Por Frei Almir Guimarães
Não é difícil assinalar alguns traços da pessoa que leva em seu interior a paz de Cristo: ela sempre busca o bem de todos, não exclui ninguém, respeita as diferenças, não alimenta a agressão, fomenta o que une, nunca o que traz discórdia. (José Antonio Pagola)
♦ O evangelho deste domingo nos coloca diante de trecho do Discurso de Adeus de Jesus segundo a versão do quarto evangelista. Jesus parece sentir que o frio toma conta dos corações dos seus. Quer animá-los. Não deseja que sintam o frio da orfandade. Há um clima de confidência e de intimidade em toda a página proclamada.
♦ Antes de tudo há um tema fundamental, uma afirmação de beleza estonteante, quase incrível. Os que amam a Jesus se tornam templo do amor da Trindade, da própria Trindade.. O amor a Jesus é a base da casa do coração que é visitada e habitada por Deus. “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. Os que amam a Jesus se tornam, pois, habitação da Trindade.
♦ O que é amar a Jesus? Amar a Jesus é aproximar-se dele com toda confiança. É compreender que Deus se fez fragilidade para de nós se aproximar: o menino que se remexe nas palhas e o torturado do Gólgota. Amar a Jesus é aceitar com estupefação que Deus se tenha tornado tão frágil. É ter certeza de sua vida nova de ressuscitado. É acreditar que, misteriosamente, ele anda a nos rondar pedindo que a ele nos entreguemos sem reservas. Quer que sejamos nós mesmos mas com ele. Pede licença de viver em nós.
♦ Amar a Jesus é ler o Sermão do Montanha com a avidez de alguém que necessita viver e viver intensamente. É ler o Evangelho com um desejo de deixar que esse espírito tome conta de nós, transpareça em nosso olhar e module nossa voz. Amar a Jesus é ter traços dele na vida do casamento, na missão de padre, no jeito de viver o cotidiano. Os que amam a Jesus tem a certeza de que ele e o Pai farão morada da Trindade. Templos do Espírito!!! Casa de Deus.
♦ Com sua partida Jesus anuncia aos seus a vinda do Espírito. Essa força, fogo, luz ensinará todas as coisas. O Espírito será a memória viva de Jesus. “É grandioso o horizonte que Jesus oferece a seus discípulos. De Jesus nasceu um grande movimento espiritual de discípulos e discípulas que o seguirão seguidos pelo Espírito Santo. Eles se manterão em sua verdade, pois esse Espírito lhes ensinará tudo o que Jesus lhes comunicou pelos caminhos da Galileia. E os defenderá no futuro da perturbação e da covardia” (Pagola, João, p. 207). Medo, insegurança, cansaço, tédio, dúvidas… O Defensor ensinará tudo.
♦ “Deixo-vos a paz, a minha paz eu vos dou”. São muitos os conflitos que sacodem a sociedade. Há povos que matam povos. No interior das famílias há graves manifestações de violência. Rejeições e exclusões de toda sorte fazem com que as pessoas sofram, sintam-se tristes e fadadas a morrer antes da morte. Conflitos e desavenças são resolvidos pela violência, pela força e pela morte do adversário. A fé na violência precisa ser substituída pelo diálogo, pela busca de caminhos de realização para todos. “Deixo-vos a paz, eu vos dou a minha paz”.
♦ “Por que é tão difícil a paz? Por que voltamos sempre de novo ao enfrentamento e à agressão mútua? Há uma resposta primeira tão elementar e simples que ninguém leva a sério: só homens e mulheres, que possuem a paz, podem introduzi-la na sociedade” (Pagola, op. cit., p.206). Tudo começa no interior de cada. Há o pecado, a divisão. Os construtores da paz se reconciliam com sua história e acolhem o perdão do Senhor que belamente é também concedido pelo sacramento da reconciliação. A pessoa precisa respirar a paz. Ter um interior sem ressentimentos, intolerâncias, dogmatismos, mas com simpatia pelo outro, buscando entendimento, depondo as armas.
♦ “Não é difícil assinalar alguns traços da pessoa que leva em seu interior a paz de Cristo: ele sempre busca o bem de todos, não exclui ninguém, respeita as diferenças, não alimenta a agressão, fomenta o que une, nunca o que traz a discórdia” (Pagola, op.cit., p. 206).
Oração
Dá, Senhor, à nossa vida a sabedoria da paz.
Que o nosso coração não naufrague na lógica de tanta violência disseminada ao nosso redor.
Que os sentimentos de dor e de despeito não sufoquem a necessidade dos gestos de reconciliação,
a urgência de uma palavra amável que rompa as paredes do silêncio,
o reencontro dos olhares que se desviam.
Dá-nos a força de insinuar no inverno gelado em que, por vezes vivemos, o ramo verde, a inesperada flor,
a claridade que é esta irreprimível e pascal vontade de recomeçar.
José Tolentino Mendonça
Um Deus que dança
Paulinas, p.95
“A cultura da paz só se assenta numa sociedade quando as pessoas estão dispostas ao perdão sincero, renunciando à vingança e à revanche. O perdão liberta da violência do passado e gera novas energias para construir o futuro entre todos” (Pagola, op. cit., p.209)
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.