Entrar pela porta da fé

Imagem: foto de Jan Tinneberg em Unsplash

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte/MG e presidente da CNBB

 

Entrar pela porta da fé é uma indicação preciosa, particularmente para os cristãos, pois, no Brasil, são urgentes os funcionamentos e as soluções coerentes com os ensinamentos de Jesus Cristo. Aqueles que seguem Jesus são desafiados a não agir na contramão do Evangelho do Mestre. Os cristãos sabem, pois assim ensina a sua mística bimilenar, não existir aqui uma cidade permanente, definitiva. Essa transitoriedade não desobriga os cristãos de uma tarefa inegociável: fecundar o caminho com o sabor do Evangelho de Jesus Cristo. Mas o que se verifica é justamente o abandono de horizontes indicados pelo Evangelho, carta magna dos cristãos. O desafio é recuperar as raízes e as experiências que se alicerçam na fé para corrigir descompassos e fazer vigorar o bem comum, com a efetiva e urgente superação das muitas violências. Sublinhe-se que o contexto político, particularmente o campo político-partidário, está deturpando o sentido da vida cristã, selecionando alguns valores a serem defendidos, enquanto desconsidera muitos outros princípios do Evangelho igualmente importantes.

A cidadania emoldurada pela vida cristã deve ser promotora de entendimentos, costurando diferenças, compreendendo-as como riquezas, para superar todo tipo de intolerância. Os cristãos sabem, por sua fé marcada pelo martírio, humanamente avaliado como fracasso, que sua vitória percorre outros caminhos. Seus ganhos não são meramente políticos. Vão além de limites humanos, para superar ódios, promover reconciliações e encontrar efetivos caminhos para a paz – dom de Deus. Mas constata-se o preocupante recrudescimento da intolerância religiosa, não raramente camuflada de intolerância política. Urgente é a lucidez para compreender que não serão alcançados avanços na sociedade brasileira por meio de imposições, rupturas de princípios ou confusões ideológicas que inviabilizem o diálogo, tornando impraticável a convivência humana.

A força cristã, em articulação com outros segmentos da sociedade, precisa ser efetiva contribuição que leve a mudanças necessárias, com celeridade. Para contribuir com essas mudanças, o entendimento político do cidadão cristão deve ser refinado pelos fundamentos da fé em Jesus, sem distorcê-los para justificar o injustificável. A fé autêntica e fecunda traz como exigência a defesa da vida em todas as suas etapas – da concepção até a morte natural. E a “porta” da fé é a “entrada” dos cristãos. Ela é mais importante que o caminho de partidos políticos, de suas opções e ideologias. Mais importante também que as afinidades e empatias pessoais. Da fé cristã, não se pode perder as suas propriedades de universalidade, fraternidade e respeito. Dizer-se cristão, ignorando a porta da fé, sua única entrada na consideração do conjunto da vida, é correr o risco de ações abomináveis.

A porta da fé está aberta na medida em que o cristão se deixa plasmar pela força da Palavra de Deus, em uma escuta amorosa e fiel de Jesus, jamais, e por nenhuma razão, substituindo-o por outras pessoas e por outras razões. Os cristãos, ao ingressarem nas diferentes dinâmicas sociais, o fazem pela porta da fé: um caminho cujas razões vêm do amor a Deus – desdobrado, ainda que em situações de embate, no amor ao próximo. A atitude de entrar pela porta da fé inclui o respeito a direitos e à justiça, sem polarizações, sem a adoção de mecanismos irracionais, desdobrados em hostilizações e desrespeitos. Os cidadãos cristãos são convocados, neste momento, a descobrir o caminho da fé para que a pessoa de Jesus Cristo, efetivamente, projete uma luz amorosa nas mentes, configurando cidadanias qualificadas e civilizadas.

É um risco quando os cristãos se preocupam mais com as consequências sociais, políticas, econômicas e culturais da fé do que com a própria fé. Perde-se o fôlego, aumentam os preconceitos e as disputas, pois falta a luminosidade da fé, substituída por outras opções e configurações. Consequentemente, o cidadão pode se tornar muito político e pouco cristão, buscando envolver-se apenas em disputas ideológicas. Compreende-se a razão de o tecido social e político estar tão corroído, sem receber as ricas contribuições que a fé cristã pode oferecer, de modo único e qualificado, para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. A fé cristã, pelo testemunho lúcido e profético dos cristãos, está desafiada a contribuir mais efetivamente por um mundo melhor, a partir de seus princípios, incidindo sobre o entendimento político cidadão. Há o risco de se ser sal insípido e inodoro, uma luz que não ilumina. É hora, urgente, de cristãos atravessarem a porta da fé para qualificar a sua cidadania e, com amor, contribuir sempre mais com a sociedade.

Fonte: CNBB Leste 2

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