Em entrevista, o olhar de Francisco para o Concílio

Em 8 de dezembro de 1965 São Paulo VI conclui o Concílio Vaticano II - foto/reprodução: Vatican News

“O Concílio não trouxe apenas uma renovação da Igreja. Não é uma questão de renovação, mas um desafio para tornar a Igreja cada vez mais viva. O Concílio não renova, ele rejuvenesce a Igreja. A Igreja é uma mãe que sempre vai em frente. O Concílio abriu as portas a um maior amadurecimento, mais sintonizado com os sinais dos tempos.”

 

Por Jackson Erpen 

“Um acontecimento de graça para a Igreja e para o mundo. Um evento cujos frutos não se esgotaram”. Não poucas vezes ao longo de seu Pontificado o Papa Francisco destacou a importância do Concílio Vaticano II para a vida de Igreja, cujo 60º aniversário de abertura foi recordado com uma Missa por ele presidida na Basílica de São Pedro em 11 de outubro de 2022.

No prefácio do livro “João XXIII. Vaticano II, um Concílio para o mundo”, lançado pouco antes, o Papa afirma que “que o último Concílio Ecumênico ainda não foi totalmente compreendido, vivido e aplicado. Estamos a caminho, e uma etapa fundamental deste caminho é a que vivemos com o Sínodo e que nos pede para sair da lógica do “sempre se fez assim”, da aplicação dos mesmos velhos esquemas, do reducionismo que acaba querendo sempre enquadrar tudo no que já é conhecido e praticado.”

Ou seja, as mudanças ocorridas passo a passo na vida da Igreja desde o evento conciliar, ajudam a viver melhor o processo sinodal, que “se faz sobretudo de escuta, envolvimento, capacidade de dar lugar ao sopro do Espírito, deixando-lhe a possibilidade de nos guiar.”

Francisco voltou a destacar esses aspectos do Concílio em uma entrevista publicada em fevereiro de 2023, que é o tema deste nosso programa. Pe Gerson Schmidt*:

“Por ocasião do décimo aniversário de seu pontificado, o Papa Francisco concordou em conceder uma entrevista a Emmanuel Van Lierde. Na primeira parte desta entrevista exclusiva ao semanário belga Tertio/CathoBel, Francisco falou sobre o Concílio Vaticano II.  A entrevista foi publicada pelo periódico CathoBel, em 28/02 deste ano. A pergunta do jornalista entrevistador foi a seguinte: “O nome que você escolheu como Papa também incluiu um programa. Nos passos de Francisco de Assis, você quer reconstruir e renovar a Igreja, preocupa-se com os pobres e a terra, trabalha pela paz e importa-se com o diálogo inter-religioso. Outro fio condutor para entender o seu pontificado é o Concílio Vaticano II (1962-1965), mesmo que você seja o primeiro Papa a não ter participado dele fisicamente. Por que a busca pela realização deste Concílio lhe é tão importante? O que está em jogo?”.

A pergunta do repórter já nos remete a adentrar em nosso espaço memória histórico 60 anos do Concílio. A resposta do Papa Francisco foi a seguinte. Palavras textuais de nosso querida Papa:

“Os historiadores dizem que é preciso um século para que as decisões de um Concílio entrem plenamente em vigor e sejam implementadas. Então temos mais 40 anos pela frente… Estou tão preocupado com o Concílio porque este evento foi na verdade uma visita de Deus à sua Igreja. O Concílio foi uma daquelas coisas que Deus faz na história através de pessoas santas. Talvez quando João XXIII o anunciou, ninguém percebeu o que iria acontecer. Dizem que ele mesmo pensou que estaria concluído em um mês, mas um cardeal reagiu dizendo: “Comece a comprar os móveis e tudo mais, porque levará anos”. Ele levou isso em conta, mas João XXIII foi um homem aberto aos apelos do Senhor. É assim que Deus fala ao seu povo. O Concílio abriu as portas a um maior amadurecimento, mais sintonizado com os sinais dos tempos” – reiterou o Papa Francisco. O Papa afirmar que o evento do Concílio foi na verdade uma visita de Deus à sua Igreja soa para nós como algo muito maravilhoso. Deus não abandona sua Igreja e a visita e assiste constantemente.

Continua o Sumo Pontífice, em entrevista à revista semanal belga:

 “E ali – no Concílio – Ele (Deus) realmente nos falou. O Concílio não trouxe apenas uma renovação da Igreja. Não é uma questão de renovação, mas um desafio para tornar a Igreja cada vez mais viva. O Concílio não renova, ele rejuvenesce a Igreja. A Igreja é uma mãe que sempre vai em frente. O Concílio abriu as portas a um maior amadurecimento, mais sintonizado com os sinais dos tempos. A Lumen Gentium, por exemplo, a Constituição Dogmática sobre a Igreja, é um dos documentos mais tradicionais e, ao mesmo tempo, um dos mais modernos, porque na estrutura da Igreja o tradicional – se bem entendido – é sempre moderno. Isso ocorre porque a tradição continua a se desenvolver e a crescer.

Como disse o monge francês Vincent de Lérins no século V, os dogmas devem continuar a se desenvolver, mas de acordo com esta metodologia: “Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate” (“Que sejam consolidados pelos anos, expandidos pelo tempo, exaltados pela idade”). Ou seja: a partir da raiz, continuamos sempre a crescer”.

São palavras profundas do Papa nessa entrevista falando sobre o concilio, que rejuvenesce a Igreja e talvez precise ainda 40 anos para aplicar um Concilio. O documento Lumen Gentium, que nesse espaço há meses estamos aprofundando amplamente, tem uma estrutura tradicional e outra moderna. A doutrina dogmática, como disse o monge francês supracitado, precisa ser consolidada pelos anos, expandida pelo tempo, exaltada pela idade. Como já dizia o Papa Bento XVI não há ruptura, mas continuidade da Igreja milenar. Assim se expressou Papa Francisco: “O Concílio deu esse passo adiante, sem cortar a raiz, porque isso não é possível se queremos produzir frutos. O Concílio é a voz da Igreja para o nosso tempo, e neste momento, por um século, estamos colocando-o em prática”.

Fonte: Vatican News

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

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