Arcebispo Sviatoslav Shevchuk, da Igreja Greco-Católica Ucraniana, falou sobre os efeitos do conflito de oito anos na população ucraniana e na forma como a Igreja está respondendo às necessidades do país
O líder da maior Igreja Greco-Católica do mundo pediu o fim do que ele chama de “idolatria da violência”, na última sexta-feira, durante a coletiva de imprensa organizada pela ACN.
“Com oração e apoio internacional, podemos dizer não à violência, não à guerra. Há uma nova idolatria de violência surgindo ao redor do mundo, e como cristãos, temos que dizer não à violência, não à ação militar. O diálogo, a cooperação e a solidariedade podem nos ajudar a superar dificuldades e problemas no mundo de hoje.”
Líder religioso ressalta os efeitos do conflito
“Nossa primeira resposta é a oração. Por exemplo, todos os dias às oito horas da noite, horário ucraniano (3 horas da tarde no Brasil) os católicos ucranianos param tudo e rezam juntos o Terço. Se possível, por favor, junte-se a nós nesta oração pela paz na Ucrânia”, disse o Arcebispo.
O Arcebispo Shevchuk lamenta que, no ambiente atual da região, a vontade de evitar uma perigosa escalada deste conflito militar seja confundida com covardia: “Se você está tentando estabelecer o diálogo, será considerado fraco, mesmo quando estiver manifestando o desejo de evitar o combate. Culturalmente, religiosamente, politicamente, temos que nos posicionar contra o uso da violência como instrumento.”
O povo ucraniano está sofrendo o que ele chama de guerra híbrida. “Muitas vezes nos concentramos nos 100 mil soldados e equipamentos militares acumulados em nossa fronteira, mas o lado militar é apenas um aspecto. Os outros são desinformação e propaganda, escalada política e escalada econômica”, diz ele, referindo-se também aos efeitos psicológicos prejudiciais das constantes reportagens da mídia sobre os cidadãos ucranianos. Mesmo que a invasão militar nunca ocorra, os ucranianos já estão sofrendo as consequências desta situação.
Desinformação é um dos efeitos do conflito
Um exemplo de desinformação, explica o Arcebispo, é o retrato da cena religiosa na Ucrânia como sendo marcada por conflitos. “Ortodoxos, protestantes ou católicos, estamos muito unidos no apoio do nosso povo. Temos a mesma mensagem de paz. A união religiosa na Ucrânia é uma questão de segurança nacional, não há guerra religiosa na Ucrânia. Há diferentes posições, alguma divisão entre os ortodoxos, mas entre as pessoas, não importa qual confissão, não há divisões.”
Um exemplo dessa realidade é que, embora os católicos componham apenas 11% da população da Ucrânia, o Papa Francisco é amplamente apreciado pelos ucranianos. “O Papa Francisco goza de muita confiança na sociedade ucraniana, embora a maioria do povo não seja católico”, explica o arcebispo Visvaldas Kulbokas, atual Núncio Apostólico de Kiev, que também foi orador na conferência de imprensa.
O representante da Santa Sé no país diz que os repetidos apelos feitos pelo Papa pela paz e compreensão na Ucrânia tocam os corações dos ucranianos comuns, independentemente de sua afiliação religiosa, e muitos esperam por uma visita papal ao país em um futuro próximo. “Espero que tal visita seja possível em breve. Nestes dias, a situação está mudando tão rapidamente, mas assim que o Papa tomar sua decisão sobre o momento, estaremos prontos. Ainda não ouvimos nada, e é decisão pessoal dele, mas estamos esperando”, explica.
A Igreja não abandonará o povo
Além da ameaça de guerra, os ucranianos também têm de lidar com uma economia em falência e uma crise de energia e gás, que afeta toda a sociedade, incluindo padres e membros de ordens religiosas. Parte da resposta da Igreja tem sido ajudar as pessoas a encontrar maneiras alternativas de aquecer suas casas no inverno, para evitar a dependência excessiva do gás russo.
Os mais atingidos, que mais sofrem os efeitos do conflito, são aqueles que vivem na parte oriental do país. Neste local o conflito militar não é mais uma ameaça, mas uma realidade de oito anos. “Eu queria visitar Donetsk e Luhansk, mas me disseram que isso poderia ser mal utilizado para propaganda ou ser visto como uma provocação. Por enquanto, adiei a visita. Eu sofro por causa disso porque eles estão completamente isolados”, diz Nuncio Visvaldas Kulbokas.
Mas algumas organizações católicas, como a Cáritas, estão ativas na região e a ACN tem prestado assistência há vários anos junto à Igreja Católica e no apoio aos refugiados, necessitados, padres e religiosos, que também vivem abaixo da linha da pobreza. “A maioria das pessoas na área de Donetsk e Luhansk tem mais de 65 anos, e hoje eles não são capazes de receber suas pensões. Enfrentamos uma grave crise humanitária. Os padres são mediadores únicos que podem viajar e levar alguns recursos”, explica o arcebispo Shevchuk.
Fiéis continuam presentes na igreja
“Embora muitos dos fiéis emigraram”, acrescenta, “o número presente nas celebrações dominicais não diminuiu. Afinal a possibilidade de ter seus sacerdotes com eles é vital. Aqueles padres que ficam lá com nosso povo são os heróis de nossos tempos. Então eles não vão fugir. Vamos ficar com nosso povo, como ficamos na Criméia.”
Dessa forma, visivelmente comovido com este testemunho, o presidente executivo da ACN, Thomas Hein-Geldern, encerrou a conferência de imprensa com a promessa de que a Obra de caridade pontifícia continuará a prestar assistência à Igreja na Ucrânia. “Continuaremos apoiando aqueles que ficam com seu povo”, disse ele.
A ACN iniciou seu apoio aos cristãos ucranianos no exílio em 1953. Após a restauração legal da Igreja em 1990, após anos de perseguição, a ajuda foi crucial na reconstrução da vida na igreja. A ACN atualmente tem muitos projetos na Ucrânia. A organização apoia a formação de cerca de 900 seminaristas de ambos os ritos, latim e oriental. Também ajuda na manutenção e restauração de seminários, igrejas e mosteiros. Também é prestado apoio especial aos membros de ordens religiosas que ajudam os pobres e necessitados na região, com assistência material, financeira e espiritual.
Fonte: ACN Brasil