Diretrizes para um mundo transparente

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

É difícil ser transparente, por vezes pode ser muito árido e conduzir à marginalização e à solidão, mas a comunicação alicerçada na hipocrisia, na lisonja e nos bailes das máscaras também não salva da solidão, porque o outro não revela quem ele é, nem o que pensa, nem o que espera de você e, portanto, você não sabe diante de quem você está, nem quais as suas intenções.
Francesc Torralba

♦ Neste tempo da vida da Igreja, em nossa liturgia dominical, estamos continuando a leitura do Sermão da Montanha de Mateus, Carta Magna do cristianismo. Pacientemente vamos construindo nossa identidade cristã ao longo do tempo da vida. Não cessamos de nascer de novo. Nascemos de nossos pais e nascemos do Alto, nascemos ao longo das estações da vida. Tudo recomeça. Somos seres inacabados, sempre a caminho.

♦ O Sermão da Montanha faz apelo à generosidade, coerência e transparência. Pede-nos o máximo. Não se trata apenas cumprir obrigações de maneira “certinha” e dar-se por satisfeito. Precisamos chegar a uma postura de seres generosos e transparentes. Tudo começará em nossa verdade mais profunda. Jesus sempre nos adverte contra a mentalidade dos fariseus que observavam ritos e deveres, mas sem alma, de maneira nem sempre transparente e mesmo incoerentemente, com certa duplicidade, sem transparência.

♦ Transparência! “Os cidadãos exigem a transparência das instituições públicas, dos meios de comunicação social e das organizações privadas; exigem leis para garantir seu exercício, esperam saber o que acontece no interior das organizações públicas, como é investido o dinheiro pago por nós todos, como as decisões são tomadas nos bastidores do poder. Há um anseio por transparência”. (Francesc Torralba). Vivemos um tempo que exige o máximo de transparência. Estamos aprendendo a exigir transparência.

♦ Uma justiça maior do que simplesmente o dever cumprido. Justiça, no linguajar do Sermão da Montanha, é bem mais do que fazer as coisas corretas. Será preciso amar, estar presente na vida dos outros. O que importa de verdade é o apreço que lhes devotamos. Eliminar esta preocupação do ser humano de voltejar em torno de si mesmo. A Lei manda não matar. Trata-se de evidência sem necessidade de explicação. O Sermão da Montanha, no entanto, pede interesse e delicadeza pela vida do outro: próximo bem próximo, próximo mais distante. Será preciso promover o outro, a vida, o seu entusiasmo, sua vontade de crescer, de não vegetar, de não morrer vivo. Imaginação e criatividade. Os que usam um linguajar pouco delicado a respeito do outro, de alguma forma, agem mal. Todo esse palavreado grosseiro revela que não temos sensibilidade para com o outro. Se o Senhor nos ama como somos, frágeis e pecadores, ama também aquele que me ofendeu e que direito temos nós de excluí-los de nosso bem-querer?

♦ Quando realizamos o culto é preciso coerência e transparência. Participamos da celebrações da Eucaristia. Nesse momento revestimo-nos de sinceridade, dirigimo-nos ao altar com o melhor de nós mesmos. Ali vamos estar com aquele que deu a vida pelos seus, por todos, inclusive por aqueles que o matavam. A Eucaristia é a renovação incruenta do dom de Cristo no alto da cruz. Corpo dado e sangue derramado. Unimo-nos ao dom do Senhor atualizado nos sinais do pão e do vinho. Dom irrestrito. Amor sem limites.

♦ Não é possível participar com fruto da Missa quando vivemos um clima de inimizade e de falta de respeito para com os outros. Aqui se insere o pecado pessoal e social. Tema delicado. Sempre questão da transparência e da generosidade. Os que vivem criando pontes, os que deixam de cultivar melindres e movimentos de inveja, os que batalham pela dignidade participam excelentemente da Eucaristia. Se assim não for ser será preciso primeiro ir reconciliar com o irmão e depois apresentar a oferenda da vida. Transparência e coerência.

♦ Não olhar uma mulher com desejo de possuí-la – Homem e mulher, companheiros e amigos. Pessoas em construção de uma fidelidade de coração, de mente e de corpo. Tema delicado esse da fidelidade. Os cristãos celebram o seu amor conjugal no sacramento. Dizem um sim que começa e continua sempre a partir do interior. Transparência. Ele e ela. Ela e ele. Não se fere a fidelidade conjugal apenas a busca carnal de outra pessoa. A traição começa no interior da pessoa. Há um adultério que se comete no coração quando se deseja possuir alguém, um desalento, um cansaço mortal.

♦ A delicada questão do divórcio – Não temos condições de abordar exaustivamente o tema. Muitas separações e muitos recasamentos! O casamento, por diferentes motivos, deveria durar. Tudo depende, em princípio, de uma escolha bem pensada. O outro leva tempo para manifestar quem ele é. Há necessidade de tempo para acolher a novidade escondida do outro, há um trabalho a ser feito para construir o amor. Amar é aceitar o outro em sua totalidade. Não se pode esquecer as condições como ficam os filhos com separação. Por isso, casamento e família são realidades que precisam de tempo e empenho. Segundo Chritiane Singer “o casamento é o único relacionamento que nos pede verdadeiro trabalho”.


Para a reflexão

O amor não é estratégia nem cálculo de contabilidade, nem um investimento que espera lucros. É doação, entrega e é desejo do outro e só pode acontecer em um contexto de transparência mútua. O amor é incompatível com a opacidade porque quando se ama, o que se deseja do outro não é sua máscara, nem sua posição, nem o lugar que ocupa na sociedade; o que deseja do outro é seu ser e precisamente e isso que nunca se pode possuir de ninguém.


Oração

Dá-nos teu Espírito Senhor:
Onde não há Espírito surge o medo.
Onde não há o Espírito a rotina invade tudo.
Onde não há o Espirito a esperança murcha,
Onde não há o Espírito esquece-se o essencial.
Onde não há o Espírito não podemos reunir-nos em teu nome.
Onde não há o Espírito introduzem-se normas.
Onde não há o Espírito não pode brotar a vida.

Fonte: Franciscanos

 


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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