Por José Antonio Pagola
O evangelista João, ao falar-nos da encarnação do Filho de Deus, não nos diz nada de todo esse mundo tão familiar dos pastores, do presépio, dos anjos e do Menino Deus com Maria e José. João nos convida a penetrar nesse mistério a partir de outra profundidade.
Em Deus estava a Palavra, a Força de comunicar-se própria de Deus. Essa Palavra pôs em marcha toda a criação. Nós mesmos somos fruto dessa Palavra misteriosa. Essa Palavra agora se fez carne e habitou entre nós.
Tudo isto continua a parecer-nos muito belo para ser verdade: um Deus feito carne, identificado com nossa fraqueza, respirando nosso alento e sofrendo nossos problemas. Por isso continuamos buscando a Deus nos céus, quando Ele está aqui embaixo, na terra, bem perto de nós.
Uma das grandes contradições dos cristãos é confessar com entusiasmo a encarnação de Deus e esquecer depois que Cristo está no meio de nós. Deus desceu ao mais profundo de nossa existência, e a vida continua parecendo-nos vazia. Deus veio habitar no coração humano e sentimos um vazio interior insuportável. Deus veio reinar entre nós e parece estar totalmente ausente em nossas relações. Deus assumiu nossa carne e continuamos sem saber viver dignamente o carnal.
Também entre nós se cumprem as palavras de João: “Veio aos seus e os seus não o receberam”. Deus busca acolhida em nós, mas nossa cegueira fecha as portas a Deus. E, no entanto, é possível abrir os olhos e contemplar o Filho de Deus “cheio de graça e de verdade”. Quem crê, sempre vê algo. Vê a vida envolta em graça e em verdade. Tem em seus olhos uma luz para descobrir, no fundo da existência, a verdade e a graça desse Deus que plenifica tudo.
Estamos ainda cegos? Vemos só a nós mesmos? Nossa vida reflete só as pequenas preocupações que levamos em nosso coração? Deixemos que nosso coração se sinta penetrado por essa vida de Deus que também hoje quer habitar em nós.
Fonte: Franciscanos
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.