Entender que a Igreja é Povo de Deus

Viagem Apostólica do Papa Francisco a Moçambique, Madagascar e Mauricio - Visita ao Santuário de Padre Laval (Vatican Media)

“É urgente observar a Igreja como uma grande família, que escuta seus membros, admoesta caso seja necessário, mas acolhe a todos, sem distinção, principalmente neste período litúrgico tão rico que vivemos e experimentamos na festa de Pentecostes que marca o nascimento da Igreja em toda sua diversidade de dons e carismas.”

 

Por Robson Ribeiro de Oliveira Castro – Teólogo

“Francisco nos surpreende; primeiro ao convocar um Sínodo dos bispos tendo como tema a própria Sinodalidade da Igreja, – lembrando que Sinodalidade significa o empenho para um caminhar juntos – e agora, resolve que o Sínodo não pode ser iniciado sem dar voz a toda a Igreja.”

A Igreja viva, aquela que celebra, que revela sua presença na sociedade, é um ambiente de diversidade e de grande desenvolvimento humano, espiritual e social. O capítulo II da Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta a Igreja como “Povo de Deus” e reafirma a comum dignidade dos batizados. Busca ultrapassar o modelo piramidal, sustentado pela estrutura do poder e da hierarquia.

Lumen Gentium n. 13 nos apresenta a extensão desse povo: “Ao novo Povo de Deus todos os homens [e mulheres] são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou uma só natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus filhos que estavam dispersos (cfr. Jo. 11,52). Foi para isto que Deus enviou o Seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas (cfr. Hebr. 1,2), para ser mestre, rei e sacerdote universal, cabeça do novo e universal Povo dos filhos de Deus”.

É preciso escutar a toda a Igreja

Em nossos dias, chama-nos a atenção a atitude tomada a poucos dias pelo Papa Francisco. Mais uma vez ele nos surpreende; primeiro ao convocar um Sínodo dos bispos tendo como tema a própria Sinodalidade da Igreja, – lembrando que Sinodalidade significa o empenho para um caminhar juntos –  e agora, resolve que o Sínodo não pode ser iniciado sem dar voz a toda a Igreja.

Ele, inesperadamente, convoca a participação de todos os homens e mulheres de boa vontade para que juntos possamos mostrar a face de uma Igreja que é viva e celebra em comunidade. Uma consulta ampla, a partir de baixo. Por isso, Francisco adia a celebração do Sínodo em um ano, dando oportunidade aos leigos e leigos de manifestarem a sua voz. O Sínodo dos bispos estava programado para o mês de outubro de 2022, mas será celebrado a partir de outubro de 2023.

Essa audaciosa decisão não freia o trabalho do Sínodo, antes, apresenta uma face reformadora cada vez mais visível, promovida por Francisco em seu pontificado, marcado por experiências de diálogo e constante escuta de todo do povo. O Papa deseja, de forma audaciosa, que a Igreja não se limite apenas ao funcionamento da Cúria Romana e à voz dos bispos do mundo todo, quer ouvir a todos, de modo especial aos leigos e leigas, assim como fez na Assembleia Ordinária e Extraordinária para a confecção da Exortação apostólica Amoris Laetitia sobre o amor na família em 2016.

Francisco revoluciona o Sínodo dos bispos

O jornalista Carlo Di Cicco escreve no seu artigo “Papa Francisco de forma inesperada revoluciona o sínodo dos bispos”, traduzido aos 24 de maio de 2021, para o Instituto Humanitas Unisinos (IHU-UNISINOS): “O equilíbrio entre o primado do Papa e a colegialidade episcopal, que foi um dos temas mais delicados do Concílio Vaticano II, se aperfeiçoa associando finalmente todo o povo de Deus às decisões relativas à missão da Igreja no mundo”.

Francisco reconhece que é necessário dar ouvido a todos os membros da Igreja e que é necessário observar a função do poder dentro da instituição e sua real condição de escuta frente aos desafios da realidade do povo. Na afirmação de Di Cicco: “Francisco considerou que é chegado o momento de envolver amplamente os leigos. Roma não será mais o cão de guarda de tradições muitas vezes superadas e sem mais sentido, mas um guia fraterno para escolher juntos os caminhos a serem percorridos nas questões mais sentidas na vida das pessoas.”

Por isso, é urgente observar a Igreja como uma grande família, que escuta seus membros, admoesta caso seja necessário, mas acolhe a todos, sem distinção, principalmente neste período litúrgico tão rico que vivemos e experimentamos na festa de Pentecostes que marca o nascimento da Igreja em toda sua diversidade de dons e carismas.

É mister observar que Francisco se preocupa com o povo e a ele volta seu olhar, desde a escolha de seu nome como Pontífice, revela sua preocupação com os pobres, principalmente os excluídos em todas as realidades da sociedade. Desta maneira, o tema do povo de Deus se tornou central para Francisco, ele deseja um protagonismo de toda a Igreja, sem se restringir à hierarquia, e sim reforçando a dignidade de cada um. Contudo, encontra ainda algumas barreiras e dificuldades que, aos poucos, vão sendo transpostas no desejo transformar as consciências e as estruturas.

Acolher a voz do Espírito

É preciso ouvir com calma e discernimento os “sinais dos tempos”, pois a Igreja Corpo Místico de Cristo se faz presente em todos os ambientes. Mas, em tempos pandêmicos, é nas casas, na realidade de cada um/a, que observamos a sua forma primeira, família unida em oração, como verdadeira igreja doméstica, como nos afirma a teóloga Maria Clara Bingemer: “Esse espaço onde a família se reúne, cozinha, lava e passa, come e bebe, conversa, briga, chora, pede perdão, se arrepende, ri, ouve música, vê televisão, esse é o espaço da celebração da fé, da memória subversiva e perigosa de Jesus de Nazaré”.

Ressoando essa realidade, é importante acolher a voz do Espírito e entender a missão de homens e mulheres que lutam, todos os dias, para levar o pão para casa e ainda celebram e rezam juntos, sem medo, com a certeza de pertencer ao corpo místico de Cristo. Por isso, Francisco tem dado passos na direção de ampliar a participação de todos no próximo Sínodo. E, como diz o escritor e jornalista Carlo Di Cicco: “Já não há mais um andar baixo e um alto na Igreja, mas um único andar onde todos ouvem a todos e – a exemplo de Jesus – cada um pensa no outro antes que a si mesmo. Os fiéis não são mais considerados massa passiva de manobra, mas corresponsáveis pela missão”. Esse é o espírito, esta é a realidade, viver em uma Igreja que escuta seus membros, assim como Francisco pretende: ouvir as diversas realidades, dando condição a todos e todas é que a Igreja se faz Povo de Deus.

Fonte: Vatican News

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