, na nossa paróquia a missa exequial tem tido um lugar especial em nossa ação pastoral? Temos consciência de que as missas pelos defuntos como previsto pelo Magistério da Igreja é, um direito de todos os fiéis? E, não somente para alguns escolhidos e preferidos do sacerdote? Deixamos nossas atividades burocráticas/administrativas para ir ao encontro destas famílias, em luto? Fato marcante, foi o testemunho que o Papa Francisco nos deu, diante da morte do Cardeal Vicentino Agostino Cacciavillan, suas exéquias foram celebradas pelo cardeal decano Giovanni Battista Re e ao final da missa, o Papa Francisco presidiu o rito da Ultima Commendatio e Valedictio, deixando assim, de estar retirado em oração mais intima com Deus nos exercícios espirituais, onde unido a oração de toda a Igreja, reza pela família humana, paz no mundo, o conforto e consolação de Deus aos perseguidos, abandonados, migrantes e falecidos, para estar ali presente, o Pastor que conduz a ovelha a morada eterna (Sl 23 (22)).
Fonte: Vatican News
*Padre Guanair da Silva Santos é pároco da Paróquia São Vicente de Paulo/Coronel Pacheco, Mestre em Liturgia
Bibliografia consultada.
Catecismo da Igreja Católica.(vatican.va)
VaticanNews pt. (Vatican.va)
Taborda, Francisco. Sacramentos, práxis e festa. São Paulo, Paulus, 2019, 248p.
Gregório Lutz. Páscoa ontem e hoje, São Paulo: Paulus, 2003, p.101-116 Missa-pelos-mortos.pdf (dj.org.br).
Instrução Geral ao Missal Romano. Comentário de J. Aldazábal; (Trad: Antonio Francisco Lelo, São Paulo; Paulinas, 2007
Silva e Sousa, Manuel Fernando. Direito Sacramental I: Sacramentos da Iniciação Cristã e sacramentais. Lisboa, Universidade Católica Editora, 2004, 630p.
Pouilly, Alfredo. A celebração da morte do cristão. In. Manual de Liturgia IV – CELAM – A celebração do mistério pascal, Paulus, 2007, p. 209-217.
Blank, Josef. Verbete: padre/bispo. In: Dicionario de conceitos fundamentais de Teologia,São Paulo, Paulus, 1993 – Trad.: João Rezende Costa, p.601-625
Llopis, J. Exéquias. In: A Celebração na Igreja 2. Organizador Dionisio Borobio. São Paulo, Loyola, 1988, p.617-628