Espiritualidade Pascal: a força do Kerigma

Dom Antonio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar de Belém do Pará (PA)

 

Desejo continuar o processo de reflexão sobre as características da espiritualidade da Páscoa que começamos ano passado. Recordemos os temas já tratados: a Páscoa é geradora e promotora da vida nova; a Páscoa é fonte de alegria e otimismo; a Páscoa é a fonte da Esperança; a Páscoa é a fonte do dinamismo missionário; o conteúdo do anúncio missionário é o Kerigma, portanto, a espiritualidade da Páscoa é kerigmática. Esse é o tema com o qual damos prosseguimento a esta série de reflexões.

A palavra grega “kerigma” significa “proclamação” e “anúncio”. Vem do termo “Kerix” que significa mensageiro, aquele que “leva e traz notícias”. Aplicado ao cristianismo é aquele que leva e traz a mensagem de “Jesus Cristo” (que o anuncia). À diferença do mensageiro comum, aquele que anuncia a “Boa Notícia” cristã, se compromete com ela. Por isso, não somente a leva, mas a carrega consigo, é movido e animado por ela.

A ressurreição de Jesus é provocadora de uma verdadeira maratona missionária e os primeiros protagonistas desse anúncio são as mulheres, Pedro e João.

O Kerigma é uma síntese

Recordemos o que diz o Evangelho de João. “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus bem de madrugada, quando ainda estava escuro. Ela viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo que Jesus amava. E disse para eles: «Tiraram do túmulo o Senhor, e não sabemos onde o colocaram.» Então Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos. Mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao túmulo” (Jo 20,1-4). Após o encontro de Maria Madalena com o Ressuscitado, ele lhe confere a missão do anúncio e testemunho da sua Ressurreição aos discípulos (cf. Mt 28,10; Jo 20,18).

Com a reconstituição da comunidade dos apóstolos após a ressurreição de Jesus e consolidada no dia de Pentecostes, os discípulos começaram o anúncio da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ainda não havia escritos, o que se anunciava e era o básico sobre a pessoa de Jesus Cristo. A comunidade primitiva compôs uma síntese, o Kerigma, para ser anunciada por todos os lados. Muito mais do que dados fragmentados, tratava-se de um plano de formação para os novos discípulos que aos poucos era aprofundado, assimilado e dava firmeza para a comunidade primitiva porque era uma síntese que continha os elementos essenciais para quem aceitava se tornar discípulos de Jesus.

O Kerigma é uma profissão de fé da comunidade primitiva, que está alicerçada no testemunho de quem conheceu, conviveu e foi testemunha ocular do drama padecido por Jesus Cristo pela salvação da humanidade. Portanto, não é um anúncio frio de um fato ultrapassado. Somos hoje desafiados a dar vida para esse anúncio a partir da nossa experiência de fé em Jesus de Nazaré, já que não somos suas testemunhas oculares.

Kerigma e conversão

O Kerigma não é um resumo da biografia de Jesus, nem mesmo é uma mensagem genérica sobre Ele. Trata-se de uma formulação que integra alguns aspectos essenciais da vida de Jesus e, ao mesmo tempo, uma vez assimilados, tornava-se uma mensagem.

O conteúdo do Kerigma coloca em evidência a divindade de Jesus Cristo (Deus encarnado), sua santidade baseada a promoção do bem, a rejeição por ele sofrida, sua morte violenta (foi crucificado), seu sepultamento, sua ressurreição. E os apóstolos confirmavam tudo dizendo: “e disso somos testemunhas” (At 3, 15).

O anúncio em geral era proferido com grande entusiasmo que tocava profundamente o coração dos ouvintes e gerava questionamento pessoal, conversão, pediam o batismo e os convertidos passavam a fazer parte da comunidade dos discípulos de Jesus.

Merece destaque o discurso de Pedro no dia de Pentecostes. A apresentação da história de Jesus de Nazaré, de forma meditada e forte, estimulou os ouvintes a uma tomada de decisão. Muitos do povo após ouvirem a pregação ficaram de coração aflito e perguntaram a Pedro e aos outros discípulos o que deviam fazer. Pedro lhes respondeu dizendo que deviam se arrepender e serem batizados em nome de Jesus Cristo para obterem o perdão dos pecados (cf. At 2,37-41). Essa narração confirma o que diz São Paulo que a fé depende, da pregação, e a pregação é o anúncio da palavra de Cristo (cf. Rm 10,17; 1Cor 15,14).

Alguns textos Kerigmáticos

1Cor 15,3-8: “Por primeiro, eu lhes transmiti aquilo que eu mesmo recebi, isto é: Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; ele foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez; a maioria deles ainda vive, e alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago e, em seguida, a todos os apóstolos”.

At 2,22-25: “Homens de Israel, escutem estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem que Deus confirmou entre vocês, realizando por meio dele os milagres, prodígios e sinais que vocês bem conhecem. E Deus, com sua vontade e presciência, permitiu que Jesus lhes fosse entregue, e vocês, através de ímpios, o mataram, pregando-o numa cruz. Deus, porém, ressuscitou Jesus, libertando-o das cadeias da morte, porque não era possível que ela o dominasse”.

At 3,15: “O Deus de nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus. Vocês o entregaram e o rejeitaram diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vocês, porém, renegaram o Santo e o Justo, e pediram clemência para um assassino. Vocês mataram o Autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. E disso nós somos testemunhas”.

At 4,10-12: “É pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré, aquele que vocês crucificaram e que Deus ressuscitou dos mortos, é pelo seu nome, e por nenhum outro, que este homem está curado diante de vocês. Jesus é a pedra que vocês, construtores, rejeitaram, que se tornou a pedra angular. Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos.»

At 5,30-32: “O Deus de nossos antepassados ressuscitou a Jesus, que vocês mataram, suspendendo-o numa cruz. Mas Deus com a sua direita o exaltou, tornando-o Chefe supremo e Salvador, para dar ao povo a oportunidade de se arrepender e receber o perdão dos pecados. E nós somos testemunhas dessas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem.»

O Kerigma nos apresenta a interdependência e inseparabilidade dos principais mistérios da nossa fé: o mistério da encarnação, vida, sofrimento, morte e Ressurreição de Jesus Cristo. O Kerigma nos fala da importância de nos exercitarmos na capacidade de síntese em relação aos mistérios da nossa fé, sem fragmentá-los para que o seu anúncio seja consistente e não caiamos em nenhuma forma de reducionismo e nem de seletividade no anúncio.

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

Qual é o conteúdo do Kerigma?

Qual é a importância do Kerigma hoje?

Qual dos textos bíblicos nos apresenta a mais síntese densa sobre Jesus Cristo?

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