‘Encarinhar’ não é doutrinação

Às vezes é preciso adotar palavras novas para definir e estabelecer com mais propriedade um novo jeito de caminhar. Talvez, até mesmo, para suavizar o que durante tantos séculos pareceu pesado, tenso, doutrinário.

‘Encarinhar’ define bem a proposta de uma evangelização que pretende assemelhar-se ao processo de “evangelizar” do próprio Cristo. Você sabe: Daquele que, para além das palavras, abraçava, tocava, se compadecia, se alegrava e se entristecia em toda a sua divina humanidade. É impossível não imaginar Jesus até gargalhando e chorando, entre os seus, naqueles momentos de perfeita harmonia e intimidade. Jesus tinha/tem esse traço marcante, registro perfeito do Pai sobre Ele. Jesus não apenas sabia das coisas, Ele as tomava para si como parte da responsabilidade de estabelecer o projeto de Deus.

Recai sobre a Igreja o papel de anunciar a Boa Nova e, consequentemente, sobre todo o corpo desta igreja. Ide e Evangelizei é um dos grandes desafios porque nos coloca (sacerdotes e leigos) diante da responsabilidade de não apenas fazer o anúncio mas, e sobretudo, de procurar fazê-lo à semelhança de Jesus. É aí que o encarinhar se encaixa tão bem.

A palavra foi apresentada em um contexto mais do que propício: durante a formação para introdutores da Iniciação à Vida Cristã de Adultos (IVCA) que aconteceu no fim de semana, dias 23 e 24 de fevereiro. O encontro reuniu, em Ipatinga, no salão do Santuário de São Judas Tadeu, cerca de 190 pessoas das três regiões pastorais da Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano.

Dinâmica da Formação

No sábado, pela manhã e tarde, foi discutida, a partir de vários apontamentos, a representatividade da inspiração catecumenal para os rumos da catequese de adultos. Uma proposta bem distante da “sacramentalização desses adultos”, como apontou Dom Marco Aurélio Gubiotti em sua passagem pelo encontro. “A iniciação cristã tem um trabalho missionário muito forte, somos nós que vamos até eles. Tenho muita esperança de que a gente possa ser uma igreja em saída, acolhedora, missionária”.

A missão não poderia ser melhor exemplificada do que pela própria vida pública de Cristo: “Trouxeram-lhe então um cego, rogando que ele o tocasse. Tomando o cego pela mão, levou-o para fora do povoado e, cuspindo-lhe nos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: ‘Percebes alguma coisa?’ E ele, começando a ver, disse: ‘Vejo as pessoas como se fossem árvores andando’. Em seguida, ele colocou novamente as mãos sobre os olhos do cego, que viu distintamente e ficou restabelecido e podia ver tudo nitidamente e de longe” (Mc 8,22-25).

Com esta passagem, padre Flávio Assis, abriu os trabalhos na parte da manhã. O Vigário Episcopal da Região Pastoral I e pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Saúde em Itabira, relacionou a figura dos introdutores a daqueles que levam o cego até Jesus e alertou: “O encontro com Jesus é a partir da realidade de cada catecúmeno. A conversão do cego (catecúmeno) cabe a Jesus mas, para isso, é preciso que alguém o leve até Ele”.

Em outra passagem (At 8,26-27), relaciona-se o introdutor à figura de Felipe que, a partir da Palavra, direciona o eunuco – o catecúmeno dos tempos modernos, da nossa realidade pastoral. “Jesus nos convida a apresentar o Evangelho a partir da vida”, acrescentou padre Flávio.

Outro ponto relevante para a caminhada dos adultos na iniciação cristã é exatamente a observância do cenário contemporâneo, das diversas realidades e influências a que a sociedade está exposta. Neste caminhar alguns ‘termos’ não cabem mais na dinâmica entre catecúmeno e introdutor, afetando de maneira direta o âmbito religioso e católico, como o fundamentalismo, o secularismo, relativismo, indiferentismo etc.

Destacaram-se também, durante as discussões, o afastamento de muitos da comunidade eclesial; dos batizados não evangelizados; da busca do sacramento pelo sacramento; de uma catequese que não ‘inicia’ na vida de fé em comunidade, mas ‘conclui’, sem contar o fato de que ainda se prioriza muito as crianças e os jovens na catequese, esquecendo-se dos adultos.

“A Palavra é o que nos conduz a Jesus. É ela que deve motivar o catecúmeno, numa conversão pessoal e por escolha e iniciativa próprias. Daí a necessidade de ‘encarinhar’ o iniciando pela pessoa de Jesus. Não de doutrina-lo”, disse padre Flávio que, ainda mais enfático, concluiu: “o acolhimento é essencial”.

Na parte da tarde, padre Fernando Andrade, da Paróquia Senhor do Bonfim de Ipatinga, abordou o 4º tempo do processo do catecumenato, a Mistagogia – que, por definição, seria a ‘ação de guiar’, de conduzir para dentro do mistério.

O 4º tempo, ou período da Mistagogia, inicia-se logo após a celebração dos sacramentos da iniciação cristã. É o momento em que os iniciados ‘mergulham em Deus’ e retiram as sandálias para compreender que estão entrando em solo sagrado, conforme analogia feita pelo padre Fernando que acrescentou: “Mais do que saber das coisas sobre a vida cristã, é preciso que os adultos, ao aceitarem percorrer este caminho que oferecemos, possam fazer experiências marcantes”.

O padre analisou durante a formação, o caminho da mística no catecumenato, como ela deve ser o tempero, o ponto de linha que arremata. Ele ainda destacou que no Antigo Testamento, o mistério era revelado se assim Deus o quisesse e que, já no Novo Testamento, é o próprio Cristo que se revela e caminha no meio de nós. “É preciso ver para além do que os olhos são capazes de captar e enxergar com os olhos iluminados pela fé”.

O domingo começou com a Santa Missa no Santuário de São Judas Tadeu. Logo após, as atividades de formação foram abertas com explanações sobre a didática da Iniciação à Vida Cristã de Adultos e encerradas com as discussões e reflexões feitas em grupos. As observações dos representantes das três regiões pastorais da Diocese serão analisadas como fundamento para implementações da IVCA.

Bastidores

É mais comum do que se imagina que os participantes desse tipo de formação e/ou encontros achem tudo no “seu devido lugar” assim que chegam no local. Que as dinâmicas, palestras, discussões etc. fazem, naturalmente, parte deste processo. Mas poucos analisam “esse processo”.

Esta formação levou um ano para sair do pensamento, do desejo de ser realizada até a concretização. Envolveu cerca de 60 pessoas, entre os que atuaram ativamente no local do evento, até as famílias que acolheram em suas casas os participantes que vieram de várias cidades. Além delas, outras 14 pessoas, aproximadamente, que trabalharam produzindo “as refeições” e mantendo a limpeza do refeitório.

Foram 34 paróquias representadas, 188 pessoas que assinaram a lista de presença. Todos recebidos com sorrisos e feições de boas-vindas.

Este é o espírito cristão de que tanto se falou durante a formação: acolhida! Acolher como Jesus acolhia. Dar as mãos, dedicar o tempo, estar presente.

As “meninas e meninos da cozinha” começaram os trabalhos na sexta-feira. Chegaram no sábado às 6 da manhã e até às 18h estavam lá, já recolhendo o que ficou da janta: talheres e louças pra lavar.

No domingo, teve café fresquinho, um farto e delicioso almoço.

O mais bonito, no entanto, é a coleção de sorrisos que a gente traz pra casa. Os abraços afetuosos de todas as “Marias e Josés” que nos receberam como filhos(as) amados(as).

A gente leva uma vida pra compreender que as “coisas” de Deus são mesmo um mistério. E que ‘este’ só pode ser compreendido quando nos  entregamos totalmente ao que nos sopra o Espírito.

Saímos ungidos por tamanha acolhida.

Liliene Dante

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