Ele vive e nos dá vida

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos - em Franciscanos.org.br

Por Frei Almir Guimarães

 

Ó maravilha de amor pelo homens!  Em seus pés e mãos  inocentes,  Cristo recebeu os cravos e  suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação.
Das Catequeses de Jerusalém

Celebrar é tornar atual,  conhecida, divulgada alguma coisa, um evento que  nos encheu de vida, de alegria, de esperança  e de vigor: a chegada de um amigo, a volta de um filho querido depois de gestos de  loucura e desvario, a lembrança de um amor que nos foi manifestado no passado. Celebrar a ressurreição de Jesus é fazer de sorte que a vida nova do  Mestre seja para nós,  hoje,  luz para a caminhada, profunda alegria para nossa vida e  claridade para o mundo. Importante o  “hoje”. Somos chamados a viver a vida nova de Jesus.  Páscoa, festa da vida.  Convite a que vivamos intensamente, e não de maneira queixosa. Na medida em que os anos passam, mesmo sem nenhuma autorização de nossa parte, sentimos, cristãos que somos, que nossa vida se renova.  É proibido envelhecer.  Nossa nudez foi coberta com a veste de Cristo. Somos renascidos, “renatos”.

Vida nova, vida no Senhor. Que bom, na manhã de Páscoa, ouvir Paulo a nos dizer: “Vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com  Cristo em Deus”. Vida, corpo, sonhos, esperas, anelos, casamento, paternidade, maternidade, coração, contradições, rejeições…tudo está escondido em Cristo Jesus.  A glória da vida sem fim já habita em cada um de nós. Nada de pensamentos de morte.  A vida venceu a morte.

Não nos foi dado de ver o Senhor ressuscitado. Os apóstolos, os discípulos de Emaús, Maria Madalena  disseram que o viram.  Tomé, por sua vez, lamentou não tê-lo visto quando ele se tinha manifestado a seus companheiros.  Precisava tocar com seus dedos suas feridas.

Os apóstolos se tornaram testemunhas da  ressurreição. Visão?  Visão especial para testemunhar que, por sua pregação e jeito de viver, haveriam de nos dizer que a vida não é banal, que ela não existe para terminar de qualquer jeito. Ele vive, o Senhor vive e  nos arrasta num movimento de vida.  Temos a graça de crer em sua presença.  Os que tiveram a graça de vê-lo  ressuscitado no-lo garantem.  Não podemos dizer outra coisa:  somos profundamente felizes por crer na vida do corpo que veio  de Maria, do condenado do Gólgota e que as graças da morte do Senhor redundaram em vida para nós que, apesar de toda fragilidade, renascemos nele.  Vida, sempre a vida do Ressuscitado.

Viera da parte do Pai. Tinha querido que  os seus desígnios se inscrevessem  nos projetos dos homens e das mulheres.  Fez com que compreendêssemos que somente morrendo a nós mesmos renasceríamos na sua vida. Ele havia proposto um novo estilo de viver: os últimos seriam os primeiros, os que lavam os pés dos outros seriam príncipes, irmãos cuidam de irmãos e vivem como irmãos. Quis um mundo de transparência,  de reza no quarto,  de gestos colocados sem alarido. Pessoas simples.  Nos que assim agem ele continua vivendo.

Ele andou por toda a terra fazendo o bem, curando os que eram presa do mal. Conheceu a perseguição, a condenação, o sofrimento, a morte.  Foi literalmente o grão que morre e que morrendo dá a vida.  Quando seu peito estava para estourar inclinou a cabeça e nos deu o seu Espírito.

Nada da reanimação de um cadáver. É ele, mas reconhecido nos gestos de amor sem limites e no despertar da fé nos corações adormecidos.  Certeza nossa é que ele vive, transfiguradamente. Madalena, os discípulos de Emaús, os apóstolos viram o Senhor. Com seus olhos do rosto? Ou com a luminosidade do olhar da fé que enxerga além da barba, das pernas e do rosto?  Sim, ele está presente.  Presente de modo particular  na comunidade dos fieis que aprenderam a conjugar o verbo amar em todos os modos e tempos, nos sacramentos-sinais onde ele se imiscui, no pão branco e no vinho generoso e nos rostos contorcidos do mais humildes  homens da face da terra.

Na  segunda leitura desta liturgia, Paulo pede que busquemos as coisas do alto.  A vida espiritual consiste precisamente em buscar as coisas do alto. Um pensamento para terminar: “ A vida espiritual do batizado se delineia como dinâmica da espera do Senhor e como vida  interior, não exibida nem gritada, mas envolta em discrição e pudor como pedem toda as realidades preciosas”.


Texto  para meditação e reflexão

Explodindo de alegria

Das homilias de Santo Astério,  bispo

Alegre-se hoje a Igreja herdeira: Cristo, seu Esposo, depois da  Paixão, ressuscitou!  Ela, que chorou por sua paixão, alegre-se por sua ressurreição!

Alegre-se, Igreja-Esposa!   A ressurreição do Esposo te levantou do chão, onde jazias prostrada, e eras pisoteada.  Os pés da cortesã não mais dançam por causa da morte de João Batista, mas os da Igreja calcam a morte. A fé não é mais negada, e todos os joelhos se dobram; cessaram  os sacrifícios, e os salmos brotam como flores.  Não é mais a fumaça dos sacrifícios que se eleva, mas o incenso das orações:  Minha oração suba a vós como o incenso (Sl 140,2). As imolações de animais não têm mais valor, depois que foi imolado o Cordeiro que tira o pecado do mundo.

Ó maravilha! A mansão dos mortos devorou o Cristo Senhor e não o digeriu. O leão engoliu o Cordeiro  não pôde conserva-lo em seu estômago. A morte sorveu a vida, mas tomada de náuseas, os que anteriormente devorara. O gigante não conseguiu levar Cristo que morria;  morto, ele tornou-se terrível para o gigante;  lutou com alguém que estava vivo e esse caiu vencido pelo morto.

Um só grão foi semeado e o mundo inteiro alimentado.   Imolado como homem, voltou à vida como  Deus, dando a vida ao universo. Como ostra foi esmagado e como pérola adornou a Igreja. Como ovelha foi sacrificado, e como um pastor com o cajado, expulsou com a cruz a tropa dos demônios.  Como uma lâmpada no candelabro, extinguiu-se na cruz e, como sol, levantou-se  do túmulo.  Presenciou-se um duplo prodígio: enquanto Cristo estava sendo crucificado, o dia era encoberto  pelas trevas; e enquanto ressurgia, a noite brilhava como o dia.

Por que o dia escureceu?  Por que acerca desse dia está escrito:  Das trevas fez o seu esconderijo (Sl 17,2). E por que a noite brilhou como o dia?  Porque o profeta disse: “Mesmo as trevas para vós  não serão escuras,  a própria noite resplandecerá como o dia”(Sl 138, 12).

Ó noite mais clara que o dia!  Ó noite mais fúlgida que o sol! Ó noite mais alva que a neve!  Ó noite mais brilhante que os archotes! Ó noite mais deleitável que o paraíso.

Ó noite livre das trevas! Ó noite que repeles o sono! Ó noite que ensinas a vigiar com os anjos! Ó noite terrível para os demônios! Ó noite desejo do ano!

Ó noite  que apresentas a Igreja a seu Esposo! Ó noite  que geras os recém-nascidos pelo batismo! Ó noite na qual o diabo adormecido foi desarmado! Ó noite na qual o herdeiro introduz a herdeira na herança!

Lecionário  Monástico III., p. 21-22   


Oração da Manhã de  Páscoa

Dá-nos, Senhor, a coragem  dos recomeços. Mesmo nos dias quebrados, faz-nos descobrir limiares límpidos. Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi:  dá-nos largueza de coração  para abraçar aquilo que é. Afasta-nos do repetido, do juízo mecânico que banaliza a história, pois a desventura de qualquer surpresa e esperança.  Torna-nos atônitos  como os seres que florescem. Torna-nos livres, insubmissos. Torna-nos inacabados, como quem deseja e de desejo  vive… Torna-nos confiantes como os que  se atrevem a olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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