Por Dom Antônio de Assis
Bispo Auxiliar de Belém do Pará (PA)
Todos os anos a Igreja Católica, movida pela fé na Ressurreição dos mortos, nos convida a aprofundar o sentido da morte, bem como, a fazer memória daqueles que nos deixaram. O amor tem memória e, por isso, não podemos esquecer aqueles que amamos. Visto que o amor é infinito, aqueles que amamos nesta vida, ao partirem para a eternidade, permanecem vivos em nossos corações. Por isso, falamos de vida eterna!
Porque estamos certos de quem amou a Deus e aos irmãos nesta vida, após a morte viverá na eternidade, então continuaremos a amá-los, a recordá-los, a imitar suas virtudes! A mesma fé que os animou a viver com dignidade neste mundo, também nos estimula a fazer o bem para um dia nos reencontrarmos.
A fé é grávida de esperança e nos projeta para a vida eterna, onde toda limitação é superada! A morte é o fim das limitações terrenas. A Palavra de Deus nos consola: após a morte não haverá mais morte; não haverá mais choro, nem grito, nem dor… Tudo passou e passamos para uma nova vida (cf. Ap 21,4). Tudo passa! Passam os problemas, as doenças, os defeitos, as crises, os conflitos, as dores, a vergonha, as angústias, as preocupações desta vida terrena.
O sentido da memória dos finados
Celebrar o dia dos finados é renovar a esperança na vida eterna. No dia de “finados” somos chamados a refletir sobre o sentido da vida e da morte! A morte, sem dúvida, é o fenômeno mais misterioso que tanto nos chama a atenção, nos instiga, provoca, amedronta e entristece. Todavia, aos olhos da fé, a morte é transformação: “não morreremos todos, mas todos seremos transformados“ (1Cor 15,51). Aos olhos da fé a morte é passagem!
A morte é advertência sobre o sentido da vida! “Não se esqueça: da morte não há retorno” (Eclo 38,21). Isso significa que só há uma edição da vida terrena; não podemos “brincar de viver!”, não nos foi permitido ter tempo para ensaiar a vida! Desde o momento em que nascemos já entramos no palco da apresentação da vida contracenando com muitos sujeitos, sendo assistidos por uns, acompanhados por outros, servindo e amando a todos.
O sentido da vida está na experiência do amor, na saída de si, na experiência da amizade, na beneficência gratuita. Quem se apega a si mesmo se esvazia na idolatria materialista e acaba na desgraça da solidão (cf. Lc 16). O desejo de vida eterna faz a gente dar sentido para tudo aquilo que somos, temos, fazemos e nos estimula a qualificar nossos projetos e opções.
Os finados e o sentido da vida
A experiência da meditação a respeito dos “finados” nos oportuniza aprofundar a qualidade da nossa vida terrena. Para São João Bosco, a reflexão sobre a morte era vista como uma necessidade pedagógica em vista do bem viver. Para ele, que gastou sua vida entregue à evangelização e educação de adolescentes e jovens pobres, a reflexão sobre a morte era de fundamental importância para que a vida pudesse ser mais valorizada e bem vivida. Por isso, todos os meses, promovia um retiro com seus alunos, ao qual chamava de “retiro da boa morte”. A boa morte é a conclusão de uma vida boa, bem vivida, vida santa! A reflexão sobre a nossa morte nos leva a pensar no sentido da nossa vida!
Então somos chamados a pensar no sentido e na qualidade da nossa história. Por isso o Eclesiastes refletia sobre a fugacidade da vida: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade…” Tudo é fugaz! Por isso, que proveito tira o homem de todo o trabalho e as fadigas de sua existência? (cf. Ecle 1,2-4).
A oração pelos fiéis defuntos
Fomos criados para a eternidade. Nascemos de Deus, imortal, nossa fonte (cf. 1Pd 1,23) e, por isso, somos projetados para a imortalidade! É isso que nos assegura a fé na ressurreição dos mortos e na Vida eterna: seremos revestidos de incorruptibilidade e imortalidade (cf. 1Cor 15,54); superada a corrupção material, virá a experiência da imortalidade.
A Igreja não reza pelos mortos, mas ora pelos fiéis defuntos! Há uma grande diferença entre essas expressões. Para quem tem fé, a morte não é o fim, não é o fracasso do ser! Por isso, na perspectiva teológica é preferível, o termo “defunto”, vocábulo que significa aquele que foi tirado de sua função, destituído de uma atribuição, que perdeu a sua missão, um cargo. De fato, defunto é aquele que perdeu todas as suas responsabilidades terrenas.
A morte é passagem para outra vida; é outro nascimento! “Os insensatos pensavam que a partida dos justos do nosso meio era um aniquilamento, mas agora estão na paz. As pessoas pensavam que os justos estavam cumprindo uma pena, mas esperavam a imortalidade” (Sb 3,3-4). Aos olhos de quem tem fé a morte não é desgraça!
A morte é a dissolução da tenda terrena (o corpo): “sabemos que, se a nossa habitação terrestre, esta tenda em que vivemos (corpo), for dissolvida (morrer), possuímos uma casa que é obra de Deus (outro corpo), uma eterna morada nos céus, que não é feita pela mão humana” (2Cor 5,1). Jesus Cristo animou os seus discípulos dizendo: “Que o vosso coração não se perturbe; na casa do meu Pai há muitas moradas. Eu vou para preparar o lugar” (Jo 14,1-2).
A morte é a chegada o ponto máximo da nossa peregrinação terrena, a sua conclusão. Somos peregrinos, por isso, de outra forma a vida continua e com outro dinamismo surpreendente. Sim, a morte nos faz finados, falecidos e defuntos para este mundo, mas cidadãos dos céus, a nossa pátria definitiva (cf. Fl 3,20-21); é para lá que caminhamos e a morte é a porta de entrada nessa nova realidade. Precisamos então suplicar o dom da fé para viver nossa vida terrena como etapa preparatória para o encontro com a nossa plenitude que será uma grande surpresa para quem foi bom e fez o bem nesta vida. O dia dos finados nos adverte para o viver com dignidade porque a vida é curta.
Porque a nossa fé nos une na mesma esperança e no mesmo amor, oramos pelos fieis defuntos. São fieis porque fazem parte da Igreja triunfante. Através da oração e dos vínculos de amor e amizade nos mantemos unidos a eles em vista do reencontro definitivo. Foi por esse motivo que Judas Macabeu estimulou os fiéis à oração pelos falecidos em batalha.
“Ele agiu com grande retidão e nobreza, pensando na ressurreição. Se não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria coisa inútil e tola rezar pelos mortos. Mas, considerando que existe uma bela recompensa guardada para aqueles que são fiéis até à morte, então esse é um pensamento santo e piedoso. Por isso, mandou oferecer um sacrifício pelo pecado dos que tinham morrido, para que fossem libertados do pecado” (2Mac 12,42-45). Portanto, alimentados pela mesma esperança e movidos pelo mesmo bem-querer continuemos a orar pelos nossos falecidos. Eles são defuntos para a sociedade, mas cidadãos dos céus!
PARA REFLEXÃO PESSOAL:
O que a reflexão sobre a morte lhe provoca?
Por que o fenômeno da morte nos convoca a refletir sobre o sentido da Vida?
Por que não rezamos pelos mortos, mas oramos pelos “fieis defuntos”? Onde está a diferença?
Fonte: CNBB