Enfim: diáconos!

“O sacramento da Ordem também confere caráter espiritual indelével e não pode ser reiterado nem conferido temporariamente (CIC 1582). O caráter impresso pela ordenação permanece para sempre. A vocação e a missão recebidas no dia de sua ordenação marcam a pessoa de modo permanente” (CIC 1583).

Na vivência e rotina diárias, pouco, ou quase nunca, pensamos nesta palavra: “indelével”. Com a supervalorização da transitoriedade de tudo, hoje isso e amanhã aquilo, realmente “indelével” poderia ser retirada do dicionário particular de muitos – inclusive de muitos cristãos batizados e confirmados (sacramentos que também conferem um caráter indelével).

Mas por que estamos falando sobre isso quando o assunto é a ordenação de Márcio e Gustavo?

Ao assumirem o primeiro grau da ordem, Márcio e Gustavo sabiam que pairaria para sempre sobre eles o significado desta “marca” e todas as responsabilidades dela advindas.

Para nós, fiéis leigos, que temos por hábito olhar os ordenados com certo deslumbramento, respeito e… muita cobrança, vale uma reflexão. Não é incomum colocar sobre eles o peso de nossos “achismos” e daquilo que cremos ser o certo e o errado. São tão humanos e, possivelmente pecadores, quanto cada um de nós. O sacramento da ordem não lhes imprime a pureza, a perfeição e divindade do único Sumo Sacerdote, Nosso Senhor Jesus Cristo. A santidade deve ser uma meta – buscada ao longo do exercício do ministério sacerdotal e não apenas por eles, mas por todos os batizados.

Não lhes lancemos aos ombros os fardos de nossas próprias falhas. Com sensatez e sabedoria, saibamos compreender a beleza e a grandeza dessa escolha e entrega ao Pai.

A ordenação

“De um modo diferente, celebramos essa grande alegria” – com essas palavras Dom Marco Aurélio Gubiotti, bispo da Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano, deu o tom do que seria a ordenação de Márcio Rodrigo Mota e Gustavo da Silva Alves.

Santuário São Geraldo – Ordenação Diaconal de Márcio e Gustavo

Em tempos de normalidade, o Santuário São Geraldo Majela estaria lotado. Mas umas poucas cadeiras ocupavam espaço dentro da grandiosidade desse templo. Os tantos padres, amigos, parentes, convidados e fiéis que poderiam estar ali, celebrando este momento, só puderam acompanhar por meio da transmissão ao vivo. O que, de certa maneira, em nada tirou o “brilho” e a espiritualidade que marcaram a cerimônia de ordenação.

Para quem desconhece os ritos da nossa Igreja, muita coisa pode parecer “pomposa” – mas é, na verdade, de uma beleza ímpar. A começar pela procissão de entrada… o próprio povo de Deus que caminha para celebrar. De um lado do seminarista, o pai; do outro, a mãe segurando as vestes do futuro diácono. Ao incenso cabe sempre um comentário à parte… nossas orações se elevando “cuidadosamente perfumadas” ao Pai.

“Aquele que me serve, diz o Senhor, deve seguir-me. E onde eu estiver, estará o meu servidor” – a antífona de entrada reflete a missão do diácono: colocar-se a serviço. Ou, mais precisamente, colocar a serviço do Senhor, através da Igreja, os seus dons.

Após a proclamação do Evangelho (Mt 20,20-28), inicia-se a liturgia sacramental, com a apresentação dos candidatos (seminaristas) e a firme indagação de Dom Marco Aurélio: “Podes dizer-me se eles são dignos deste ministério?”.

A pergunta nos remete à passagem: “Procurai, antes, entre vós, (…) homens de boa reputação, repletos do Espírito e de sabedoria…” (At 6,3)

Ao que se segue a resposta sobre os seminaristas: “Tendo interrogado o povo de Deus e ouvido os responsáveis, dou testemunho de que foram considerados dignos.”

Dom Marco Aurélio Gubiotti durante a homilia

Homilia

É sempre bom observar como a expressão de Dom Marco Aurélio Gubiotti, normalmente séria e compenetrada, se suaviza ao fazer as homilias para o povo de Deus e, neste caso em especial, aos seminaristas Márcio e Gustavo. Um olhar, sem dúvida, de pai – ao se dirigir aos filhinhos que terão os nomes gravados na lista de seu pastoreio.

Que belíssima homilia – quão sábias palavras, inundadas pela sensatez e compromisso de alguém que ocupa o grau mais alto da ordem e, por isso mesmo, tem atestado, pela Santa Igreja, a plenitude deste sacramento.

Foram muitas palavras, mas destaco aqui três momentos de relevante aprendizado e que muito se alinha ao pontual discurso do Papa Francisco, demonstrando a fidelidade e obediência da nossa Diocese, sob a liderança de seu bispo, ao Pontífice.

1. Não sem ternura, Dom Marco ressaltou que a rivalidade, a inveja, a fofoca e tantos outros sentimentos tão humanos também estão na Igreja e no clero. No entanto, afirma: “essa realidade clama por conversão pessoal e pastoral”. Acho que ficou claro para os seminaristas: percorram o caminho contrário a esta mundanidade.

2. Tal como Jesus ensinou no Evangelho do dia, disse Dom Marco: “a lógica pela disputa, pelo poder e glória, seja convertida no serviço”. Frise-se: serviço é a missão primeira dos diáconos.

3. “Não somos donos do trabalho, do rebanho, da missão… somos administradores!” – Talvez caiba aqui a “lembrança” de como o próprio Cristo conduziu a administração dos “bens” que o Pai lhe confiou: sempre com responsabilidade, com ternura, compaixão, amor, desprendimento, acolhimento, firmeza, sinceridade, verdade – e sempre com o olhar voltado aos esquecidos, marginalizados, enfermos, pobres.

Ordenados

A ordenação consiste de uma série de momentos, entre eles, o do propósito dos eleitos. Várias são as perguntas que o bispo dirige aos candidatos. Entre elas:

* Quereis, pois, ser consagrados ao serviço da Igreja, mediante a imposição de minas mãos e a graça do Espírito Santo?

* Quereis desempenhar, com humildade e amor, o ministério dos Diáconos, como colaboradores da Ordem sacerdotal, para o bem do povo cristão?

* Vós, que estais prontos para abraçar o celibato, em sinal de vossos corações consagrados ao Cristo Senhor, quereis guardar para sempre o celibato por amor do Reino dos céus, a serviço de Deus e da humanidade?

* Quereis imitar sempre, na vossa vida, o exemplo de Cristo, de cujo Corpo e Sangue estareis a serviço?

Interessante ressaltar que já na ordenação diaconal (transitória), os candidatos assumem o compromisso pelo celibato sacerdotal, mesmo antes da ordenação presbiteral.

Após o propósito, os seminaristas Márcio e Gustavo prestaram o juramento de obediência, a partir do qual, sabemos, caminha a Santa Igreja Católica e mantem-se a Tradição.

Um dos instantes mais emocionantes, para muitos, é quando os candidatos se prostram enquanto é cantada a Ladainha. Segue-se a imposição das mãos do bispo sobre os que serão ordenados e a prece de ordenação:

“(…) Enviai sobre eles, Senhor, nós vos pedimos, o Espírito Santo que os fortaleça com os sete dons da vossa graça, a fim de exercerem com fidelidade o seu ministério. (…) Brilhem em sua conduta os vossos mandamentos, para que o exemplo de sua vida desperte a imitação do vosso povo e, guiando-se por uma consciência reta, permaneçam firmes e estáveis no Cristo. Assim, imitando na terra o vosso Filho, que não veio para ser servido, mas para servir, possam reinar com Ele no céu.”

Após a ordenação, os novos diáconos são revestidos das vestes diaconais, com as quais recebem o livro dos Evangelhos sendo constituídos mensageiros da Palavra de Deus.

Márcio Mota já ordenado diácono – servindo no altar do Senhor
O novo diácono – Márcio Mota

Particularmente, apesar de ser inundada pela celebração de cada Santa Missa, as missas de ordenação têm um momento singular, vivo e nítido na face dos ordenados: a alegria estampada.

Pela proximidade proporcionada pelo estágio pastoral realizado na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, quero falar dessa felicidade transbordante presenciada no Márcio.

Foi como se aquele menino, descrito na reportagem que trata da trajetória dos seminaristas, tivesse ganhado asas e já ali, diante do altar, auxiliando Dom Marco Aurélio, tivesse voado com elas pela primeira vez.

Tive a sensação de que ele se controlava para não sair cantando, dançando e pulando. Esta impressão me fez fechar os olhos e ver Jesus sorrindo, ao mesmo tempo em que me lembrava de uma das frases do Papa Francisco em que ele diz que todo cristão é alegre. Verdade: não se pode amar Cristo e estar de cara amarrada o tempo todo ou todo dia. Não existe alegria maior senão Ele, senão Nele.

Nunca vi o rosto do Márcio tão suave, sobretudo porque ele é sempre uma explosão de gestos, sorrisos, gargalhadas, palavras e caminhares (ele não para quieto). Uma suavidade feliz, como quando encontramos um tesouro que estava guardado apenas para nós.

Mais do que a conclusão de uma parte da caminhada, iniciada há mais de 9 anos, a ordenação é o coroamento de uma escolha pessoal e, neste caso, “indelével”. Uma escolha que é a cara do Márcio: servir.

É bom que se entenda que servir não é escravidão, não é necessariamente submissão. É, principalmente, a livre escolha de se colocar favorável ao auxílio e ajuda às mais diferentes necessidades do próximo – seja esse próximo a Igreja, o padre, o bispo, ou o povo de Deus. Márcio gosta disso. E sabe fazê-lo muito bem, ainda que, vez ou outra, tente argumentar sobre o propósito ou feitio de algumas coisas/situações com as quais não concorda.

A obediência passa por aí: no final das contas vale a voz da autoridade! (E o silêncio providencial da sabedoria.)

No final do dia, não bastassem as emoções da ordenação, os fiéis da Paróquia da Saúde ainda puderam “participar” (através da transmissão ao vivo) da primeira Santa Missa do Márcio como diácono – uma espécie de hora-extra para as alegrias. A Missa foi celebrada na Comunidade Nossa Senhora da Conceição.

(E eu, que não gosto de perder os detalhes (ai, ai, ai), e nem a oportunidade…, não vou deixar de falar que, tão acostumado a ser seminarista, Márcio esqueceu de uma das primeiras coisas que, tal como os padres, os diáconos fazem no início da Santa Missa… que é beijar o altar. Salvo pelo pároco, Padre Paulo!).

Cá, dos meus quase cinquenta anos, pela proximidade e amor que sinto por esse “minino”, vou tomar a liberdade de dizer: seja leve, seja inteiro, seja inteiramente de Deus – todas as outras coisas vos serão acrescentadas.

(E, no mais, sigo me preparando para o dia de “pedir a bênção” ao futuro padre. Então, pela graça de Deus, até lá! )

Liliene Dante

Fotos da Ordenação – em 25 de julho de 2020

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