Por Frei Almir Guimarães
Ó maravilha de amor pelo homens! Em seus pés e mãos inocentes, Cristo recebeu os cravos e suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação.
Das Catequeses de Jerusalém
Celebrar é tornar atual, conhecida, divulgada alguma coisa, um evento que nos encheu de vida, de alegria, de esperança e de vigor: a chegada de um amigo, a volta de um filho querido depois de gestos de loucura e desvario, a lembrança de um amor que nos foi manifestado no passado. Celebrar a ressurreição de Jesus é fazer de sorte que a vida nova do Mestre seja para nós, hoje, luz para a caminhada, profunda alegria para nossa vida e claridade para o mundo. Importante o “hoje”. Somos chamados a viver a vida nova de Jesus. Páscoa, festa da vida. Convite a que vivamos intensamente, e não de maneira queixosa. Na medida em que os anos passam, mesmo sem nenhuma autorização de nossa parte, sentimos, cristãos que somos, que nossa vida se renova. É proibido envelhecer. Nossa nudez foi coberta com a veste de Cristo. Somos renascidos, “renatos”.
Vida nova, vida no Senhor. Que bom, na manhã de Páscoa, ouvir Paulo a nos dizer: “Vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo em Deus”. Vida, corpo, sonhos, esperas, anelos, casamento, paternidade, maternidade, coração, contradições, rejeições…tudo está escondido em Cristo Jesus. A glória da vida sem fim já habita em cada um de nós. Nada de pensamentos de morte. A vida venceu a morte.
Não nos foi dado de ver o Senhor ressuscitado. Os apóstolos, os discípulos de Emaús, Maria Madalena disseram que o viram. Tomé, por sua vez, lamentou não tê-lo visto quando ele se tinha manifestado a seus companheiros. Precisava tocar com seus dedos suas feridas.
Os apóstolos se tornaram testemunhas da ressurreição. Visão? Visão especial para testemunhar que, por sua pregação e jeito de viver, haveriam de nos dizer que a vida não é banal, que ela não existe para terminar de qualquer jeito. Ele vive, o Senhor vive e nos arrasta num movimento de vida. Temos a graça de crer em sua presença. Os que tiveram a graça de vê-lo ressuscitado no-lo garantem. Não podemos dizer outra coisa: somos profundamente felizes por crer na vida do corpo que veio de Maria, do condenado do Gólgota e que as graças da morte do Senhor redundaram em vida para nós que, apesar de toda fragilidade, renascemos nele. Vida, sempre a vida do Ressuscitado.
Viera da parte do Pai. Tinha querido que os seus desígnios se inscrevessem nos projetos dos homens e das mulheres. Fez com que compreendêssemos que somente morrendo a nós mesmos renasceríamos na sua vida. Ele havia proposto um novo estilo de viver: os últimos seriam os primeiros, os que lavam os pés dos outros seriam príncipes, irmãos cuidam de irmãos e vivem como irmãos. Quis um mundo de transparência, de reza no quarto, de gestos colocados sem alarido. Pessoas simples. Nos que assim agem ele continua vivendo.
Ele andou por toda a terra fazendo o bem, curando os que eram presa do mal. Conheceu a perseguição, a condenação, o sofrimento, a morte. Foi literalmente o grão que morre e que morrendo dá a vida. Quando seu peito estava para estourar inclinou a cabeça e nos deu o seu Espírito.
Nada da reanimação de um cadáver. É ele, mas reconhecido nos gestos de amor sem limites e no despertar da fé nos corações adormecidos. Certeza nossa é que ele vive, transfiguradamente. Madalena, os discípulos de Emaús, os apóstolos viram o Senhor. Com seus olhos do rosto? Ou com a luminosidade do olhar da fé que enxerga além da barba, das pernas e do rosto? Sim, ele está presente. Presente de modo particular na comunidade dos fieis que aprenderam a conjugar o verbo amar em todos os modos e tempos, nos sacramentos-sinais onde ele se imiscui, no pão branco e no vinho generoso e nos rostos contorcidos do mais humildes homens da face da terra.
Na segunda leitura desta liturgia, Paulo pede que busquemos as coisas do alto. A vida espiritual consiste precisamente em buscar as coisas do alto. Um pensamento para terminar: “ A vida espiritual do batizado se delineia como dinâmica da espera do Senhor e como vida interior, não exibida nem gritada, mas envolta em discrição e pudor como pedem toda as realidades preciosas”.
Texto para meditação e reflexão
Explodindo de alegria
Das homilias de Santo Astério, bispo
Alegre-se hoje a Igreja herdeira: Cristo, seu Esposo, depois da Paixão, ressuscitou! Ela, que chorou por sua paixão, alegre-se por sua ressurreição!
Alegre-se, Igreja-Esposa! A ressurreição do Esposo te levantou do chão, onde jazias prostrada, e eras pisoteada. Os pés da cortesã não mais dançam por causa da morte de João Batista, mas os da Igreja calcam a morte. A fé não é mais negada, e todos os joelhos se dobram; cessaram os sacrifícios, e os salmos brotam como flores. Não é mais a fumaça dos sacrifícios que se eleva, mas o incenso das orações: Minha oração suba a vós como o incenso (Sl 140,2). As imolações de animais não têm mais valor, depois que foi imolado o Cordeiro que tira o pecado do mundo.
Ó maravilha! A mansão dos mortos devorou o Cristo Senhor e não o digeriu. O leão engoliu o Cordeiro não pôde conserva-lo em seu estômago. A morte sorveu a vida, mas tomada de náuseas, os que anteriormente devorara. O gigante não conseguiu levar Cristo que morria; morto, ele tornou-se terrível para o gigante; lutou com alguém que estava vivo e esse caiu vencido pelo morto.
Um só grão foi semeado e o mundo inteiro alimentado. Imolado como homem, voltou à vida como Deus, dando a vida ao universo. Como ostra foi esmagado e como pérola adornou a Igreja. Como ovelha foi sacrificado, e como um pastor com o cajado, expulsou com a cruz a tropa dos demônios. Como uma lâmpada no candelabro, extinguiu-se na cruz e, como sol, levantou-se do túmulo. Presenciou-se um duplo prodígio: enquanto Cristo estava sendo crucificado, o dia era encoberto pelas trevas; e enquanto ressurgia, a noite brilhava como o dia.
Por que o dia escureceu? Por que acerca desse dia está escrito: Das trevas fez o seu esconderijo (Sl 17,2). E por que a noite brilhou como o dia? Porque o profeta disse: “Mesmo as trevas para vós não serão escuras, a própria noite resplandecerá como o dia”(Sl 138, 12).
Ó noite mais clara que o dia! Ó noite mais fúlgida que o sol! Ó noite mais alva que a neve! Ó noite mais brilhante que os archotes! Ó noite mais deleitável que o paraíso.
Ó noite livre das trevas! Ó noite que repeles o sono! Ó noite que ensinas a vigiar com os anjos! Ó noite terrível para os demônios! Ó noite desejo do ano!
Ó noite que apresentas a Igreja a seu Esposo! Ó noite que geras os recém-nascidos pelo batismo! Ó noite na qual o diabo adormecido foi desarmado! Ó noite na qual o herdeiro introduz a herdeira na herança!
Lecionário Monástico III., p. 21-22
Oração da Manhã de Páscoa
Dá-nos, Senhor, a coragem dos recomeços. Mesmo nos dias quebrados, faz-nos descobrir limiares límpidos. Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi: dá-nos largueza de coração para abraçar aquilo que é. Afasta-nos do repetido, do juízo mecânico que banaliza a história, pois a desventura de qualquer surpresa e esperança. Torna-nos atônitos como os seres que florescem. Torna-nos livres, insubmissos. Torna-nos inacabados, como quem deseja e de desejo vive… Torna-nos confiantes como os que se atrevem a olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.