Por Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A palavra “cultura”, de origem latina, remete ao cultivo da terra e à transformação da natureza para aperfeiçoar o ser humano. A corrente idealista associa a cultura às grandes realizações do espírito humano, como arte, literatura, ciência e religião. De acordo com essa concepção, cultura é sinônimo de civilização e progresso. No entanto, esse conceito carrega o risco de distinções etnocêntricas entre culturas, classificando algumas como superiores e outras como inferiores. A perspectiva marxista entende a cultura como ideologia que resulta da forma como uma sociedade estrutura seu modo de produção e tem a função de garantir o funcionamento do sistema econômico. Na antropologia cultural, a diferença específica de cada povo caracteriza o conceito de cultura. Segundo essa compreensão, a cultura determina todos os aspectos da forma de vida humana de um povo, desde práticas culinárias até construções sociais, simbólicas e religiosas. Cultura é o chão particular de cada grupo social, e os fenômenos culturais formam um ecossistema humano, um ambiente criado pelos povos para se protegerem e se perpetuarem.
Partindo do esclarecimento gramatical do conceito de cultura, gostaria de discutir sobre o que se chama de globalização da cultura ou cultura global. E, aceitando que estamos diante de manifestações culturais universais que se sobrepõem às culturas locais, quais seriam então as características e impactos dessa cultura sobre o indivíduo, e como lidar com essa onda que molda mentalidades, comportamentos e atitudes?
A expressão “cultura global” é, de certa forma, inadequada, pois sugere a existência de uma cultura universal compartilhada por todos os povos. Contrariamente, vivemos em uma era de multiplicidade cultural, sem um centro ordenador comum. A cultura, enquanto sistema de valores, expressões simbólicas e crenças, não consegue ser reduzida a uma única perspectiva universal. Admitindo esta visão, então o que se chama de cultura global seria, em grande parte, um processo de massificação disseminado pelas mídias de comunicação, influenciando esteticamente, ideologicamente e linguisticamente as comunidades ao redor do mundo. No caso, teríamos a expressão de um fenômeno ligado à globalização da economia, que impacta as culturas e influencia a percepção da realidade de cada povo.
Então, o fenômeno da globalização da cultura apresenta algumas características, como a massificação, homogeneização cultural, individualismo, globalização de determinadas tendências que impactam o comportamento das pessoas na contemporaneidade. Assim, o fenômeno da globalização tende à uniformização das culturas locais, impondo costumes e formas de vida através das mídias de comunicação. Em muitos contextos, presenciamos a diluição das identidades culturais através de um processo de homogeneização de comportamentos, suplantando os saberes tradicionais, negligenciando as riquezas das culturas autóctones e tradições locais. Cada vez mais, o fenômeno da globalização suplanta as culturas locais, promove um estilo de vida individualista, rompendo o senso de comunidade, de solidariedade e ação coletiva.
Então, a cultura globalizada se caracteriza pela autorreferência do indivíduo, que o conduz à indiferença pelo outro, de quem não necessita e por quem não se sente responsável. Nesse contexto, perde-se a confiança em soluções buscadas de forma coletiva. O indivíduo se desencanta com as utopias e os projetos totais de mudanças das estruturas. A economia de mercado parece ter triunfado! Descrente com a transformação das estruturas, cada um busca gerenciar de forma individual o seu próprio bem-estar e encontrar um lugar ao sol no mundo do consumo.
Essa nova tendência cultural tem impactos imediatos sobre os comportamentos e atinge a todos, especialmente a juventude, moldando sua visão de mundo, preferências estéticas e valores. De fato, as novas gerações são as mais afetadas, em suas aspirações pessoais profundas, pela cultura do consumo. Crescem na lógica do individualismo pragmático e narcisista, que desperta nelas mundos imaginários especiais de liberdade e igualdade.
Com o avanço da tecnologia de comunicação, o mundo, cada vez mais interconectado, experimenta uma globalização da cultura, tornando-se uma única aldeia global. Essa homogeneização cultural pode resultar em uma perda de identidade e dificultar a apreciação das riquezas das culturas locais. Isso coloca o desafio de preservar e valorizar as tradições e histórias das culturas locais diante da imposição da cultura globalizada, bem como promover uma educação crítica para que os jovens possam analisar e questionar as influências culturais, desenvolvendo uma consciência própria e preservando sua identidade. Em conclusão, a cultura global, sendo um fenômeno complexo, exige uma abordagem aprofundada. Entretanto, reconhecer e respeitar a pluralidade cultural é essencial para construir uma sociedade mais justa, solidária, democrática e inclusiva.
Fonte: CNBB