Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém/PA
Introdução
Encontramos na Sagrada Escritura uma abundância de referências sobre a figura do pastor e das ovelhas. A economia dos povos da bíblia era baseada na agricultura e na pecuária. Daí se entende a abundância de referências à figura das ovelhas, rebanhos e pastores.
Assim como o pastor cuida das ovelhas, os líderes devem cuidar dos liderados. Deus é visto como o pastor do seu povo, como bem refletiu o profeta Isaías: “como um pastor, Ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos no colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam» (Is 40,10-11). Deus conhece a situação existencial de cada um de nós. Isso vale também para a relação entre o educador católico e os seus educandos.
Pastor e ovelha são símbolos aplicados aos líderes e liderados respectivamente. Eram considerados pastores do povo os reis, governadores, sacerdotes, juízes, mestres, pais… aqueles que tinham a missão de cuidar de pessoas. As ovelhas são o povo, ou seja, aqueles que eram conduzidos, dependentes, sendo objeto de cuidados das autoridades.
- Os maus pastores
A bíblia nos apresenta duas categorias de pastores: os bons e os maus (cf. Ez 34,1-16; Is 40,11; Sl 23; 1Pd 5,1-3; Jo 10,1-18; Jr 23,1-4). Os bons são elogiados e os maus pastores radicalmente condenados por Deus e também rejeitados pelas ovelhas. Não há na Bíblia territórios específicos onde atuavam os bons e os maus pastores separadamente. Na verdade, eles se misturavam, atuando em diversas áreas no meio do povo, na administração da justiça, na economia, na política, na religião, na família.
O elogio aos bons pastores era sinal do reconhecimento das suas virtudes no cuidado do rebanho testemunhando dedicação, sensibilidade, honestidade, generosidade, coragem, zelo, firmeza. Ao contrário, os maus pastores eram condenados por causa do uso da violência, da negligência, do desinteresse, do egoísmo, da mesquinhez, da covardia diante dos perigos deixando o rebanho indefeso e à mercê das feras (cf. Ez 34,2-6).
Para melhor sentir a provocação dessas narrações vale a pena recordarmos alguns textos: “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos! Não é do rebanho que os pastores deveriam cuidar?” (Ez 34,2); “Os meus pastores não se preocupam com o meu rebanho: ficam cuidando de si mesmos, em vez de cuidarem do meu rebanho” (Ez 34,7); “Vocês bebem o leite, vestem a lã, matam as ovelhas gordas, mas não cuidam do rebanho” (Ez 34,3); “Vocês não procuram fortalecer as ovelhas fracas, não dão remédio para as que estão doentes, não curam as que se machucaram…” (Ez 34,4); “Não trazem de volta as que se desgarraram e não procuram aquelas que se extraviaram” (Ez 34,4); “Dominam com violência e opressão” (Ez 34,4); “Vocês empurram as ovelhas mais fracas e ainda lhes dão chifradas, até expulsá-las para longe” (Ez 34,20); os maus pastores eram também acusados de sujar as águas que as ovelhas deviam beber (cf. Ez 34,19).
Diante desse quadro dramático de maus tratos as consequências são claras: a dispersão das ovelhas, perdas, mortes, abandono, violência, injustiças, sofrimento, humilhação.
- O educador Bom pastor
A figura do pastor e ovelha são profundamente sugestivas; são metáforas que nos possibilitam sua aplicação para a relação entre educador e educando. O educador católico é chamado a ser bom pastor porque educar é cuidar do desenvolvimento humano integral do educando.
Jesus Cristo, o Mestre e Senhor, se apresentou como o Bom Pastor, portanto, o educador católico é chamado a identificar-se com Ele e a conformar-se com suas atitudes e iniciativas testemunhando sensibilidade para com a totalidade da vida dos educandos.
Na arte de educar somos inspirados por Ele e chamados a cultivar a espiritualidade do Bom Pastor assumindo seu modo de pensar, sentir e agir levados pela paixão do cuidado eticamente zeloso do rebanho que nos foi confiado (cf. 1Pdr 5,1-3). Por isso o educador é chamado a cuidar da própria identidade para que possa firmar-se na consciência de ser bom. A ausência da convicção de ser educador bom pastor gera crise de identidade, vulnerabilidade, inconstância, deixando de ser referência para seus educandos.
- A defesa e promoção da Vida
O Bom Pastor declara: «Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10). A evangelização e a educação não podem, de maneira alguma, serem desvinculadas de exigências éticas; seria uma contradição, pois Verdade e Amor se identificam (cf. Sl 85,11).
Para educar é necessário acolher o ser humano na situação em que se encontra e estimulá-lo ao desenvolvimento integral. Educar é proteger e promover! A acolhida é o pressuposto básico da ação educativa. A defesa da vida e a promoção da dignidade exigem do educador uma série de atitudes: a acolhida incondicional, a sensibilidade preventiva, a perspicácia, o espírito de iniciativa, o reconhecimento de direitos, o percurso de processos, paciência dinâmica, segurança, criatividade.
- A generosidade
O Bom Pastor declara ainda: «Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas» (Jo 10,15). Isso significa oblatividade, quer dizer, capacidade de doação, entrega de si, capacidade de fazer-se oferta, dom; é dar vida (ânimo) e, se necessário for, dar a própria vida, martírio! Tudo isso forma um dinamismo de contínua dedicação que permeia a totalidade da vida do bom pastor: «por vocês estudo, por vocês rezo, por vocês estou disposto a dar a minha vida», dizia Dom Bosco aos seus estudantes. O mau educador faz tudo o contrário!
Enfim, o agir do bom pastor é caracterizado pela capacidade de sacrifício, solicitude, compaixão, operosidade incansável, entrega afetuosa, ternura e firmeza, alegria, criatividade, empatia… Todo bom educador desenvolve essas habilidades.
- Capacidade de relacionamento
O Bom Pastor afirma: «conheço as minhas ovelhas e as ovelhas me conhecem” (Jo 10,14). É na relação com as ovelhas que o bom pastor manifesta a sua fidelidade educativa em todos os ambientes e circunstâncias (nos vales, baixadas, montes, pastagens… cf. Sl 23; Jo 10,3).
É na relação com as ovelhas que o bom pastor exercita sua capacidade de percepção do estado de cada uma (a doente, a desgarrada, a magra, a gorda, a quebrada); que percebe o estado moral, físico, psicológico de cada uma – cf. Ez 34,4-6). Na educação isso quer dizer não tratar o educando como um simples número, mas interessar-se por sua realidade existencial com suas necessidades concretas.
- A experiência da transcendência
O Bom Pastor tem senso de transcendência: “tenho também outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir” (Jo 10,16). Somos bons pastores quando assumimos atitudes transcendentes, não se limitando a determinados espaços ou categoria de pessoas.
A experiência da transcendência é típica de pessoas maduras, generosas, apaixonadas, abertas, otimistas, criativas, inquietas, sensíveis, esperançosas… Educar é estimular o educando a “olhar” para o além: além da infantilidade, além da família, da escola, da própria cultura, dos próprios sentimentos, dos próprios gostos, das próprias ideias, além do presente!
As palavras “desenvolvimento”, “crescimento”, “mudança”, “transformação”, “processo” … tão usadas no contexto educativo, nos chamam atenção para esse dinamismo! Só o educador que faz essa experiência pode educar verdadeiramente. Ele é o primeiro a ser chamado a ir além: além da mesmice, dos esquemas obsoletos, de métodos ultrapassados, do isolamento mesquinho, das desculpas, do mau humor, do cansaço, da desconfiança dos outros, dos conteúdos tradicionais, da ingratidão dos alunos, das circunstâncias desfavoráveis, das estruturas, das condições oferecidas…
A experiência da transcendência nos fala de futuro! Por isso o educador bom pastor é um semeador de Esperança!
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- Por que podemos falar do educador como Bom Pastor”?
- Quais atitudes do Bom Pastor e dos maus pastores mais lhe chamam à atenção?
- Quais podem ser as consequências das más atitudes de um educador na vida de um estudante?
Fonte: CNBB Norte 2