Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Cada processo educativo vincula-se a uma escola, com configurações e dinâmicas pedagógicas específicas, adequadas ao atendimento de diferentes propósitos. Quando se considera a urgência de se construir uma sociedade mais participativa e solidária, reconhece-se a necessidade de uma escola específica, sublinhada pela Igreja Católica neste horizonte quaresmal: todos devem se matricular na escola da amizade social, para desenvolver competências que ultrapassem aquelas alcançadas por uma formação técnica ou por disciplinas dos mais diferentes campos científicos. A Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, reúne indicações preciosas para a escola da amizade social, nominando, inclusive, a sua disciplina central: “Coração aberto ao mundo inteiro”. É um desafio avançar no aprendizado dessa especial disciplina, considerando tantas relações estreitadas por preconceitos, discriminações, por mesquinhez na consideração do semelhante – sobretudo daqueles que se diferem pelos modos de pensar e agir.
Cultivar “um coração aberto ao mundo inteiro” é ciência e, também, progredir na vivência da espiritualidade. O ponto de partida é o princípio inegociável e pétreo de que todos são irmãos e irmãs. Esse princípio não comporta abstrações, exigindo o seu respeito diário, em gestos e palavras. Não é fácil agir a partir da consideração de que todos são irmãos e irmãs, quando rancores, ressentimentos, inveja e ânsia por disputas são hospedados no coração. Essas emoções banem almejadas grandezas da alma, que deveria ser solidária e promotora de reconciliação. Ao invés de indiferença, cada cidadão precisa se sensibilizar diante da realidade de seu semelhante, exercendo a solidariedade a partir do sentido efetivo da corresponsabilidade. Isto significa partilhar os sofrimentos e as penúrias que ameaçam a vida do próximo, especialmente daqueles que integram o mapa da fome, as vítimas de guerras ou de migrações forçadas. A fraternidade universal é uma cartilha com princípios e compromissos essenciais para a edificação de sociedades capazes de avançar na promoção do desenvolvimento integral e onde se pode viver com dignidade.
A inquietação diante da dor de cada irmão e irmã precisa ocupar lugar central no núcleo da consciência de todos, para que não se alastre, ainda mais, a globalização da indiferença. A indiferença aprisiona o ser humano na inércia, tornando medíocre a intuição para soluções de problemas e desafios existenciais. Para superá-la, é preciso atenção ao respeito de direitos inerentes à dignidade humana, que incluem a observância das condições básicas para que cada pessoa possa se realizar nas perspectivas vocacional e profissional. Deve-se considerar as urgências básicas da grande maioria da população, com apurada sensibilidade social, para alimentar posturas cidadãs capazes de amadurecer posicionamentos políticos, tornando-os impulsionadores de políticas públicas capazes de gerar inclusão social. Sem avanços no exercício da solidariedade, a civilização contemporânea estará permanentemente ameaçada com riscos de apartheids, convulsões sociais e o crescimento das diferentes formas de violência.
O acolhimento do próximo significa investir na cultura do cuidado, uma lição fundamental que precisa ser aprendida cada vez mais. A cultura do cuidado é simples, mas, ao mesmo tempo, tem uma força redentora, a partir do exercício da solidariedade. Há muitas formas de se exercer a cultura do cuidado. Uma delas é a capacidade de acolher o semelhante, na sua singularidade, oferecendo-lhe a possibilidade de desenvolvimento. O caminho para acolher quem é diferente exige avanços no exercício do diálogo, buscando conhecer a alteridade, descobrir suas riquezas e compreender suas perspectivas, valorizando o que cada um tem de melhor. O Papa Francisco orienta buscar ser sempre paciente e confiante no exercício do diálogo, para que as pessoas, famílias e comunidades possam transmitir os valores da própria cultura, enquanto se acolhe o bem das experiências alheias. Assim, pode-se vivenciar um profundo intercâmbio que beneficia grandemente países, sociedades, famílias e pessoas.
O Papa Francisco indica também a necessidade de um ordenamento jurídico, político e econômico para incrementar o desenvolvimento solidário de todos os povos. O fermento desse ordenamento é a gratuidade – capacidade de fazer o bem, sem almejar receber algo em troca. O Papa afirma, categoricamente, que quem não vive a gratuidade fraterna transforma a própria existência em um comércio cheio de ansiedades, por buscar sempre medir o que oferece e o que recebe em troca. Ao invés de sempre almejar uma conquista, deve-se considerar que cada pessoa é um tesouro. Prescindir dessa consideração é anular toda possibilidade de um diálogo capaz de reparar feridas e de resgatar convivências. Na verdade, só o cultivo do amor permite avanços nos diálogos redentores. Um amor que está alicerçado para além de afinidades.
Compreende-se que a amizade social e a fraternidade universal são duas alavancas essenciais e inseparáveis na reconstrução da sociedade contemporânea. É importante valorizar e respeitar cada ser humano, cultivando o amor libertador e construtivo. Conta muito cultivar intercâmbios sadios, remédios para feridas existenciais, capazes de promover reconciliação fraterna. Importa debelar mágoas pelo desenvolvimento da capacidade de perdoar. O horizonte cristão reza que o perdão de Deus-Pai está condicionado ao perdão oferecido aos irmãos e irmãs. E se exerce o perdão quando há respeito pelo semelhante, considerando a dignidade que cada pessoa partilha. Urgente é matricular-se, permanentemente, na escola que estimula o desenvolvimento das competências humanísticas, investindo na amizade social, alavanca para a fraternidade universal. Trata-se de investimento para alcançar um mundo melhor. Todos engajados nesta escola de competências essenciais, uma semeadura pela esperada colheita do bem e da justiça.
Fonte: CNBB Leste2