Do menino que gostava de futebol, ao exemplo de Bom Pastor

Após quase 8 anos e meio, o padre Flávio Assis se prepara para deixar a Paróquia Nossa Senhora da Saúde e assumir a Paróquia Cristo Libertador, em Ipatinga. Na sua última semana em Itabira, ele concedeu uma entrevista que rendeu todas estas linhas. ‘Lendo’ a sua trajetória, é fácil compreender de onde vem o seu carisma e porque ele desperta tanto amor e carinho entre os fiéis.

Estamos tão acostumados à presença marcante do Padre Flávio, que chega a ser uma grata surpresa “vê-lo” menino e imaginá-lo, talvez como muitos de nós, tendo feito alguma travessura por aí.

Penúltimo filho de uma família de 11 irmãos, dez homens e uma mulher, a fala mansa, o jeito calmo e seguro de se expressar não nos ajudam em nada a imaginar uma criança capaz de grandes estripulias.

Filho de Terezinha Martins de Assis e José Margarida de Assis Martins, Uildes Flávio Assis nasceu no dia 12 de maio de 1972, em Antônio Dias, município mineiro com pouco mais de 9 mil habitantes. Foi criado no Sítio Caxambu, local onde sua mãe ainda reside.

Infância

Já aos 7 anos, andava cerca de 3,5 km para chegar à Escola Estadual Felisberto de Brito, na qual cursou as séries iniciais do ensino fundamental.  Aos domingos, fazia praticamente o mesmo percurso para participar da catequese e da Santa Missa.

Depois de algumas horas de entrevista, tentei imaginar este padre, tão confiante e assertivo durante as missas, sendo apenas criança. Parei para observar esta foto e senti uma grande piedade pelo gatinho. Com uma alegria quase infantil e um expressivo “ãhã te peguei”… achei o Uildes Criança bem desajeitado com o bichinho, o que me deu uma certa satisfação, confesso. Somos, enfim, todos bem humanos!

Da infância, ele registra o gosto pelo futebol nas “peladas” de sábado e domingo com os primos; os frequentes passeios e diversão na Cachoeira de Caxambu. Qualquer um de nós, que tenha tido a grata oportunidade de viver nos interiores de Minas, ou na roça (vocabulário comum por nossas bandas), consegue vislumbrar um pouco da infância do Flávio Assis. Ainda que ele não tenha dito: é bem provável que tenha subido em árvores, vivido com os cantos das unhas dos pés bem sujinhos ao correr descalço, chupado manga, comido goiaba (com sorte, sem bicho) e ‘coquinho’…

Também não deve ser surpresa, a “tradição” de se envolver nos trabalhos de casa desde muito cedo. Embora fosse quase o caçulinha, ele relembra: “a gente ia assumindo os serviços à medida que os irmãos mais velhos iam saindo…”.

Dessas lembranças da infância, chamou-me a atenção uma a que ele se referiu ao pai, Seu José Margarida: “era meu pai quem fazia o bolo de fubá com rapadura. Assava numa panela com brasa em cima e embaixo, no próprio fogão à lenha. E o fubá era produzido lá mesmo. A gente tinha moinho…

Adolescência/Juventude

Padre Flávio terminou o ensino fundamental em Antônio Dias, na Escola Estadual Professor Letro. Mesma instituição na qual iniciou o ensino médio que, no entanto, foi concluído na cidade de Ipatinga, onde já residiam os irmãos mais velhos.

Foi lá que, morando com os irmãos, Padre Flávio fez o curso técnico de mecânica industrial na Escola Técnica Vale do Aço. Residiu no bairro Iguaçu, hoje, Nossa Senhora Aparecida. Nesta comunidade, começou a participar mais ativamente dos trabalhos da Igreja. Fez parte da Pastoral Carcerária e foi Ministro Extraordinário da Palavra. Pra quem já ouviu uma homilia dele, é fácil imaginá-lo sendo orientado pelo Espírito Santo desde aquela época quando, então, não passava de um jovem rapaz.

O exercício do Ministério da Palavra e a consciência e convivência em comunidade pelo exercício do ministério, foi o que me aproximou da escolha pelo sacerdócio. O desejo de me dedicar integralmente ao serviço a Deus”. A essas palavras, acrescentou com aquela expressão suave, bem familiar aos paroquianos, olhos fechados e como que a contemplar alguma coisa que apenas ele consegue enxergar: “meu pai teve grande participação na minha vocação. Foi ministro da Palavra, Eucaristia, Matrimônio e Batismo. Era muito ativo na vida comunitária da Igreja. Praticamente todo domingo estava servindo a um dos ministérios. Quando não estávamos na catequese para voltar com ele após a missa, o esperávamos em casa para o almoço em família”. O pai de Padre Flávio (José Margarida) não chegou a vê-lo ordenado, faleceu em 1996.

Até 1993, ele permaneceu na Comunidade Nossa Senhora Aparecida. Participava do acompanhamento dos jovens na própria paróquia e, um pouco mais adiante, dos encontros vocacionais.

Padre Francisco Guerra, na época diácono, foi quem fez o acompanhamento vocacional do jovem Flávio e, posteriormente, o seu encaminhamento para o Seminário São José. A maior parte dos estudos como seminarista foi realizada em João Monlevade, tendo passado também por Itabira e Belo Horizonte.

Durante o seminário, além dos cursos exigidos, Filosofia e Teologia, cursou pedagogia, psicanálise clínica e concluiu uma especialização em filosofia existencial.

Em 2002 terminou os estudos no seminário e fez uma especialização em Teologia Pastoral na PUC-Minas. Foi nesta época que Dom Lélis Lara apresentou sua renúncia. Até a nomeação do novo bispo, Dom Odilon Guimarães Moreira, Flávio Assis teve que aguardar para ser ordenado.

A Missão Sacerdotal

No dia 03 de agosto de 2003, Uildes Flávio Assis foi ordenado diácono na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, na Vila Tanque, em João Monlevade, e no dia 06 de dezembro, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, aconteceu a sua ordenação presbiteral. Ele foi o primeiro diácono e o primeiro padre da Diocese ordenado por Dom Odilon.

Após a ordenação, foi nomeado vigário da Paróquia Cristo Libertador, em Ipatinga. Serviu nas comunidades junto com o pároco Grimaldo Patrício Ferreira. Lá ficou por cerca de um ano e meio, quando foi designado pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Alvinópolis – cidade na qual permaneceu até 2011.

De Alvinópolis veio para a Paróquia Nossa Senhora da Saúde, em Itabira. Uma mudança que, segundo ele, não era esperada. O mais provável era que voltasse para Ipatinga. Para a alegria de muitos itabiranos, foi aqui que Padre Flávio veio servir.

Vale ressaltar que, em função dos problemas do antigo pároco, Pe. Ilídio Hemétrio Quintão, Dom Odilon teve a sensibilidade de nomear Padre Flávio como Pároco Solidário – de maneira a não subtrair o “cargo” de um padre já bem idoso e com sérios problemas de saúde. Ressalte-se, também, a atitude de total humildade do Padre Flávio, que aceitou a situação de oficialmente ser uma espécie de “auxiliar” do antigo padre – ainda que tenha assumido integralmente todas as funções de pároco.

Os desafios foram vários. No dia da posse, 19 de julho de 2011, Padre Flávio já assumiu ganhando um presente de 6 comunidades. Até então, a Paróquia Nossa Senhora da Saúde era constituída apenas pela Comunidade Matriz. A ela, foram acrescentadas as comunidades Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima e as comunidades dos bairros Chapada, Boa Esperança e Barro Branco. Situação que perdurou por poucos meses, mas que provocou alguns contratempos, como a retirada das missas de dois sábados (a cada mês) na Matriz da Saúde. Isso, para atender a demanda de celebrações nas outras localidades.

Reunir os movimentos, pastorais e serviços, restaurar o ritmo da animação litúrgica, retomar as formações (para ministros, catequese etc.), unificar as comunidades em torno de uma coordenação comum, exigiram disposição, paciência e firmeza. Mudanças nem sempre são bem vistas, imagine numa comunidade que viveu por mais de 30 anos sob as orientações de um único pároco.

Soma-se a isso, e a tantos outros desafios, o fato de acumular as designações para Vigário Episcopal da Região Pastoral I, Administrador da Gráfica Diocesana, Assessor Diocesano da IVCA (Iniciação à Vida Cristã de Adultos), Administrador Paroquial de Senhora do Carmo e Assessor da RCC. Com todos esses compromissos, Padre Flávio diz que teve que desacelerar o ritmo das formações paroquiais…

Foi também um grande fomentador da evangelização através dos meios de comunicação da cidade. Participava dos programas Unidos pela Fé e Bênção do Dia nas rádios Pontal e Itabira, respectivamente. Na Paróquia da Saúde foi o responsável e grande incentivador para a expansão da comunicação paroquial com a implantação do site, entrada nas redes sociais e criação de um informativo mensal impresso, voltado principalmente para aqueles que ainda não têm acesso ou são mais resistentes às novas tecnologias.

À frente da Paróquia, foi homenageado (2018) pela Câmara Municipal de Itabira com a Moção de Aplauso pelos 170 da edificação da Igreja Nossa Senhora da Saúde – a segunda construção religiosa mais antiga de Itabira, tendo sido concluída em 1848 e elevada à Matriz em 1947 após instauração da Paróquia que, à época, ainda era subordinada à Arquidiocese de Mariana.

Enfim, dá pra ter uma ideia do quanto a graça de Deus esteve presente na caminhada deste padre que agora se despede da Paróquia Nossa Senhora da Saúde

A dinâmica de quem escolheu amar a Deus acima de todas as coisas

Ele passou pelas três regiões pastorais da Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano. Conheceu muita gente nas mais diversas comunidades, algumas instaladas em locais cujo acesso não é fácil. Quem está acostumado a “rodar” pelas estradas rurais de Minas tem uma noção de como é chegar em determinadas regiões.

Se ficou insatisfeito com algo, não disse e não demonstra – o que só nos induz a pensar quão a sério Padre Flávio leva a sua escolha pelo sacerdócio. Um caminho que está sempre a lhe cobrar: atenção ao próximo, resignação diante de mudanças que não dependem dele e a firme obediência que a Igreja Católica cobra dos clérigos.

É surpreendente como ele se mantém tão equilibrado e firme diante do momento atual da Santa Igreja. Como consegue administrar o embaralhado mundo dos fiéis católicos que tem polarizado as discussões nesta Igreja Apostólica.

Recentemente, li uma entrevista da qual retirei a frase a seguir: “é preciso reconhecer que o papa age em virtude de uma coerência evangélica e adesão a Jesus Cristo, colocando como norte de sua ação, a centralidade da misericórdia, a centralidade do amor. Quando o amor é o centro da vida de alguém, suas atitudes podem causar certa perplexidade. Se o Espírito Santo age com liberdade em nossas vidas, seremos impelidos a fazer certas coisas que podem ser mal interpretadas. Se o papa, por exemplo, incentiva o diálogo inter-religioso e ecumênico, se vai às periferias sociais e existenciais, se insiste na nossa responsabilidade pelo cuidado com a criação, ele pode ser mal interpretado. Mas se ele não correr este risco, o Evangelho não é anunciado” (Pe. Geraldo Dias Buziani – sacerdote da Arquidiocese de Mariana, residente em Roma para aprimoramento de estudos teológicos*).

Acho que esta frase se aplica bem ao Padre Flávio. É notório como o Espírito Santo age sobre ele, na maneira como se expressa, nas orientações que transmite, no anúncio do Evangelho, no jeito singular de como demonstra o amor a cada pessoa que chega até ele e é por ele acolhida.

Amar a Deus acima de todas as coisas exige uma dinâmica, um movimento interno e externo bem direcionados. Não há como fugir da Palavra e escapulir para um caminho que não seja exatamente o que Jesus indicou.

Pode parecer perverso, como se Deus cobrasse de um filho a anulação de seus desejos e sonhos apenas para servi-Lo. No entanto, há quem aprenda, ao longo da caminhada, que não existe liberdade maior do que ser um autêntico seguidor de Jesus Cristo – para estes, as correntes se quebram. Ao olhar para fora desta casa espiritual construída dia a dia, todo o resto é o que nos parece ser uma escravidão – sobretudo em tempos tão tecnológicos e de coisificação do ser humano.

De tanto caminhar entre as pessoas e passar diante da fila humana, sendo alvo de todos aqueles olhares nem sempre semelhantes ao modo de enxergar do Cristo, aprende-se que pouca coisa é realmente necessária para esta jornada. Padre Flávio, com efeito, escolheu a melhor parte, que com certeza não lhe será tirada (cf. Lc 10,42).

 

Liliene Dante

 

Padre Flávio sendo homenageado pelas crianças da catequese na Santa Missa de domingo. Momento de emoção na despedida das crianças e adolescentes.

 

* A citação de Pe. Geraldo Dias Buziani, usada neste artigo, foi extraída do jornal O Pastoral – da Arquidiocese de Mariana.

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