Saulo se tornou Paulo, de perseguidor a perseguido por Cristo; de proeminente judeu a discípulo e irmão de fé dos seguidores do Nazareno.
Por Bruno Franguelli, SJ
Estamos nos aproximando da festa litúrgica da conversão de Saulo, o feroz perseguidor dos cristãos, que após fazer uma experiência de encontro com o Ressuscitado, mudou radicalmente a direção da sua vida e transformou-se em um dos mais eminentes propagadores do Evangelho de todos os tempos.
É interessante notar que Saulo era um homem temente a Deus, religioso exemplar e jamais imaginava que o fato de perseguir os seguidores de Jesus fosse algo oposto à sua fé. Muito pelo contrário, para ele, combater os seguidores do Caminho significava ser fiel à ortodoxia de seus princípios religiosos. E não importava se isso implicava entregá-los à tortura e até mesmo à morte. Neste sentido, o caminho de Damasco não foi para Saulo uma simples descoberta da existência de Deus, mas um percurso dentro de si mesmo rumo à descoberta do verdadeiro rosto do Altíssimo: Jesus Cristo. Assim, Saulo se tornou Paulo, de perseguidor a perseguido por Cristo; de proeminente judeu a discípulo e irmão de fé dos seguidores do Nazareno.
Deste modo, o que aconteceu com Saulo, não se trata de uma conversão religiosa, isto é, de um ateu que se transforma em um homem de fé. Mas uma conversão muito mais radical, uma mudança de orientação da própria fé. Realidades semelhantes aconteceram também com outros santos na História da Igreja. Inácio de Loyola, por exemplo, também era um homem religioso, mas seguia os preceitos sem uma verdadeira experiência de Deus. Conhecia o catecismo, a doutrina, mas Deus lhe era distante e parecia estar simplesmente a serviço de seus desejos egoístas de honras, famas e conquistas. No leito de Loyola, em convalescença, o ex-soldado, assim como Saulo, descobriu-se cego e enganado. Pouco a pouco Inácio deu-se conta que sua vida não podia mais continuar sendo a mesma. Deste modo, de simples homem religioso, Inácio transformou-se pouco a pouco em discípulo de Jesus.
Neste sentido, como o Papa Francisco sempre nos recorda, não basta que sejamos homens e mulheres religiosos e fiéis à doutrina. É preciso que façamos uma experiência pessoal de encontro com a Palavra Encarnada: o Ressuscitado. Deste encontro brota toda conversão, toda “metanoia”, toda mudança de vida e todo desejo de amar o mundo com o coração de Deus. Por tudo isso, a conversão cristã não é simplesmente algo pontual, que acontece em um momento da vida, quando, talvez, de indiferentes à fé, começamos a crer. Para o seguidor de Jesus, o “caminho de Damasco” ou o “leito de Loyola” está sempre diante de si como um convite de Deus que não cessa de acontecer. Isso porque o fato de nos considerarmos religiosos não qualifica necessariamente o nosso discipulado. Do mesmo modo que o grau de conhecimento que temos da doutrina não explicita necessariamente a nossa comunhão com Deus e a nossa pertença à comunidade dos discípulos do Senhor, isto é, a Igreja.
Fazer a passagem da simples religiosidade ao discipulado é um caminho difícil que pode implicar uma verdadeira mudança de mentalidade, de atitude, de vida. Foi este o caminho percorrido por Paulo, Inácio e mesmo, por Francisco de Assis. É o caminho da conversão da rigidez à ternura; do apego à Lei à liberdade dos filhos de Deus; da prepotência de perfeitos à humildade de discípulos; do caminho individualista da religiosidade à peregrinação sinodal da fé.